Menos gás, mais importações

 

O Brasil terá de aumentar importação de Gás Natural Liquefeito de Petróleo ( GNL) para fazer frente à redução da produção pela Petrobras. A medida terá impacto na tarifa de energia, já que o gás em estado líquido é usado em termelétricas. Apesar das imensas reservas no pré- sal, o Brasil, através da Petrobras, vai elevar as importações de gás natural no estado líquido — o chamado Gás Natural Liquefeito ( GNL) — nos próximos anos. De acordo com especialistas do setor, o aumento da compra desse gás, que é usado para a geração de energia elétrica, pode representar um perigo adicional para as contas de luz, em trajetória de alta desde o ano passado, pressionando o orçamento de famílias e empresas.

DIVULGAÇÃOImportação. Navio Goral Spirit faz várias viagens ao Brasil trazendo cargas de GNL para desembarque nos três terminais da Petrobras para uso nas termelétricas

O risco do aumento das importações do GNL é que seus preços oscilam de acordo com as cotações internacionais do petróleo. E a Petrobras compra as cargas no mercado spot ( livre), que tem cotações mais altas. De 2009 até março deste ano, o preço subiu 95,7%: passou de US$ 5,44 por milhão de BTU ( a unidade internacional do gás) para US$ 10,65. No ano passado, o produto foi vendido a um preço médio de US$ 15,09.

O GNL é importado de países como Trinidad e Tobago, Nigéria e Qatar. Ao chegar no Brasil, é regaseificado ( transformado no estado gasoso) em três estações da Petrobras. Em seguida, esse gás é jogado no sistema e utilizado pelas termelétricas para geração de energia. Como os reservatórios das usinas hidrelétricas ainda estão em níveis baixos, a expectativa é que as térmicas continuem operando a pleno vapor até o fim de 2016, pelo menos. E detalhe: o custo de geração térmica é bem maior do que o das hidrelétricas. Nos 12 meses terminados em junho, as tarifas de energia acumularam alta de 58,37%, e no período de janeiro a junho deste ano, as contas subiram 42,03%.

MUDANÇA DE CENÁRIO

Até o mês passado, os especialistas estimavam um cenário diferente para as importações de GNL, com a expectativa de aumento da produção de petróleo e gás da Petrobras. Mas, ao anunciar seu Plano de Negócios 2015/ 2019, a estatal cortou em 30% sua meta de produção até 2020. Assim, reduziu sua previsão de produção de 5,3 milhões de barris por dia de óleo ( petróleo e gás natural) para 3,7 milhões de barris diários em 2020. No ano passado, a Petrobras importou uma média de 144 mil barris/ dia de GNL ( 22,04 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural), uma alta de 47% em relação ao ano anterior.

Segundo os especialistas do setor, o Brasil tende a ficar refém das oscilações dos preços do GNL no mercado internacional, que variam diariamente, como o preço do barril do petróleo. Até mesmo a queda de 29% no preço GNL, em dólar, de dezembro a março deste ano no mercado internacional, por conta do recuo no preço do petróleo, foi quase todo neutralizado pela escalada do dólar. Nesse mesmo período, a cotação da moeda americana avançou de R$ 2,57 para R$ 3,19, alta de 24%.

— Diferentemente do menor consumo de combustíveis, a demanda por gás natural deverá crescer nos próximos anos por causa do nível dos reservatórios, que continua baixo. Isso vai implicar em mais importações, já que haverá também uma menor produção de gás. Além disso, o próprio gás do pré- sal vai atrasar. No ano passado, 20% de todo o gás consumido já veio de outros países, como Trinidad e Tobago, Nigéria e Qatar. E a expectativa é que esse número aumente, já que o gasoduto Brasil- Bolívia opera em sua total capacidade ( com 30 milhões de metros cúbicos por dia) — destacou Marco Tavares, sócio da consultoria Gas Energy.

A oferta de gás natural no país pode chegar a 122 milhões de metros cúbicos por dia, dos quais 51 milhões de metros cúbicos são produzidos pela Petrobras, 30 milhões importados da Bolívia e 41 milhões de metros cúbicos referentes ao GNL, correspondente à capacidade atual das unidades de regaseificação. Por outro lado, o Brasil tem um consumo médio da ordem de 96 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural, dos quais 40 milhões de metros cúbicos por dia são destinados à geração das termelétricas.

— A importação maior do GNL está atrelada ao uso intenso das usinas térmicas. Hoje, não há uma previsão para que o nível das usinas hidrelétricas fique em uma situação diferente da de hoje. A queda na previsão da produção da Petrobras foi significativa, o que vai forçar o aumento das importações — destacou o especialista em óleo e gás Márcio Balthazar da Silveira, da empresa de consultoria NatGas Economics.

O professor de Planejamento Energético da Coppe/ UFRJ, Alexandre Szklo, estima que haverá uma redução na oferta de gás natural da ordem de 20 milhões de metros cúbicos em 2020 em relação ao previsto anteriormente para a oferta ao mercado interno. O déficit deve ser suprido com as importações de GNL.

— E vamos pagar os preços do mercado spot ( livre), mais altos do que os preços do gás natural produzido no país — alertou Alexandre Szklo.

O Ministério de Minas e Energia não se mostrou preocupado com o aumento da dependência externa para atender ao consumo no país. Segundo o órgão, “o crescimento da demanda em contratos da estatal ( Petrobras) poderá, se necessário, ser suportado através da importação de GNL, já que há capacidade de regaseificação suficiente nos três terminais existentes.”

A queda na produção da Petrobras também vai forçar uma revisão no Plano Decenal de Expansão de Energia, da Empresa de Pesquisa Energética ( EPE), que deverá ser divulgado entre setembro e outubro deste ano. Estimativa da consultoria Gas Energy prevê que o GNL deverá responder por 70% do aumento do consumo de gás natural até 2023. Pelo plano atual da EPE, o gás natural deverá passar de uma participação de 11,7% para 14,2% na matriz do país.

Com o aumento das importações, o professor Szklo acredita que o governo deveria estudar a possibilidade de fazer contratos de longo prazo para a compra do GNL para não ficar refém dos preços internacionais no mercado à vista ( spot). Além disso, é preciso fazer modificações para tornar as termelétricas mais eficientes, já que a maioria das que estão em operação não foi feita para funcionar o tempo todo, como está acontecendo.

— É importante se fazer contratos de compra de GNL, senão o país fica muito à mercê do que acontece na bacia do Atlântico e às oscilações de seus preços — destacou o professor.

INICIATIVA PRIVADA TEM PROJETOS DE GNL

De olho no aumento da demanda de gás no país, o mercado privado já vem se movimentando com mais investimentos para elevar as importações de GNL. O grupo Gen Power Participações foi o principal vencedor do leilão A- 5 ( para oferta de energia em 2020) promovido pela EPE no fim de abril. Com investimentos de R$ 3,29 bilhões, a empresa vai construir a termelétrica Porto de Sergipe I, de 1,5 mil megawatts ( MW), e uma estação para receber o GNL. Será o segundo terminal de GNL no Nordeste.

Além disso, a Prumo, responsável pelo Porto de Açu ( que foi do empresário Eike Batista), em São João da Barra, no Estado do Rio de Janeiro, terá um terminal de GNL, com capacidade para processar 15 milhões de metros cúbicos por dia, que será construído pela Bolognesi Energia.

A Petrobras admitiu que pode realizar serviços de regaseificação para terceiros em seus terminais: “A Petrobras pode atuar como operador logístico regaseificando volumes de terceiros quando solicitado”, destacou a companhia.

— Hoje, das térmicas em operação, duas já são à base de GNL, com potência de 700 megawatts médios instalados. Com os novos projetos que venceram o leilão, haverá uma entrada de 4.100 megawatts médios instalados — disse Fabio Cuberos, o gerente de regulação do Grupo Safira.

Ele destaca que, apesar da redução do preço do GNL no mercado internacional, como reflexo do petróleo, parte dessa queda é neutralizada pelo aumento do dólar. Assim, o preço por milhão de BTU do GNL passou de US$ 15,09, em 2014, para os atuais US$ 10,65.

— É sempre um risco depender de um produto importado para geração de energia. A produção no país é sempre a melhor opção, pois a volatilidade dos preços lá fora é muito grande — alertou Cuberos.