‘Destruir e- mail’, diz empreiteiro em bilhete

Apreendido pela PF, um bilhete enviado pelo presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, a seu advogado gerou polêmica entre integrantes da Lava- Jato e a empreiteira. Uma das frases do bilhete, “destruir e- mail sondas”, levou a PF a suspeitar da tentativa de ocultar provas. A empresa diz que a polícia quer tumultuar o processo. - SÃO PAULO E CURITIBA- A apreensão de um bilhete escrito na prisão pelo presidente da empreiteira Odebrecht, Marcelo Odebrecht, a seu advogado gerou polêmica e opôs integrantes da Lava- Jato e a defesa do empreiteiro. No bilhete, entre orientações para a formulação de seu pedido de habeas corpus, Marcelo escreveu a expressão: “destruir e- mail sondas”. O trecho foi interpretado pela Polícia Federal como uma possível ordem do empresário para a destruição de provas. Já os advogados do empresário disseram que o contexto da mensagem deixa claro que ele usou o termo “destruir” no sentido de rebater as teses da acusação.

GERALDO BUBNIAK / 20- 6- 2015Mensagem do cárcere. Marcelo Odebrecht desembarca em Curitiba com Otávio Azevedo: bilhete apreendido

A polêmica chegou ao juiz da Lava- Jato, Sérgio Moro, que pediu ao Ministério Público que se manifeste.

O e- mail a que se refere o bilhete é uma das mensagens recebidas por Marcelo Odebrecht e outros executivos da empresa e foi enviado por Roberto Prisco Ramos, diretor da Braskem, do mesmo grupo empresarial. A mensagem eletrônica, interceptada pela Lava- Jato, menciona “sobrepreço” em contratos de sondas da Sete Brasil com a Petrobras. Foi uma das provas que levaram o presidente e herdeiro da maior construtora do país para a cadeia.

A advogada da Odebrecht, Dora Cavalcanti, alega que a expressão “destruir” foi usada por Marcelo no bilhete com o sentido de “desconstituir, rebater, infirmar” a interpretação equivocada do e- mail que ajudou a basear a sua prisão. Não faria sentido tentar destruir o que já é conhecido, argumenta ela.

O bilhete manuscrito por Marcelo, em letra de difícil leitura, começa com a frase “pts p/ o hc”, que parece fazer referência a pontos para o habeas corpus. O texto lista contrapontos às provas apresentadas contra a empreiteira e seus executivos pelo Ministério Público Federal. Na sexta- feira, Marcelo Odebrecht, o presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo, e outros dez executivos das duas empreiteiras foram presos na 14 ª fase da Lava- Jato.

O bilhete foi passado pelo próprio empresário a agentes da PF na carceragem, na manhã de segundafeira, para ser entregue a seus advogados. A expressão “destruir e- mails” chamou a atenção do agente, que tirou uma cópia do bilhete antes de repassá- lo aos defensores da Odebrecht. Depois, encaminhou a cópia a seus superiores. O delegado Eduardo Mauat informou a Sérgio Moro que convocou os advogados para falarem sobre o teor do bilhete e que eles afirmaram que o verbo “destruir” se referia a uma estratégia processual e não a supressão de provas.

Mauat pediu que o bilhete original fosse entregue à PF em 24 horas, mas até a manhã de ontem não havia recebido o documento. A Moro, disse ter informado aos advogados que, independentemente da posição deles, “havia clara possibilidade de ter havido orientação para a prática de conduta estranha à relação advogado- cliente”.

Os agentes que estavam na carceragem foram chamados a prestar depoimento à PF. Um deles disse acreditar que o empresário tenha uma “mania”, pois sempre sai da cela com algum papel escrito nas mãos e presume que ele tenha sido ingênuo ao imaginar que seu bilhete não seria examinado pelos policiais, como é praxe nas prisões. Outra possibilidade, segundo o agente declarou em depoimento à PF, é que o empresário tenha feito as anotações para que ele mesmo se lembrasse de pontos a serem conversados com os advogados. De acordo com o agente, Marcelo Odebrecht se encontraria naquele momento com quatro de seus defensores e já estava fora da cela.

BILHETE CITA BANQUEIRO

O bilhete do empresário, logo após a expressão “destruir e- mail sondas", menciona o nome de André Esteves, controlador do Banco BTG Pactual. O banco é o principal acionista da Sete Brasil, empresa que constrói sondas de perfuração para a Petrobras. A Odebrecht havia se associado a Sete Brasil para construir uma dessas sondas.

O texto diz: “e- mail RR era da Braskem assim que conseguir recuperar por lá história de iniciativa André Esteves. Lembrar que naquela época sete = Petrobras off balance portanto ajudar Sete era visto como ajudar Petrobras. Lembrança Sete Brasil ( ilegível)”. Não é possível precisar, mas o texto indica uma narrativa em que Marcelo tenta mostrar que o eventual sobrepreço não seria necessariamente um prejuízo à Petrobras. Os advogados da Odebrechet não esclarecem o que o empresário queria dizer. Procurado, o BTG Pactual não quis comentar. A Sete Brasil também é investigada pela Operação Lava- Jato. Em delação premiada, Pedro Barusco, ex- gerente- executivo da Petrobras e ex- diretor da Sete Brasil, disse que houve propina de até 1% do valor dos contratos de suas sondas e que parte do dinheiro ia para o ex- tesoureiro do PT João Vaccari Neto, que também está preso.

A Odebrecht já havia contestado a interpretação do conteúdo do e- mail e disse que sobrepreço não quer dizer superfaturamento. Segundo a empresa, trata- se apenas da remuneração contratual que a Odebrecht Óleo e Gás, como operadora de sondas, propôs à Sete Brasil. Ainda de acordo com a construtora, seria o reembolso do custo de operação e manutenção das sondas, acrescido de uma remuneração fixa, conhecida pelo termo “cost plus fee”. ( custo mais taxa).

Ontem, a Odebrecht também contestou a interpretação dada à expressão “destruir email”, que remete a destruição de prova. A advogada Dora Cavalcanti acusou a Polícia Federal de “tentar tumultuar o processo ( da Lava- Jato) para justificar a prisão ilegal” de seu cliente. Em petição encaminhada ao juiz Sérgio Moro, ela afirmou que a interpretação da PF foi equivocada e que as considerações do delegado “fazem antever a lastimável determinação de criar celeuma onde não existe”, como num “flagrante preparado”.

Procurado, o delegado Mauat disse que não iria “bater boca” com advogados. A Odebrecht também divulgou nota manifestando “indignação sobre o incidente processual”. Para a empresa, o fato de o empresário ter entregado o bilhete a um agente da PF mostra a boa fé do ato.

A polêmica dividiu especialistas. Ricardo Sayegg, professor da PUC- SP e colaborador da Comissão de Prerrogativas da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil ( OAB), afirmou que todo preso tem o direito de falar abertamente e sigilosamente com seus advogados, assim como pode fazer qualquer tipo de anotação de ordem pessoal: — Essa comunicação não pode ser violada. Janaina Paschoal, professora de Direito Penal da USP, diz que a PF só teria violado a comunicação se ela estivesse em envelope fechado.

— Sendo um bilhete aberto, me parece que o funcionário público tem até o dever de entregar para autoridade — disse Janaína, lembrando que na hipótese da ordem expressa no bilhete ter sido cumprida, o agente poderia ser responsabilizado.

 

Moro rebate comunicado de Odebrecht em jornais

 

O juiz federal Sérgio Moro dedicou um despacho, publicado ontem, para rebater os argumentos apresentados pela construtora Odebrecht em comunicado publicado nos principais jornais do país na última segundafeira, para contestar a prisão do seu presidente e de outros executivos. Para Moro, a empresa se defendeu de “maneira parcial” e valeu- se de “seus amplos recursos financeiros” numa “aparente tentativa” de confundir a opinião pública.

O comunicado da Odebrecht questionava provas levantadas pela força- tarefa da Operação Lava- Jato, que acusa a empresa de participar do cartel que comandava um esquema de fraudes em licitações na Petrobras.

Ontem, Moro decidiu manter na prisão o ex- diretor de Relações Institucionais da Odebrecht Alexandrino Alencar trocando a prisão temporária dele por preventiva. O juiz aproveitou para dar uma resposta ao comunicado da empresa, que ele classificou como “inusitado”. Moro descreveu uma série de provas para justificar as prisões e a investigação da empreiteira, entre elas o depoimento de oito pessoas.

Ontem, a Odebrecht divulgou nota em que chama a conversão da prisão de Alexandrino Alencar em preventiva de “contraditória” e “arbitrária”. A empresa diz não fazer sentido o juiz alegar que a demissão do executivo tenha sido um “estratagema”, já que entre a prisão temporária e a preventiva não houve fato novo já que o executivo estava detido.

Embora a Odebrecht tenha afirmado no comunicado do início da semana que fez uma auditoria interna, Moro voltou a dizer que a empresa nada fez para cessar práticas irregulares.

JUIZ MENCIONA DELAÇÕES

Sobre a negativa dada pela empresa de ter feito depósitos na Suíça, Moro alega que três delatores afirmaram em depoimento que receberam dinheiro da empresa em contas bancárias mantidas no exterior, “além de haver elementos circunstanciais, apontados pela autoridade policial, relacionando- a a eles.” Ele cita que o caso do ex- gerente da Petrobras Pedro Barusco ainda precisa ser melhor apurado. O delator diz ter recebido propina fora do país. Segundo a Odebrecht, porém, Barusco comprou títulos da companhia que podem ser comprados por qualquer pessoa.

Moro rebate a afirmação da Odebrecht de que a menção a sobrepreço em e- mail do ex- dirigente da Braskem Roberto Prisco Ramos a executivos da empreiteira ( entre eles Marcelo Odebrecht, presidente da empresa), seria um erro de tradução de “cost plus fee” — uma forma de pagamento extra por performance ou sucesso: “apesar da explicação apresentada no inusitado comunicado de que ‘ sobrepreço’ representaria o lucro da empreiteira acima do custo (!?), no restante das mensagens eletrônicas pertinentes, não há qualquer nova utilização do termo ‘ sobrepreço’ ou do termo ‘ cost plus free’”, escreveu o juiz.

 

MENSAGEM INTERCEPTADA

A mensagem manuscrita do empresário Marcelo Odebrecht com orientações a seus advogados para um pedido de habeas corpus chamou a atenção da PF principalmente pela frase “destruir e- mail sondas”, seguida pela sigla RR. O trecho foi interpretado como orientação para apagar mensagens de Roberto Ramos, executivo da Braskem, controlada pela Odebrecht. O texto, com uma letra difícil, menciona ainda o dono do BTG Pactual, André Esteves

 

Desembargador nega liberdade a presidente da Andrade Gutierrez

 

O desembargador federal João Pedro Gebran Neto, do Tribunal Regional Federal da 4 ª Região, negou ontem pedido de soltura do presidente da Andrade Gutierrez ( AG), Otávio Marques Azevedo, e do diretorexecutivo, Elton Negrão de Azevedo Júnior. Ambos estão presos preventivamente desde a última sexta- feira na carceragem da PF, em Curitiba. Eles foram detidos na 14 ª fase da Lava- Jato.

A defesa de Azevedo havia entrado com pedido de habeas corpus na sexta- feira, argumentando que o presidente estava afastado, nos últimos anos, das questões referentes ao ramo da construção civil na empresa. Segundo os advogados, o executivo tem se dedicado à fusão da companhia de telefonia Oi, controlada pela Andrade Gutierrez, com a Portugal Telecom. Já a defesa de Elton Negrão argumentou que as atividades empresariais citadas no decreto de prisão preventiva são de 2008, portanto, “fato antigo”. Alegam que não foram descritas as condutas pelas quais Negrão estaria sendo detido.

“É indiciário de que, ocupando cargo de tamanha importância, tivessem ciência dos fatos ilícitos que vinham ocorrendo na empresa”, diz o desembargador. Ele afirma que a prova anexada aos autos indica a “clara proximidade” entre os executivos e esquema de corrupção na Petrobras.