‘A propina vai surgindo e, quando a gente vê, está no meio’

 

Responsável pela movimentação de nada menos do que R$ 307 milhões, o delator Pedro Barusco não sabe explicar até hoje como entrou no esquema de corrupção investigado pela Operação Lava-Jato na Petrobras. Pelo menos foi o que ele disse ontem em seu primeiro depoimento formal na Justiça Federal. O ex-gerente-executivo de Serviços e Engenharia da estatal recorreu a um malabarismo de palavras para dizer que mergulhou nos desvios milionários da maior empresa brasileira quase sem perceber. Cercado por seus advogados diante do juiz federal Sérgio Moro, Barusco contou que a propina “vai surgindo e, quando a gente vê, está no meio desse processo”.

BARBOSA/10-3-2015Sem eufemismos. Ao virar delator, Pedro Barusco passou a usar a palavra “propina”. Antes, preferia “comissão”

Ao ouvir Barusco, Moro revelou ter ficado intrigado sobre de quem era a iniciativa na relação promíscua entre executivos da Petrobras e empreiteiras. O juiz quis saber se Barusco e seu ex-chefe, o exdiretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, pediram dinheiro às empresas ou se foram elas que ofereceram altas somas aos executivos.

— Foi uma coisa que foi acontecendo dos dois lados. Tanto um oferece, quanto outro recebe, vai estreitando o relacionamento e vai surgindo e, quando a gente vê, está no meio desse processo. Não tem assim uma coisa que liga. É uma coisa continua, quando a gente vê já está acontecendo — respondeu Barusco ao juiz.

Em outro momento do depoimento, o exgerente da diretoria de Serviços disse que considerava comissão, e não propina, os valores repassados pelas empresas para obter facilidades na estatal. — O termo que eu usava era comissão. A mudança, de acordo com o ex-gerente, só se deu depois que virou delator e passou a prestar depoimentos ao Ministério Público Federal (MPF) e à Justiça Federal em troca de redução de pena.

— Depois de todos esses depoimentos, a gente acaba falando o termo que é tratado nos autos (propina) — admitiu o ex-gerente.

Barusco ainda revelou que os primeiros contatos com o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto vieram em forma de bilhete. De acordo com o ex- gerente, inicialmente Vaccari só se reunia com Duque, que depois apresentava os questionamentos do tesoureiro por escrito.

— Depois, ele (Duque) passou a me levar nas reuniões.

Questionado por Moro sobre o que era discutido nos encontros, Barusco respondeu:

— Eram aquelas questões: a empresa está reclamando que não consegue receber, que tem um aditivo que não sai, reclamando que foi passada para trás, diz que pegou terceiro lugar (numa licitação) e quer ver se não dava para pegar o primeiro.

Em seguida, o magistrado indagou quem trazia esse tipo de assunto para as reuniões.

— O doutor Vaccari — respondeu Barusco.

Nesses encontros, segundo o delator, também era discutido o pagamento de 0,5% do valor dos contratos da diretoria de serviços, mas esse “não era o tema central”. Barusco contou que conheceu Vaccari entre o final de 2010 e o início de 2011. O ex-gerente declarou não saber de que forma exata era feito o pagamento da propina para o PT.

— Eu imaginava que seriam das formas tradicionais: lá fora, em espécie.

O delator também garantiu que não tinha contatos frequentes com os antecessores de Vaccari na tesouraria do PT. Afirmou que esteve com Delúbio Soares, tesoureiro do partido na época do mensalão, apenas uma vez e que não se lembra do que trataram na conversa.

Barusco foi ouvido na condição de testemunha no processo em que são réus Duque, Vaccari e Augusto Mendonça, presidente da construtora Setal, o primeiro a fazer delação premiada na Lava-Jato.

O ex-gerente da Petrobras confirmou ainda que todos os contratos da Petrobras em sua área geravam pagamento de propinas “de forma quase endêmica”. As empreiteiras que obtinham obras na estatal pagavam 2% de propina sobre cada contrato, dos quais 1% ia para a diretoria de Serviços e 1% para a de Abastecimento, dirigida por Paulo Roberto Costa, outro delator da Lava-Jato. Dos 1% que ia para a diretoria de Barusco e Duque, metade era destinado a ele próprio e a Duque, enquanto a outra metade ia para o PT.

Um dos procuradores do Ministério Público Federal questionou, durante o depoimento, por que uma parte das propinas ia para o PT.

— Para mim sempre foi uma espécie de incógnita. Não sei como começou, mas foi um crescente. Havia um costume de se pagar a propina. Era uma coisa quase endêmica — disse.

LOBISTA RELACIONA DOAÇÕES A PETROBRAS

Em outro depoimento de delação premiada da Lava-Jato ontem, o empresário Julio Gerin de Almeida Camargo disse que as contribuições que fazia para o PT eram parte do lobby para estar bem com o partido do governo. Ele confirmou, em depoimento prestado à Justiça Federal, que Vaccari fez pedidos de doações para campanhas políticas da legenda nos anos de 2008, 2010 e 2012. O ex-tesoureiro e o PT negam as acusações e argumentam só arrecadar recursos declarados à Justiça Eleitoral.

— O PT é o partido do governo, o que nomeava os diretores na Petrobras. Quando eram indicados por outros partidos, a Presidência da República tinha que aprovar esses nomes ou indicar os outros. Fazia parte do lobby estar bem com o partido — disse Camargo.

Em outro depoimento, a ex-secretária da Câmara dos Deputados Vera Lúcia Souza revelou que era obrigada a dar metade do seu salário para o então deputado Pedro Corrêa (PP-PE), também investigado na Lava-Jato como beneficiário do esquema na Petrobras. O acordo, segundo Vera, durou de 2006 a 2011, enquanto ela trabalhou na liderança do PP na Câmara.

Ontem, João Mestieri, advogado do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, pediu o perdão judicial para seu cliente, acusado de lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva no processo sobre a participação da Construtora Mendes Junior no cartel de empreiteiras e no superfaturamento de obras na Petrobras. O pedido consta das alegações finais de Costa. Depois da defesa prévia do ex-diretor e da empreiteira, o juiz Sérgio Moro começa a se preparar para dar uma sentença nesse caso.

O advogado de Costa alega que a delação premiada feita pelo ex-diretor da Petrobras foi essencial para desvendar o caso de corrupção na Petrobras investigado pela Lava-Jato.

 

Dilma já disse que delação é ‘método legítimo’

 

Ao responder uma pergunta sobre a Operação Lava-Jato, seis dias antes de ser reeleita, a presidente Dilma Rousseff disse à revista “Carta Capital”: “Para obter as provas, a Justiça e o Ministério Público valeram-se da delação premiada, um método legítimo, previsto em lei. E muito útil para desmontar esquemas de corrupção. Na Itália, contra a máfia, funcionou muito bem”. A declaração, em outubro do ano passado, contrasta com o juízo feito por Dilma na última segunda-feira, em viagem aos Estados Unidos, para comentar a delação premiada de Ricardo Pessoa, dono da empreiteira UTC.

ROBERTO STUCKERT FILHO/PR/18-3-2015Assinando embaixo. Dilma lançou, em março, leis do Pacote Anticorrupção

O empresário disse que doou para a campanha de Dilma para manter contratos na Petrobras. Dilma reagiu dizendo que “não respeita delator”, fez analogias entre o esquema de corrupção na Petrobras e a Inconfidência Mineira e ainda comparou o instrumento da colaboração premiada às delações obtidas sob tortura na ditadura:

— Em Minas (Gerais), na escola, quando você aprende sobre a Inconfidência Mineira, tem um personagem que a gente não gosta porque as professoras nos ensinam a não gostar dele. Ele se chama Joaquim Silvério dos Reis, o delator. Eu não respeito delator. Até porque eu estive presa na ditadura e sei o que é. Tentaram me transformar em uma delatora; a ditadura fazia isso com as pessoas presas. E eu garanto para vocês que eu resisti bravamente, até em alguns momentos fui mal interpretada, quando eu disse que, em tortura, a gente tem de resistir, porque senão você entrega seus presos. Então, não respeito nenhum — afirmou, na saída de um seminário em Nova York.

Se no ano passado Dilma defendia o instrumento que hoje ataca, foi durante o seu primeiro mandato, em 2013, que a colaboração premiada foi institucionalizada no país. No dia 2 de agosto, um dia depois de ter aprovado a Lei Anticorrupção — que criou os acordos de leniência, uma espécie de delação para empresas —, Dilma sancionou, sem vetos, a Lei de Organizações Criminosas. Foi a primeira vez que o termo “colaboração premiada” apareceu, por escrito, na legislação brasileira. Em março deste ano, a presidente lançou em cerimônia o Pacote Anticorrupção.

Nessa lei, há uma seção que detalha os direitos e deveres do colaborador e define que o juiz responsável pode, em caso de contribuição efetiva e voluntária do réu, reduzir a pena privativa de liberdade do acusado em até dois terços ou mesmo conceder o perdão judicial. A concessão do benefício, no entanto, deve levar em conta características como “a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração”.

A primeira lei brasileira a prever redução de pena com colaboração foi a de crimes hediondos, de 1990. Cinco anos depois, foi incluída nas leis de crimes contra a ordem tributária e o sistema financeiro nacional. A lei sobre lavagem de dinheiro e ocultação de bens, de 1998, foi a primeira a detalhar os benefícios dos colaboradores e a conduta do juiz: além da redução de pena do autor ou coautor do crime, o colaborador passou a poder cumprir pena em regime aberto ou semiaberto. Em 2006, também foi incluída na lei sobre tráfico de drogas a possibilidade de colaboração com redução de pena.

 

Dirceu volta a negar influência sobre ex-diretor Renato Duque na Petrobras

Depois da revelação de que, em delação premiada, o empresário Milton Pascowitch disse à Justiça que eram propinas os repasses de dinheiro que fez à empresa de consultoria de José Dirceu, a defesa do exministro voltou a negar ontem as acusações. Segundo nota dos advogados de Dirceu, ele não teve qualquer influência na indicação de Renato Duque, preso na Operação Lava-Jato, para a diretoria de Serviços da Petrobras.

O texto argumenta que a informação foi “reafirmada pelo próprio Duque em depoimento em juízo e à CPI da Petrobras”.

A defesa de Dirceu reafirmou não ter tido acesso ao conteúdo da delação, portanto, “não tem como emitir opinião a respeito”.

Ontem, O GLOBO revelou que Pascowitch ofereceu elementos que podem complicar a situação de Dirceu no acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF). Apontado pelos investigadores da Lava-Jato como um dos intermediários de propinas para facilitar negócios da Engevix na Petrobras, Pascowitch seria um dos elos entre a empreiteira e Renato Duque, cuja indicação para a diretoria da Petrobras é atribuída ao PT por supostas ligações com Dirceu.

Nas negociações com o MPF, Pascowitch disse que pagou propina a Dirceu e se comprometeu a detalhar as transações nos próximos depoimentos.

O juiz Sérgio Moro, que preside a Lava-Jato na Justiça Federal do Paraná, revogou ontem a prisão preventiva de Paulo Roberto Dalmazzo, ex-executivo da Andrade Gutierrez. Moro, no entanto, impôs uma série de restrições, como a proibição de deixar o país sem autorização. Dalmazzo deixou a carceragem da PF em Curitiba, ainda na tarde de ontem.