Operação abafa estancada

13 jun 2015

CATARINA ALENCASTRO E CRISTIANE JUNGBLUT

Após reportagem do GLOBO, Itamaraty diz que vai liberar papéis que podem ligar Lula à Odebrecht

BRASÍLIA- Um dia depois de O GLOBO revelar a existência de um memorando interno do Itamaraty sugerindo manter em sigilo informações que poderiam envolver o ex-presidente Lula com a empreiteira Odebrecht, o Ministério das Relações Exteriores anunciou que vai liberar todos os documentos reservados produzidos entre 2003 e 2010 que citam a empreiteira. A liberação dos papéis, no entanto, ainda depende de pedidos ao ministério com base na Lei de Acesso, o que vai levar mais alguns dias.

RICARDO STUCKERT/INSTITUTO LULARepercussão. Lula no congresso do PT na Bahia: irritado com episódio, ele disse que governo tem que liberar tudo

Os documentos haviam sido solicitados por um repórter da revista “Época” via Lei de Acesso, mas o diretor do Departamento de Comunicações e Documentação (DCD) do Itamaraty, ministro João Pedro Corrêa Costa, suspendeu a entrega solicitando que os papéis fossem reavaliados para possível reclassificação como registros “secretos”, o que impediria a divulgação.

O Itamaraty não viu problemas na conduta do diplomata, mas o Palácio do Planalto pensa de modo diferente. A tese difundida pelo Planalto é que o diplomata pode ter agido com intenção de gerar um fato para prejudicar Lula e manchar a imagem do governo. Para auxiliares da presidente Dilma, João Costa agiu sozinho ou seguindo ordens de alguém de baixo na hierarquia do Itamaraty.

Dilma mandou o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, pedir explicações ao chanceler Mauro Vieira. O ministro das Relações Exteriores disse que desconhecia o pedido. Lula também foi procurado por assessores de Dilma e ficou irritado, dizendo que o governo tinha que divulgar tudo, e que não há nada que possa incriminá-lo.

ITAMARATY VÊ “PROCESSO NORMAL”

Em nota, o Itamaraty sustentou que o memorando divulgado pelo GLOBO faz parte de um “processo normal de consulta interna”. “O Ministério das Relações Exteriores reitera o seu comprometimento inequívoco com o respeito e a observância do princípio democrático da transparência de que se imbui a Lei de Acesso”. O ministério alega que a reportagem do jornal é imprecisa e “induz o leitor a uma interpretação equivocada de procedimento administrativo rotineiro, regular e previsto em lei”.

A nota cita dois artigos da Lei de Acesso, mas nenhum deles faz referência à imagem de ex-presidente da República, argumento utilizado pelo diretor de Comunicações para pedir a reavaliação dos documentos. Segundo o Itamaraty, a lei estabelece que a reclassificação levará em conta “as peculiaridades das informações produzidas no exterior por autoridades ou agentes públicos”.

“Tal reavaliação também é fundamentada na necessidade de preservar informações sensíveis sobre personalidades públicas estrangeiras ainda em atividade, bem como para preservar dados comerciais de empresas brasileiras cuja divulgação possa afetar sua competitividade”, diz a nota.

A chancelaria brasileira não vai abrir qualquer apuração sobre a conduta do ministro João Pedro Costa. A avaliação do Ministério das Relações Exteriores é a de que o diplomata não cometeu irregularidade, e agiu de acordo com as funções.

O pedido de informação feito pelo jornalista Filipe Coutinho, da revista “Época”, citava apenas documentos que faziam referência à Odebrecht. O nome de Lula só surgiu no memorando do DCD, quando o diretor do departamento pediu a reavaliação do material que já estava pronto. O diplomata alegou que o autor do pedido já tinha escrito reportagens sobre ligações de Lula com a empreiteira.

O pedido de acesso aos documentos foi apresentado no início de maio. O prazo final para resposta do Itamaraty venceu em 8 de junho. Neste dia, o autor do pedido foi informado de que seria atendido, mas seriam necessários mais 10 dias para processamento dos documentos. A Lei de Acesso prevê que a resposta deve ser dada em até 30 dias. O Itamaraty pediu um prazo adicional, não previsto na legislação, de mais 10 dias. No dia seguinte (9 de junho), o diretor do DCD fez o memorando. Ontem, diante da exposição do caso, o jornalista foi informado de que poderá pegar os documentos segunda-feira.

A “Época” condenou o comportamento do diretor do DCD. “Consideramos a atitude do servidor do Itamaraty grave. Ela é contrária aos valores republicanos da impessoalidade e da transparência, consagrados pela Constituição e respeitados cotidianamente pelos demais diplomatas brasileiros. ‘Época’ confia na capacidade do Ministério das Relações Exteriores de esclarecer o episódio e, ademais, ceder acesso aos documentos públicos pedidos, dentro da lei, por nossa reportagem”.

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Oposição quer convocar ministro das Relações Exteriores ao Congresso

13 jun 2015

PT se queixa da imprensa e enxerga tentativa de atingir Lula e o partido

-BRASÍLIA E SALVADOR- A oposição vai apresentar requerimentos de informações e de convocação do ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores) e do diretor de Comunicações e Documentação do Itamaraty, João Pedro Corrêa Costa. O líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), quer informações sobre a revelação de que o Itamaraty agiu para esconder dados que podem comprometer o ex-presidente Lula, e também quer ter acesso aos documentos. O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), defendeu a convocação de Corrêa na CPI da Petrobras.

— Não quero aceitar que o lulopetismo tenha se impregnado também em nossos quadros diplomáticos e, portanto, não vou me furtar de trazer esse tema ao Senado — disse Caiado.

O líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE), classificou o caso de “grave atentado à liberdade de informação”:

— A diplomacia do país, que deveria se guiar por uma política de Estado, e não de governo, segue preceitos ideológicos.

Sampaio disse que vai protocolar representação junto ao Ministério Público para que sejam apurados suposto crime de prevaricação e atos de improbidade administrativa do ministro João Costa:

— Essa tentativa de blindagem do expresidente só aumenta a suspeita de que ele está envolvido em algo muito grave.

Sem citar a reportagem do GLOBO, Lula afirmou que há uma “criminalização” dele e do partido, e comparou as denúncias de corrupção contra o PT à construção de um discurso nazista:

— Como surgiu o nazismo ou o fascismo? A gente sabe como isso começa. E começa exatamente tentando desacreditar pessoas, levantar coisas sobre pessoas até que elas fiquem desacreditadas.

Para o presidente do PT, Rui Falcão, “são denúncias infundadas”:

— Uma tentativa de atingir o PT e o Lula. Eles não se cansam de denúncias como essas, sem provas. É um fato costumeiro de setores da nossa imprensa.

O assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia disse que não há nenhum documento sobre a política externa brasileira que possa constranger Lula.