Valor econômico, v. 16, n. 3785, 26/06/2015. Finanças, p. C1

 

Grandes empresas captam mais barato com título do agronegócio

 

Por Vinícius Pinheiro | De São Paulo

 

Luis Ushirobira/ValorBom momento do setor favorece emissões, diz Bonamin, do TozziniFreire

Em tempos de juros em alta e escassez de recursos de linhas do BNDES, as grandes empresas com operações diretas ou ligadas ao agronegócio descobriram uma nova forma de captação de recursos a um custo mais baixo: a emissão de certificados de recebíveis do agronegócio (CRA).

Nomes como a produtora e distribuidora de etanol Raízen e a Suzano Papel e Celulose se valeram do instrumento, com emissões no valor de R$ 675 milhões cada. A produtora de alimentos BRF também pretende estrear nesse mercado, com uma oferta de pelo menos R$ 400 milhões. Outras companhias que preparam emissões para os próximos meses são a produtora de papel e celulose Fibria e a empresa de logística JSL, conforme apurou o Valor.

Com a entrada das grandes empresas, o volume de emissões de CRA disparou. O estoque dos papéis mais que dobrou nos últimos 12 meses e atingiu R$ 2,6 bilhões em maio, de acordo com dados da Cetip, que realiza o registro das operações. Os dados ainda não consideram as ofertas de Raízen e Suzano, registradas neste mês.

O volume de emissões de CRA ao longo deste ano deve alcançar até R$ 4 bilhões, puxadas pelas grandes empresas, segundo Eduardo Prado, executivo da área de renda fixa do Itaú BBA. "A tendência é que esse número aumente conforme o produto se torne mais conhecido de investidores e emissores", afirma.

A principal vantagem do CRA em relação a outras formas de dívida é o custo. Como o papel possui isenção de IR para pessoas físicas, os investidores topam "dividir" parte desse ganho com a empresa que capta os recursos.

A emissão da Raízen saiu a um custo equivalente ao da taxa interbancária (CDI), sem spread, enquanto a Suzano captou recursos a 101% do CDI. Para efeito de comparação, a credenciadora de cartões Cielo fechou em abril uma captação via debêntures, que não contam com isenção de IR, pagando aos investidores uma taxa de 105,8% do CDI.

As captações com recebíveis têm saído com taxas mais competitivas não apenas ante outras linhas locais como também em relação às emissões externas, segundo Mauro Tukiyama, diretor de renda fixa do Bradesco BBI. "A relação custo-benefício para o emissor hoje é muito atraente", diz. A comparação é importante porque várias das companhias que fizeram ofertas de CRA costumam acessar apenas o mercado internacional.

 

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Criados em 2004, os certificados de recebíveis do agronegócio só começaram a emplacar oito anos mais tarde, quando a primeira oferta dos títulos foi registrada na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). "Como ainda era pouco conhecido, o produto ainda precisou ser aprovado nas áreas de private banking [alta renda] dos bancos, o que só veio a ocorrer entre 2013 e o ano passado", afirma Bruno Tuca, sócio da área de mercado de capitais do Mattos Filho Advogados.

A expectativa é que a demanda dos investidores pelos recebíveis do agronegócio aumente ainda mais após as mudanças nas regras das letras de crédito imobiliário (LCI) e do agronegócio (LCA), segundo o advogado. A emissão das letras, que também contam com benefício fiscal, caiu após a decisão do governo de ampliar os prazos mínimos de emissão e resgate.

A conjuntura mais favorável para o setor, praticamente o único que se destaca em meio à retração da economia, também favorece as emissões. O CRA é o título hoje que, proporcionalmente, mais tem ocupado os bancos e escritórios de advocacia. "O agronegócio está salvando a lavoura", afirma, em tom de brincadeira, Alexei Bonamin, sócio do TozziniFreire Advogados.

Em um ano mais fraco para o mercado de capitais como um todo, o escritório atualmente está envolvido em oito ofertas de CRA. Entre os segmentos com potencial para realizar emissões com lastro em recebíveis, Bonamin aponta grandes exportadoras nos ramos de frigoríficos, celulose, laranja e café.

Do lado das companhias, a procura por fontes alternativas de financiamento também é reflexo direto da atual situação macroeconômica, segundo o executivo de um banco, que pediu para não ser identificado. "Muitas dessas empresas, que antes tomavam recursos subsidiados no BNDES, nem cogitavam vir a mercado", diz a fonte.

Na superfície, o CRA de uma empresa como Raízen ou Suzano não é muito diferente de um título de dívida, na qual o investidor corre o risco do crédito da companhia. Mas, ao contrário de uma debênture, que é lançada diretamente pela empresa devedora, no CRA a companhia "vende" um fluxo de recebíveis a uma securitizadora, responsável pela emissão no mercado. Embora mais complexa, a estrutura compensa graças ao benefício fiscal.

Os executivos que atuam nesse mercado não veem um desvio no objetivo original do CRA nas emissões corporativas. "A destinação dos recursos para financiar o agronegócio precisa ser comprovada em todos os casos", afirma João Paulo Pacífico, sócio da securitizadora Gaia. Ele diz que já houve casos de grandes empresas que não conseguiram levar a operação adiante porque não conseguiram comprovar a destinação dos recursos para o setor.

Mesmo com o avanço recente, ainda não há uma regulação específica que trate da emissão de CRA. As ofertas que ocorreram até o momento se valem das regras dos recebíveis imobiliários. Outra demanda do mercado é a possibilidade de emissão de títulos com correção cambial, já que parte relevante da produção é cotada e vendida no exterior. Atualmente, existem duas consultas na CVM, que ainda não manifestou posição sobre o tema, segundo o advogado do Mattos Filho.