O globo, n. 29901, 19/06/2015. País, p. 8

Nardes: ‘ império da lei’ tem que valer para todos os governantes

CRISTIANE JUNGBLUT E SIMONE IGLESIAS 

TCU entrega a Renan cópia da decisão sobre contas de Dilma de 2014

- BRASÍLIA- O presidente do Tribunal de Contas da União, ministro Aroldo Cedraz, e o relator das contas do governo em 2014, ministro Augusto Nardes, entregaram ontem ao Senado uma cópia da decisão de anteontem em que o TCU cobrou explicações da presidente Dilma pelas irregularidades na contabilidade do governo do ano passado. No encontro com o presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), Nardes defendeu que “o império da lei” tem que valer para todos os governantes.

AILTON DE FREITASContas. Nardes ( à esquerda) e Cedraz, do TCU, com Renan e o senador Jorge Viana ( PT): ministros entregaram relatório ao presidente do Senado

— Espero que a inauguração do novo momento do TCU, que pela primeira vez estabelece não aprovar mais com ressalvas ( as contas), sirva como exemplo positivo de transparência e de fortalecimento das nossas instituições, e que o império da lei seja para o prefeito, para o governador e também no escalão maior, a presidente da República — disse Nardes.

O ministro do TCU também pediu a Renan a retomada das votações sobre as contas presidenciais, que costumam ficar paradas na Comissão Mista de Orçamento. Desde 2002, o Congresso não vota os pareceres do TCU sobre as contas.

— Senti excelente boa vontade do presidente Renan em conversa que já tivemos. Ele disse que priorizaria isso. É um avanço para a sociedade brasileira e também para os congressistas, porque a principal função do Congresso é fiscalizar as contas da República. E nós damos um parecer técnico. Já há declarações do presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), e também já senti do presidente Renan, que isso possa acontecer — disse Nardes.

Para ele, o Congresso precisa retomar as votações e, assim, ser “fortalecido”:

— Temos que mudar esse procedimento, porque hoje vivemos num mundo extremamente competitivo e onde às vezes não há a entrega de forma transparente dos produtos para a sociedade.

Ele também usou o termo “pedaladas” ao se referir aos problemas encontrados pelo TCU nas contas de 2014. Os 13 itens mais relevantes foram objeto de questionamento a Dilma. No total, o relatório apontou 31 indícios de irregularidades.

RENAN ELOGIA O TRIBUNAL DE CONTAS

Após o encontro, Renan Calheiros elogiou a decisão do TCU:

— A respeito da visita do TCU, quero mais uma vez dizer que considero consequente a decisão do tribunal, porque garante o contraditório e, sobretudo, abre espaço para que se esclareça tudo, absolutamente tudo.

Publicamente, para evitar um confronto com o TCU, o governo adotou a estratégia de dizer que se beneficia com o prazo de 30 dias para explicar as irregularidades nas contas de 2014. Internamente, no entanto, o discurso é bem diferente. A decisão do TCU desagradou ao Planalto, que esperava ter convencido os ministros a aprovar as contas de Dilma com ressalvas.

A avaliação do governo é a de que só a rejeição nas contas teria sido pior que o adiamento com o pedido de explicações. A rejeição ainda pode acontecer, lembrou um ministro do Palácio ao GLOBO, e pedir que Dilma se explique foi uma forma de politizar uma decisão técnica, o que é muito ruim para o governo. Em conversas reservadas, auxiliares do governo cobravam ontem um critério do TCU em suas decisões, já que há anos as “pedaladas fiscais” acontecem, e o tribunal nunca as considerou um problema.

— Esperava- se um grande puxão de orelhas, além de real compromisso do governo em não fazer isso novamente. No entanto, o TCU agiu como um pai que vê o filho fazendo coisa errada há anos e fecha os olhos, mas, de uma hora para a outra, decide dar punição exemplar — disse uma fonte do governo.

A politização das contas do governo vai além do pedido de explicações a Dilma. No Palácio, diz- se que Nardes deslocou o eixo do poder para si, num momento em que o governo está fragilizado, e outros dois atores — Cunha e Renan — atuam com protagonismo e independentes do Executivo no Congresso.

Nos últimos dias, o governo atuou fortemente no TCU para impedir a derrota. Uma blitz governista formada pelos ministros do TCU José Múcio, Benjamin Zymler e Walton Rodrigues foi montada para convencer os demais. O prazo de 30 dias foi estipulado, segundo um ministro do TCU, como estratégia jurídica, e não por um acerto político. Sem esse prazo, se houver a rejeição das contas, o governo irá ao Supremo pedir a suspensão do julgamento, alegando não ter tido direito de defesa.

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Inquéritos no MPF investigam ‘ pedaladas’

VINICIUS SASSINE
 

Procurador abriu procedimentos nas áreas cível e criminal sobre manobra fiscal

- BRASÍLIA- As “pedaladas fiscais” que a presidente Dilma Rousseff é acusada de ter feito em 2014 para fechar as contas do ano levaram o Ministério Público Federal no Distrito Federal a instaurar procedimento criminal para investigar dois supostos crimes contra as finanças públicas, ambos previstos no Código Penal. O primeiro crime investigado se refere ao ato de ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito sem autorização do Legislativo, com pena de prisão de 1 a 2 anos. O segundo trata de ordenação de despesa sem autorização legal, e a pena é de reclusão de 1 a 4 anos.

Também foi aberto um inquérito civil público para apurar o possível cometimento de improbidade administrativa na prática das “pedaladas fiscais”. Na esfera cível, a investigação já em curso é sobre suposta improbidade de gestores envolvidos na manobra fiscal.

TOMBINI E ARNO JÁ NOTIFICADOS

O ex- secretário do Tesouro Nacional Arno Augustin e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, já foram notificados e deram explicações por escrito no procedimento que antecedeu o inquérito cível, ainda em 2014. Por ter direito a foro privilegiado, Tombini foi oficiado pelo procurador- geral da República, Rodrigo Janot.

O caso começou a ser apurado no MPF em agosto do ano passado. Em 27 de maio deste ano, o procurador da República Ivan Cláudio Marx assinou despacho convertendo o procedimento preliminar de apuração em duas frentes de investigação: um inquérito civil e um procedimento criminal — este último equivalente a um inquérito na Polícia Federal.

As apurações se baseiam no processo do Tribunal de Contas da União ( TCU) sobre as “pedaladas”, julgado em abril deste ano. A manobra consistiu num represamento de recursos do Tesouro a bancos oficiais, como forma de melhorar artificialmente as contas públicas. Assim, os bancos tiveram de arcar com benefícios como o Bolsa Família e o segurodesemprego.

Na sessão em abril, os ministros do TCU julgaram a manobra como ilegal, com infração à Lei de Responsabilidade Fiscal ( LRF). O plenário chamou 17 autoridades e ex- autoridades econômicas do primeiro governo de Dilma Rousseff para dar explicações, entre elas o ex- ministro da Fazenda Guido Mantega; Arno Augustin; Tombini; o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa; o presidente do BNDES, Luciano Coutinho; e o ex- presidente do Banco do Brasil e atual presidente da Petrobras, Aldemir Bendine.

Na última quarta- feira, Dilma foi chamada pelo TCU a dar explicações sobre 13 indícios de irregularidades na prestação de contas de 2014, das quais três se referem às “pedaladas”. Dilma tem um mês para entregar a resposta. Ela corre o risco de ter as contas rejeitadas em plenário, o que seria inédito desde 1937.

O inquérito civil e o procedimento criminal foram instaurados pelo MPF a partir da remessa dos documentos do TCU à Procuradoria da República no DF. O procurador Ivan Marx decidiu não listar, por ora, os nomes dos gestores e ex- gestores a serem investigados, mesmo com a convocação feita pelo TCU para audiências. Em relação aos “envolvidos”, consta “a apurar”.

IRREGULARIDADES NEGADAS

Em agosto de 2014, quando o procedimento preparatório foi instaurado, os procuradores pediram documentos do TCU e cobraram explicações de Arno e Tombini. O então secretário do Tesouro respondeu, em setembro, que todos os procedimentos adotados estavam dentro da lei e eram absolutamente corretos. Disse não ter havido atrasos no pagamento das despesas.

Tombini encaminhou em outubro a Janot um parecer jurídico subscrito pelas diretorias de Política Econômica e de Fiscalização do BC. Ele negou a existência de contas paralelas para melhorar o resultado primário das contas do governo em 2014. O Ministério da Fazenda informou que não vai comentar a abertura dos inquéritos.