Desafio diário entre a gôndola e o caixa

21/06/2015 

Alessandra Azevedo
 
As donas de casa, independentemente de suas profissões, se transformaram em administradoras financeiras. É o único jeito de as despesas de supermercado e outras compras caberem no orçamento familiar com a carestia crescente 
Especial para o Correio

A batalha contra a inflação acontece todos os dias, nos supermercados, dentro de casa, nos shoppings, nas ruas. Do jeito que é possível, as maiores responsáveis pelo orçamento da casa se esforçam para fugir da crise. Independentemente de suas profissões, elas são verdadeiras administradoras financeiras. Não se desanimam ao notar as remarcações que levaram o Índice de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) chegar na sexta-feira a 8,8%, a maior taxa acumulada em 12 meses desde dezembro de 2003. Aprendem, mesmo que seja na marra, a fazer tudo caber na renda cadente das famílias.

No supermercado, elas têm deixado produtos nas prateleiras, trocado marcas e buscado promoções. A dona de casa Evanice Machado, de 36 anos, se considera uma campeã de economia na hora das compras. O tomate, por exemplo, que teve uma das maiores altas nos últimos meses, ainda vai para o carrinho, porém em menor quantidade. “Quando levo leite, por exemplo, eu nem olho a marca, só o preço. Se um produto fica mais caro, procuro alternativas mais baratas”, conta. Os aumentos de custo dos alimentos também não passam despercebidos para a psicóloga Elizabeth Pereira, 55. Ela fica de olho nas promoções, evitando apertar muito o orçamento. A carne bovina, cujo preço ela considera ter “aumentado absurdamente” desde o ano passado, é trocada por opções mais baratas, como frango ou peixe. “Depende da promoção do dia”, explica. Outra maneira de economizar é flexibilizar a escolha dos produtos. “A marca não importa muito. Existem produtos muito bons e mais baratos que não são aqueles mais conhecidos. Não custa experimentar”, acredita.

A consultora financeira Gabriela Vale, da Libratta Finanças Pessoais, concorda que se desapegar das marcas pode ajudar a economizar. Mas ressalva que nem sempre isso é necessário. “Se uma pessoa tem preferência por uma marca mais cara, não precisa abrir mão disso, desde que compense buscando opções mais baratas de outros itens”, explica.

Para Gabriela, o que realmente funciona no supermercado é abandonar as compras de mês e focar em pequenas compras semanais. “Estoques são uma péssima ideia, porque estimulam o consumo. Por exemplo, quando alguém tem muito detergente na despensa, não se importa de gastar mais na hora de lavar louça. Quando tem só o essencial, rende muito mais”, exemplifica, deixando claro que isso serve para qualquer produto. Outro ponto negativo dos estoques é que eles estimulam a inflação. “Os donos de supermercado percebem que os clientes estão comprando muito detergente, então aumentam o preço. É a lei da oferta e da demanda.”

Aplicativos
Fábio Gallo Garcia, professor de finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), concorda quanto à necessidade de o consumidor ser comedido. A recomendação dele é que as pessoas sempre façam listas de compras antes de ir ao supermercado e só levem para casa aquilo que realmente é necessário no momento. “Para qualquer tipo de compra, pesquisar preços faz a diferença. Hoje, existem aplicativos e sites nos quais se pode fazer isso sem precisar sair de casa”, diz. E ressalta que a inflação maior, atualmente, é a dos preços tarifados, como água e energia elétrica. “Mesmo racionando, essas contas continuam vindo caras”, reclama a psicóloga, que viu a conta de luz dobrar em comparação ao que costumava pagar em 2014.

A consultora financeira sugere que esse tipo de aumento seja compensado com outros cortes, por exemplo, no lazer. “É preciso ter equilíbrio. Quando se gasta a mais de um lado, tem que cortar de outro. Se a conta de luz vem alta, uma opção é economizar no restaurante”, aconselha.

Trocar passeios no shopping por caminhadas no parque, diminuir a frequência no salão de beleza e repensar planos de telefonia e TV a cabo são atitudes que podem render grande alívio no fim do mês. Mas nada disso funciona bem se não for feito um planejamento financeiro. Colocar os gastos na ponta do lápis é essencial para passar pelo momento econômico difícil sem se complicar. “O problema é que as pessoas não sabem para onde está indo o dinheiro. Anotar tudo o que se gasta é o primeiro passo para conseguir lidar bem com o período de crise”, explica Gabriela, da Libratta.

Decisão só após pesquisa

A principal dica da empregada doméstica Marinalda Souza, 37, para não ser massacrada pela crise é driblar a acomodação. Desde o começo do ano, quando percebeu que as contas estavam vindo mais altas, além de doméstica e dona de casa, ela virou maratonista e especialista em promoções. “Percorro vários supermercados toda vez que vou fazer compras. Está caro ter preguiça nos dias de hoje”, declara. Ela acredita que a melhor forma de economizar é pesquisando preços, e não se importa de deixar produtos para trás quando eles estão caros. Mesmo correndo o risco de não ter os ingredientes para a sobremesa de domingo, ela não hesitou em ir embora do supermercado quando viu que o creme de leite estava R$ 1,89 e o açúcar, R$ 3,79. Este ela já tinha conferido no supermercado ao lado: custava R$ 2,99. A diferença pode parecer pequena, mas, no fim do mês, fica significativa. “Assim, eu economizo mais de R$ 20 toda semana”.

Os métodos de pesquisa de preço variam. Além das visitas aos supermercados, que acontecem pelo menos duas vezes por semana, ela fica ligada nas propagandas de televisão, nos panfletos dos varejistas e nos anúncios de promoção. Dessa forma, acaba descobrindo onde vale a pena comprar cada produto. “Tem supermercado onde o leite costuma ser mais barato, mas as frutas são mais caras, por exemplo. Aí eu vou em um e compro leite, no outro compro fruta”, explica.

Produtos como sabonetes, cremes dentais e desodorantes, ela compra em redes de supermercados maiores. “Não vale a pena nos pequenos e nem em farmácias, sempre é mais caro”. Quando faz esse tipo de compra, ela prefere gastar R$ 15 de táxi para ir a um hipermercado a comprar em uma loja menor. Ainda assim, garante que sai no lucro. Nos mercados menores, ela opta por comprar coisas do dia a dia. Na última compra, levou um leite, café, pão e biscoito – o último item só porque estava na promoção. “Biscoitos em geral são mais baratos no supermercado ao lado”, relata.

Fora do supermercado, ter cautela é igualmente importante. No shopping, ela só vai quando tem algo específico para comprar, e nunca volta com nada mais que isso. “Quando compro perfume caro para o meu marido, ele tem que economizar. Falo para ele usar só de vez em quando”, conta. O casal também não come fora, e ela não se importa de cozinhar em casa no fim de semana. “Tudo é pelo menos três vezes mais caro fora de casa. Batata frita no bar é R$ 20. Dá para comprar muita comida com esse dinheiro”, reclama.

Objetivo
Ela acredita que o que ajuda muito a manter o pulso firme nas economias é ter objetivos. Apesar de um grande motivador ser o medo de “chegar uma conta e não conseguir pagar”, o foco dela não é só sobreviver ao mês sem se endividar. Quer conseguir alcançar os projetos a médio e longo prazo – o atual é comprar um carro. Por isso, tem poupança desde o começo do ano passado, na qual deposita uma parte do salário todo mês. “Tenho em mente mais ou menos quanto vou precisar para as contas, para os gastos extras, e guardo o resto mantendo o objetivo em mente”, conta.

Ao escolher o plano de TV a cabo, ela optou pelo pacote mais barato. Mesmo com ligações recorrentes de vendedores da operadora, ela não aceita outro mais caro. “Ligam me oferecendo promoções, descontos para trocar de plano ou colocar um telefone fixo, mas nunca aceitei, porque sei que não preciso.” Essa é outra dica dela: não cair nos papos de vendedores. Quando caiu, há dois anos, teve prejuízo de mais de R$ 2 mil reais. “Eu e meu marido tínhamos duas linhas de celular de outra operadora, mas não precisávamos. Havíamos contratado a segunda por insistência da vendedora. Era um gasto mensal de R$ 100 juntando as duas contas”, relata.

No mês passado, depois de quase dois anos com esse gasto, Marinalda cancelou uma das linhas.