Superbactérias matam três mulheres em Brasília

2 jun 2015

JESSICA MOURA

Outros oito pacientes estão infectados; governo do Distrito Federal, porém, descarta surto

- BRASÍLIA- A Secretaria de Saúde do Distrito Federal confirmou ontem que oito pacientes estão contaminados com superbactérias. Cinco deles estão internados no Hospital de Taguatinga ( HRT), com enterococo, e outros três no Hospital Regional do Guará ( HRG). Taguatinga e Guará são cidades- satélites de Brasília. No último domingo, três mulheres que morreram no HRT também estavam infectadas. Em uma delas foi detectada a bactéria do tipo KPC. Os contaminados foram isolados em uma enfermaria especial para evitar o alastramento do contágio, e o pronto- socorro do hospital, onde eles eram atendidos antes, foi interditado.

GIVALDO BARBOSATensão. Emergência do Hospital Regional de Taguatinga: pacientes isolados e atendimento no pronto- socorro suspenso para evitar contágio

Todos os pacientes são idosos. A primeira vítima, de 79 anos, deu entrada no hospital por conta de uma fratura no fêmur e as complicações da infecção da KPC contribuíram para o óbito, segundo a Secretaria de Saúde. As outras duas mulheres, de 70 e 80 anos, estavam contaminadas pelo enterococo, e tinham problemas cardiovasculares como hipertensão. Outras vinte pessoas que tiveram contato com a primeira paciente a apresentar a bactéria passaram por exames, mas foram liberadas depois que o teste deu negativo.

VÁRIAS ALAS INTERDITADAS

Desde a última quinta- feira, quando um exame de sangue acusou a presença de bactéria no sangue de uma das doentes, os atendimentos no prontosocorro foram suspensos. Quem procurava a emergência do hospital tinha de buscar tratamento em hospitais de cidades próximas, já que as alas de ortopedia, cardiologia e clínica médica também foram isoladas, pois ficavam perto do pronto- socorro. Agora, todo o setor de emergência, que atende a cerca de 400 pessoas por dia, passa por uma limpeza para desinfecção e só deve ser reaberto para a população hoje.

A coordenadora de infectologia da Secretaria de Saúde do DF, Maria de Lourdes Lopes, afirma que o uso exacerbado de antibióticos favorece o desenvolvimento de resistência aos medicamentos pelas bactérias da própria flora corporal. Os hospitais seriam os principais locais de contaminação, que ocorre por meio do contato físico.

— As bactérias podem ser transmitidas pelo contato com o paciente e tudo que está ao redor dele. Contribuem a falta de limpeza e, principalmente, o toque das mãos — explica Maria de Lourdes. — Por isso, estamos tentando construir políticas de enfrentamento, como a capacitação de profissionais que tratam de pacientes com bactérias em áreas críticas. Setores como UTIs, oncologia e hemodiálise são onde há mais bactérias resistentes.

A especialista descartou a possibilidade de surto ( aumento repentino), mas reconheceu que a proliferação é endêmica ( frequente), sobretudo nos setores mencionados.

— Não estamos vivendo um surto. Em todos os hospitais temos uma situação endêmica: há endemia de KPC e casos pontuais de enterococos — afirma. — O pronto- socorro deveria ser um local de circulação de pacientes, mas eles acabam lotando as emergências por causa da crise na saúde. Nessas áreas as bactérias têm uma capacidade de sobrevivência extremamente elevada. Podem ficar lá semanas e até meses caso não haja uma limpeza recorrente das unidades de saúde. Com o uso irracional de antibióticos, estamos ficando sem possibilidade de tratar as infecções bacterianas, já que elas desenvolvem resistência ao medicamento.

Os três pacientes internados no Hospital do Guará também estão em leitos isolados. Apesar de não terem desenvolvido a infecção, os testes mostraram que eles têm um outro tipo de superbactéria, a ahietobacterea. Ainda não há previsão de alta para nenhum dos pacientes isolados nos dois hospitais.

Maria de Lourdes alerta ainda que o problema é mundial. Segundo a infectologista, a Organização Mundial da Saúde ( OMS) classificou a resistência das bactérias a antibióticos como questão de saúde pública. Para ela, o problema começou com a descoberta da penicilina, em 1928, remédio que é extraído de um fungo contra essas infecções. Mas a especialista destacou ainda que não há outras alternativas a esses remédios para o tratamento:

— Estamos na era do pós- antibiótico. De vinte anos para cá, a quantidade de lançamento de novos medicamentos foi reduzida em quase 50%, porque o investimento da indústria farmacêutica ( nesses remédios) é muito alto.