Ministros e senadores contra "janela eleitoral"

Correio braziliense, n. 19016, 19/05/2015. Política, p. 2

André Shalders 
 Eduardo Militão 

 Júlia Chaib

Juristas e senadores criticaram ontem a “janela” de 30 dias criada pela Câmara para que políticos possam trocar de partido sem perder o mandato. A proposta foi aprovada na quarta-feira à noite, na última rodada de votações do 1º turno da PEC da reforma política, por meio de uma emenda assinada pelo líder do PTB, Jovair Arantes (GO). Para ex-ministros do TSE, é no mínimo curioso determinar a fidelidade às ideias de uma legenda e, ao mesmo tempo, conceder um prazo para fugir a essa regra. A “janela” também deverá ser rediscutida no Senado.

Segundo o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral José Eduardo Alckmin, a janela aprovada pelos parlamentares é “francamente inconstitucional” e certamente será questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) por ferir a soberania do voto popular. Para ele, o eleitor pode ser enganado com a medida. “O cidadão vota num político do DEM, de oposição, e ele resolve mudar para o PT ou legenda da base aliada. O eleitor acaba sendo alvo de infidelidade extrema”, criticou.

De acordo com o advogado eleitoral, os políticos chegam ao Congresso, principalmente na eleição proporcional para deputados, com a ajuda dos partidos, e isso não pode ser ignorado. “Pode mudar de partido? Pode, mas deixa a cadeira para trás”, defendeu Alckmin. “A ideia da janela é muito complicada.”

O ministro do STF Marco Aurélio Mello preferiu não opinar juridicamente sobre o caso. Mas ele destacou que a fidelidade partidária foi decidida pelo TSE anos atrás e faz parte do Código Eleitoral. Ele afirmou que a opção política foi tomada por um Congresso “em fase de busca de fortalecimento”. “De início, é um problema de conveniência”, afirmou o ministro do Supremo. “Não sabia que há tantos pretendentes para a troca de camisa”, continuou Marco Aurélio. Com ironia, lembrou que é flamenguista desde criança e nunca trocou de time, apesar de a esposa torcer para o Fluminense e de ter parentes vascaínos.

Um ex-ministro do TSE ouvido pelo jornal avaliou que a decisão dos deputados não contraria os julgamentos do tribunal. A fidelidade partidária existia antes da Constituição de 1988, e acabou não sendo incluída na nova Carta Magna após muito debate entre os parlamentares. Agora, depois das decisões do TSE e do próprio STF sobre o tema, os deputados parecem querer corrigir isso, na avaliação desse ex-ministro.

“Ou se faz uma regra que vale sempre, ou se mantém a atual. A meu ver não há justificativa para criar essa ‘janela’, me parece algo casuístico”, disse a senadora Ana Amélia (PP-RS). “Espero que esta Casa (o Senado) tenha o juízo necessário para rever essa questão, com calma”, disse ela. Opiniões similares foram ouvidas entre os senadores designados na tarde de ontem para uma Comissão Especial que analisará temas da reforma política. A Câmara terá de aguardar cerca de uma semana (cinco sessões com quórum) antes de votar o 2º turno da PEC. Só então a proposta formulada pelos deputados irá ao Senado.

Derrotados na votação, alguns deputados voltaram a criticar a medida. “Quando nós imaginamos que faríamos uma verdadeira reforma política, mudando a lógica do sistema partidário e eleitoral, (...) nós pensamos, como um gesto natural, a abertura de uma janela para que houvesse uma reacomodação. Mas, como não houve mudança nenhuma, e a reforma sequer merece esse nome, então não há nenhum motivo para essa janela”, disse o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG). Segundo ele, dificilmente a janela será modificada em um segundo turno na Câmara.

No PT, porém, há quem aposte na derrubada da “janela” na votação em segundo turno. Segundo Afonso Florence (PT-BA), a fidelidade partidária é quesito ideológico para o partido. “Fica no PT quem quer. Quem quiser ir embora, é melhor que vá. Já vai tarde”, disse. Tanto PT quanto PSDB liberaram as bancadas na votação da janela. Os petistas tiveram 25 votos favoráveis de 58, e os tucanos, 36 em 51. “Fui contra a janela. Aquilo ali era só para o caso de ter havido alguma modificação no sistema eleitoral, o que não houve. Então, perdeu o sentido. Votamos contra por uma questão de coerência”, disse o líder do PSD, Rogério Rosso. O partido foi um dos poucos a orientar contra a medida, com PPS, PSol, PV e PCdoB.

Ontem, o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL) divulgou os nomes que vão compor a comissão especial para tratar do assunto na Casa. Das medidas já aprovadas em primeiro turno na Câmara, deve ser mantido o fim da reeleição, mas rejeitada a redução do tempo do mandato de 8 para 5 anos. Os senadores também querem retomar a discussão sobre o fim das coligações para eleições proporcionais, rejeitada pelos deputados. O objetivo do presidente do Senado é concluir a votação da matéria até o recesso parlamentar, em 17 de julho. 

» Entenda o caso
Regras para a migração política
A “janela” para a troca de legendas foi aprovada ontem por meio de uma emenda apresentada pelo líder do PTB, Jovair Arantes. Segundo o texto, os parlamentares terão 30 dias para mudar de partido impunemente, após a promulgação da PEC. Hoje, os deputados só podem mudar de partido sem perder o mandato caso consigam provar, na justiça, que foram vítimas de “grave discriminação” por parte da legenda, ou que está vêm se desviando continuamente do programa partidário. Pelo texto apresentado por Jovair, as migrações de deputados entre as legendas não alterarão a distribuição dos recursos do Fundo Partidário ou do tempo gratuito de TV e Rádio das legendas. Esse entendimento, firmado pelo STF, é mantido por uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que trata da fidelidade partidária.

Contraditoriamente, na noite anterior à aprovação da janela, os parlamentares decidiram incluir na Constituição as regras atuais de fidelidade partidária. Ao longo das últimas semanas, a Câmara dos Deputados apreciou dezenas de temas na votação da PEC da reforma política. Além da janela, foram aprovados o fim da reeleição para o Executivo; o mandato de cinco anos para todos os cargos; a vedação a doações de empresas para candidatos (mas não para partidos) e a redução da idade mínima para os cargos de deputado, senador e governador, entre outros. A cota para mulheres no Legislativo não passou.

“Não sabia que há tantos pretendentes para a troca de camisa”
Marco Aurélio Mello, ministro do STF

“Tem sete estados que a gente não tem nenhum deputado. É onde há espaço para crescer”
Eduardo da Fonte, líder do PP