Valor econômico, v. 16, n. 3769, 03/06/2015. Brasil, p. A2

 

Razões do PIB fraco: uma visão polêmica

 

Por Cristiano Romero

Sabe-se que, com exceção dos economistas de corte desenvolvimentista, é difícil encontrar no debate brasileiro alguém que não veja na "nova matriz econômica", os experimentos conduzidos no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, as razões que provocaram a forte redução no ritmo de expansão da economia do país nos últimos anos. A "nova matriz" não apenas derrubou a taxa de crescimento, mas também jogou o Brasil numa crise, cuja saída - que passa pelo ajuste em curso - já está custando caro em termos de atividade e emprego.

A "nova matriz" não se constituiu apenas de mudanças no arcabouço de política macroeconômica que, com poucas variações, governou o país entre 1999 e 2010. Os juros foram reduzidos na marra, o câmbio foi desvalorizado e depois estabilizado em detrimento do regime flutuante e o Ministério da Fazenda colocou em prática as "pedaladas fiscais" para maquiar a verdadeira situação das contas públicas. As transformações, contudo, não ficaram por aí.

Na área microeconômica, várias políticas, em sua maioria marcadas por um viés intervencionista e antimercado, foram implantadas. Alguns exemplos: a mudança do regime de exploração de petróleo de concessão para partilha (realizada ainda no governo Lula, mas num processo liderado pela então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff); o congelamento dos preços dos combustíveis; a aprovação de lei para que a Petrobras fosse a operadora única na exploração de petróleo da camada pré-sal; a exigência de conteúdo nacional na construção de navios, plataformas e sondas; o gigantismo do BNDES no sistema de crédito; o voluntarismo na renovação das concessões do setor elétrico.

Para Schymura, gasto social, em vez de "nova matriz", derrubou PIB

Direcionamento de investimentos pelo governo costuma ser visto por economistas liberais, observa Luiz Guilherme Schymura, como forte indutor de alocações de capital prejudiciais ao crescimento da economia. Em tese, os burocratas não possuem os incentivos e as punições do mercado para guiar suas decisões. Por mais preconceituosa que possa ser essa visão, é forçoso reconhecer que dificilmente Brasília, sob qualquer governo, vá ter condições de promover deliberações de investimento típicas do setor privado, mais afeito ao cálculo de riscos.

Racionalmente, Schymura, que comanda o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV-Rio, enxerga nas políticas mencionadas temas passíveis de discussão. Ele considera válido alegar que as medidas causaram problemas alocativos, mas também acha que muitas delas são mais complexas do que a narrativa por vezes "simplista de alguns críticos faz parecer". "Para ficar em apenas um exemplo: as mudanças no setor elétrico foram feitas dentro do marco da legalidade em contratos que iriam vencer. Se as empresas do setor tinham a expectativa de renovação nas mesmas bases prevalecentes, isto se devia a uma crença não baseada em qualquer diploma legal. Independentemente do mérito das mudanças, não houve, como alegam alguns, mudanças das regras do jogo que teriam assustado os investidores", argumenta o diretor do Ibre.

A principal alegação de Schymura, porém, é a de que não existe nenhum estudo sólido, do ponto de vista acadêmico, que avalie o argumento de perda de crescimento em decorrência de uma deterioração alocativa num contexto mais amplo. "É verdade que se trata de uma alegação difícil de ser enquadrada e avaliada por investigação cientificamente rigorosa. No entanto, essa constatação não deveria servir para que a tese fosse sacramentada apenas por ser repetida à exaustão", diz ele.

Esta coluna discorda da visão de Schymura, um economista de formação liberal que, à frente do Ibre, tem contribuído de forma fundamental para estimular o debate de ideias no país. Na visão do titular deste espaço, é um fato que, com o fim do superciclo de commodities que tanto beneficiou o Brasil entre 2003 e 2010, a economia brasileira passaria a crescer num ritmo menor. O que se viu, todavia, desde 2011 foi que, com o desmonte do arcabouço de política macroeconômica que vigorou nos governos Fernando Henrique e Lula, os empresários perderam a confiança para investir.

Uma explicação relevante, a principal na opinião de Schymura, para explicar a desaceleração é anterior à "nova matriz": o crescimento contínuo das despesas previdenciárias e de programas sociais como proporção do PIB desde a redemocratização. "Num país de baixa poupança doméstica, eles induzem a redução da poupança pública. Desta forma, cai o nível de investimento que, por seu turno, como no caso da infraestrutura, é um fator de contenção do aumento da produtividade. Assim, chega-se a um tipo de equilíbrio econômico, social e político que leva à redução do crescimento potencial da economia." Segundo Schymura, entre 2000 e 2014, os gastos com o INSS, os programas sociais e o custeio das áreas de educação e saúde cresceram 4,55 pontos percentuais do PIB.

Trata-se de um argumento interessante, embora falte a essa análise considerar os efeitos da "nova matriz" sobre o "espírito animal" dos empresários.

"Esse salto da despesa social só não produziu uma queda no crescimento econômico antes do primeiro mandato da presidente Dilma porque condições econômicas excepcionais, ligadas especialmente ao superciclo das commodities, proporcionaram enormes saltos na arrecadação ao longo da década passada", argumenta o economista.

Analistas alertaram, no início da década passada, que o país corria o risco de viver uma crise fiscal graças à escalada dos gastos sociais e previdenciários. A profecia nunca se materializou porque, durante o ciclo de commodities, a economia brasileira dobrou a taxa de expansão, gerando um boom nas receitas tributárias e, portanto, adiando o problema fiscal.

Mas, neste momento, alega Schymura, diversas variáveis externas e domésticas mudaram, "independentemente da vontade e das ações do governo de plantão", e o impacto sobre o crescimento da elevação contínua (acima do PIB) das despesas sociais e previdenciárias se fez sentir.

O diretor do Ibre, que tratará do tema na próxima Carta de Conjuntura do Ibre, afirma: "Não parece razoável, portanto, dar tanta ênfase aos alegados desacertos na condução da política econômica como causa importante da perda de ritmo da economia no governo Dilma".