Supremo ainda investiga mensalão

1 jun 2015

CAROLINA BRÍGIDO

Sob sigilo, inquérito trata de desdobramentos do caso

Ainda existe na Corte um inquérito que investiga um dos muitos tentáculos do esquema de desvios de dinheiro para compra de apoio parlamentar aos projetos do Palácio do Planalto

- BRASÍLIA- O mensalão ainda está vivo no Supremo Tribunal Federal ( STF). O principal processo foi julgado em 2012, com condenações e prisões de protagonistas do governo do ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva ( PT). Mas poucos sabem que esse não foi o ponto final do escândalo. Ainda existe na Corte um inquérito que investiga um dos muitos tentáculos do esquema de desvios de dinheiro para compra de apoio parlamentar aos projetos do Palácio do Planalto. O último alvo é o deputado Carlos Gomes Bezerra ( PMDB- MT). O inquérito sobre ele foi aberto em 2007 e corre sob sigilo. O GLOBO teve acesso a parte das investigações.

O assunto e os personagens se repetem. O ponto de partida das investigações também foi o relatório da CPI dos Correios. Mas, em seguida, foram anexadas outras provas. A mais contundente delas veio em 2011: um relatório secreto da Polícia Federal, que descreve minuciosamente o caminho do dinheiro que teria abastecido o mensalão. Em 2012, quando o relator do caso era o então ministro Joaquim Barbosa, hoje aposentado, foi determinado o desmembramento das investigações. No STF ficariam apenas os réus que tinham direito a foro especial.

DESMEMBRAMENTO

“Este inquérito deverá ater- se às investigações relativas às irregularidades supostamente praticadas pelo deputado federal Carlos Gomes Bezerra nos convênios firmados entre o BMG e o INSS/ Dataprev para operacionalização de crédito consignado a segurados e pensionistas”, escreveu Barbosa.

A investigação referente ao restante dos citados foi transferida para varas federais. Entre o material, está uma planilha elaborada pela CPI dos Correios, relatando o possível recebimento de valores por parte de servidores do Congresso. Antes do desmembramento, o STF também investigava suposto relacionamento entre a Brasil Telecom, empresas vinculadas ao publicitário Marcos Valério e gestões realizadas pelos representantes do Banco Econômico e do Banco Mercantil de Pernambuco junto ao Banco Central do Brasil.

O deputado José Mentor ( PT- SP) também foi investigado no inquérito. O Ministério Público Federal teria pedido o desmembramento dos documentos referentes a Mentor para a abertura de um outro inquérito no STF, que também estaria sob sigilo. O deputado é suspeito de ter recebido dinheiro de empresas de Marcos Valério.

Entre os investigados que já não estão mais na mira do STF porque tiveram seus casos transferidos para a primeira instância figura o ex- banqueiro Daniel Dantas. Além dele, há outros nomes que ficaram conhecidos por conta do julgamento do processo principal: Valério, o operador do esquema ; seus sócios, Cr istiano Paz e Ramon Hollerbach; e o ex- gerente de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato. Há também indícios contra o empresário Luiz Carlos Garcia Coelho, ligado ao presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), e contra Márcio Alaor de Araújo, que foi vice- presidente executivo do BMG.

Depois que Barbosa assumiu a presidência do STF, em 2013, o inquérito foi transferido para as mãos do ministro Luís Roberto Barroso. Dias após, Barroso se declarou impedido para relatar o caso, por motivos de foro íntimo não declarados. Foi quando o caso foi parar no gabinete do ministro Ricardo Lewandowski. Como ele agora é presidente do tribunal, o inquérito será redistribuído ao também ministro Luiz Edson Fachin assim que ele assumir a 11 ª cadeira da Corte, no dia 16 de junho.

No STF, a regra prevê que o presidente pode permanecer na relatoria apenas de processos que estão em fase final de instrução, já próximo da data do julgamento final. Não é o caso do inquérito do mensalão. Ao fim dos depoimentos e da produção de provas, o procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, precisa decidir se apresentará denúncia contra Carlos Bezerra ou se pedirá o arquivamento do inquérito. Se houver indícios para a investigação continuar, o STF transformará o inquérito em ação penal. Bezerra, por sua vez, será réu. Somente ao fim da tramitação da ação penal é que o tribunal decidirá condenar ou absolver o deputado.

INVESTIGAÇÕES EM SP E NO DF

Com o desmembramento, o inquérito contra Bezerra gerou vários filhotes. Um deles está em uma vara federal em Minas Gerais e investiga repasses efetuados pelas empresas de Marcos Valério a pessoas físicas e jurídicas indicadas — entre as quais Carlos Roberto de Macedo Chaves, Rodrigo Barroso Fernandes e Nélio José Batista Costa. Há também suspeita de pagamentos feitos com recursos obtidos a partir de empréstimos fraudulentos tomados no Banco do Brasil, no Rural, no BMG e no Fundo de Incentivo Visanet e de pagamentos efetuados pelo Banco Rural a título de supostos serviços prestados pelas empresas DNA e SMP& B.

Também foi aberta uma investigação em uma vara federal em São Paulo, a partir do inquérito que está no STF, para apurar o envolvimento das empresas Brasil Telecom, Telemig Celular e Amazônia Celular com as empresas do grupo Marcos Valério. Outra frente investigativa foi aberta em uma vara federal do Distrito Federal para apurar as supostas irregularidades nas gestões realizadas pelos bancos Econômicos e Mercantil de Pernambuco perante o Banco Central do Brasil, com intermédio de Marcos Valério.

Procurado, o advogado de Carlos Gomes Bezerra não retornou as ligações do GLOBO. Já o deputado José Mentor negou qualquer envolvimento com o caso e que tenha se beneficiado dele. Afirmou ainda que o inquérito que tramita no Supremo é o mesmo de 2005 e que não tem qualquer informação atualizada sobre sua tramitação.

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Em Minas Gerais, um escândalo mais antigo

Thiago Herdy

Julgamento de caso que envolve PSDB ainda não tem data; dois dos principais réus já fizeram 70 anos e tiveram crimes prescritos.

- SÃO PAULO- Um ano se passou entre o dia 27 de março de 2014, quando o Supremo Tribunal Federal ( STF) encaminhou à Justiça mineira o processo contra o ex- governador de Minas Gerais e ex- presidente do PSDB Eduardo Azeredo e 30 de março de 2015, quando os autos estavam prontos no gabinete da juíza da 9 ª Vara Criminal de Belo Horizonte, Melissa Pinheiro da Costa Lage. É ela quem decidirá, agora, o destino do tucano que escapou de ser julgado pelo Supremo depois de renunciar ao mandato de deputado federal, no ano passado. A existência do mensalão tucano foi revelada pelo GLOBO em 2005.

Azeredo é o réu mais famoso entre os acusados nos processos vinculados à operação financeira que o publicitário Marcos Valério teria feito para o PSDB de Minas Gerais. Os recursos foram desviados por meio de contratos de patrocínio forjados com estatais no valor de R$ 3,5 milhões ( R$ 13,6 milhões, em valores atualizados) para a campanha de 1998. Hoje, Azeredo é diretor- executivo das áreas de internacional e tecnologia e ciência e inovação da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais ( Fiemg). Lá, recebe um salário de R$ 25 mil.

Nas alegações finais do processo, Azeredo disse que era o tesoureiro Cláudio Mourão quem cuidava da administração financeira de sua campanha pela reeleição, e por isso acredita que não poderia ser responsabilizado por eventuais desvios. O tucano diz ainda que, na época em que os crimes teriam ocorrido, estava preocupado em cuidar do estado e não das finanças de campanha.

Apesar da demora, o processo contra Azeredo é o que está mais próximo de ter sentença porque não depende de mais nenhuma audiência e deixou o STF pronto para ser julgado. Desde março, os 52 volumes da ação estão com a juíza da 9 ª Vara, que optou por não falar sobre o atraso por considerar “inconveniente”.

SEM PREVISÃO

Por meio da sua assessoria, Melissa informou que não é possível estabelecer uma data para o julgamento do caso porque tem feito a análise dele “paralelamente aos trabalhos de realização de audiências, decisões e sentenças necessários aos demais processos, prioritariamente os relativos a réus presos, conforme prevê a legislação”.

A denúncia contra os réus do mensalão tucano foi apresentada em 2007, nove anos depois da ocorrência dos crimes que lhes são atribuídos. O prazo de prescrição é de 16 anos, mas cai pela metade para o réu que atinge 70 anos, idade, o que só ocorrerá com Azeredo em setembro de 2018. Dois dos principais réus do mesmo processo — Cláudio Mourão, tesoureiro da campanha, e o ex- ministro Walfrido dos Mares Guia, um dos coordenadores — já completaram 70 anos e se beneficiaram da prescrição.

O ex- senador Clésio Andrade, que também é réu em processo separado, mas relacionado aos mesmos crimes, é o próximo da fila. O andamento ainda depende da tomada do depoimento dele e da apresentação de alegações finais.

Um terceiro processo vinculado aos mesmos fatos tem oito réus e tramitação ainda mais lenta. O caso está na fase de instrução, dependendo da realização de audiências e da tomada de depoimento dos réus. Não há previsão de julgamento.

86 NOVAS TESTEMUNHAS

O caso saiu da 9 ª Vara no início do ano e foi remetido ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais ( TJMG). Isso porque o governador de Minas, Fernando Pimentel, nomeou secretário estadual de Fazenda um dos réus, o economista José Afonso Bicalho, que tem direito a foro privilegiado. Caberá ao tribunal decidir se o processo será desmembrado ou se será julgado pelo TJMG.

Neste processo, o MP arrolou 26 testemunhas de acusação, o que levou advogados a realizar pedido semelhante, adicionando à conta 86 novas testemunhas, com um curioso detalhe: em todos faltavam informações pessoais para convocação judicial. O resultado é mais atraso.