Corruptores condenados

 

Na primeira sentença que atinge empreiteiros envolvidos no escândalo da Petrobras, três ex- executivos da

Camargo Corrêa cumprirão pena por corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro

Numa sentença emblemática, por ser a primeira a punir ex- dirigentes de empreiteiras pelo escândalo de corrupção na Petrobras, o juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal em Curitiba, condenou o ex- presidente e o ex- vice presidente da Camargo Corrêa, além de outro ex- executivo da empresa, a 15 anos de prisão por corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Dois deles, porém, terão a pena reduzida porque fizeram acordo de delação premiada. A PF indiciou o presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, por cinco crimes. Para o procurador Deltan Dallagnol, da Lava-Jato, a condenação mostra que “ninguém é intocável na República”. - SÃO PAULO - O juiz federal Sérgio Moro, da 13 ª Vara Federal do Paraná, condenou ontem por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa três executivos da construtora Camargo Corrêa envolvidos no esquema de corrupção na Petrobras investigado pela Operação Lava- Jato. Foi a primeira condenação de integrantes do primeiro escalão de empreiteiras pelo pagamento de propinas e formação de cartel para fraudar licitações e contratos da estatal. A Lava- Jato se tornou a maior ação de combate à corrupção no país, não apenas pela descoberta de desvios bilionários dos cofres da Petrobras, mas por investir ao mesmo tempo contra corruptos, corruptores e operadores do esquema. A sentença de ontem, referente à 7 ª fase da Lava- Jato ( novembro de 2014), foi a primeira a atingir empreiteiros. Aguardam no banco dos réus outros 21 dirigentes e executivos de cinco das maiores empreiteiras do país: OAS, Galvão Engenharia, Mendes Junior, Engevix e UTC.

Dalton Avancini, ex- presidente da Camargo Corrêa, e Eduardo Leite, ex- vice- presidente da empreiteira, foram condenados a 15 anos e 10 meses de reclusão, mas serão beneficiados com a redução da pena por terem colaborado com as investigações. O ex- presidente do Conselho de Administração da construtora João Ricardo Auler foi condenado a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção ativa e organização criminosa, e deverá voltar à prisão. Ele estava em liberdade com tornozeleira eletrônica. Como não fez acordo de colaboração, deverá cumprir a pena em regime fechado, além de pagar multa de R$ 627,1 mil. Os três têm direito a recorrer em instâncias superiores.

Ao GLOBO, Deltan Dallagnol, um dos procuradores da força- tarefa da Lava- Jato, comemorou as condenações como um sinal do avanço no combate à corrupção no país:

— A lição que fica é a de que não há ilícito que não possa ser apurado dentro dos limites legais e constitucionais, nem ninguém que seja intocável em nossa República.

EMPREITEIRA TERÁ DE DEVOLVER R$ 50 MILHÕES

Os executivos da Camargo Corrêa foram considerados culpados no processo que apurou fraude em licitações e contratos de obras nas refinarias Abreu e Lima ( Rnest), em Pernambuco, e Getulio Vargas ( Repar), no Paraná. O juiz Sérgio Moro estabeleceu que a construtora deve devolver à Petrobras R$ 50,035 milhões a título de ressarcimento. Foi o valor mínimo necessário considerado pelo magistrado apenas em função das propinas pagas à diretoria de Abastecimento da estatal. Ainda não foram computadas propinas à diretoria de Serviços, que, segundo as apurações, ficava com dois terços da propina.

O ex- diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Yousssef, intermediário das propinas, também foram considerados culpados nesse processo. Eles foram condenados a 12 e 8 anos, respectivamente. Sérgio Moro mencionou na sentença que políticos investigados no âmbito do Supremo Tribunal Federal ( STF) se beneficiaram dos desvios nos contratos da Camargo Corrêa. Costa repassava parte da propina a políticos do PMDB e do PP, que o indicaram para o cargo.

Também foi condenado o policial federal Jayme Alves de Oliveira Filho, o Careca, que fazia a entrega das propinas a mando de Youssef. A pena dele é de 11 anos e 10 meses de prisão por lavagem de dinheiro e associação criminosa, e multa de R$ 284 mil. Ele também perde o cargo na Polícia Federal. Ainda nessa ação, foram absolvidos Márcio Bonilho, da Sanko Sider, fornecedora da Camargo Corrêa; Adarico Negromonte, irmão do ex- ministro Mario Negromonte acusado de fazer entrega de propinas; e Waldomiro de Oliveira, acusado de fornecer de notas frias para o esquema.

Moro sugeriu na sentença que a Camargo Corrêa busque regularizar sua situação com a Controladoria-Geral da União ( CGU), o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência ( Cade) e o Ministério Público Federal, além da Petrobras: “Considerando as provas do envolvimento da empresa na prática de crimes, incluindo a confissão de seu expresidente, recomendo à empresa que busque acertar sua situação junto aos órgãos competentes.” Em outro trecho o juiz disse que “este juízo nunca se manifestou contra acordos de leniência, e talvez sejam eles a melhor solução para as empresas”.

Em nota, a Camargo Corrêa frisou que os condenados são ex- dirigentes da construtora e que tem se colocado à disposição das autoridades desde que tomou conhecimento das investigações, além de ter “empreendido esforços para identificar e sanar irregularidades, reforçando sua governança corporativa e sistemas de controle.”

Beneficiados pela delação, Avancini e Leite cumprirão de dois a seis anos de regime semiaberto, contados a partir de março de 2016. O uso da tornozeleira eletrônica poderá ser dispensado. Depois de março de 2018, se tiverem pena a cumprir, valerá o correspondente ao regime aberto. Em relação às indenizações acordadas, Avancini pagará R$ 2,5 milhões, e Leite, R$ 5,5 milhões. Os dois poderão ser alvo de novas condenações, em novas ações judiciais. Moro afirmou que as penas serão unificadas, caso sejam condenados.

Réu em todos os processos envolvendo a diretoria de Abastecimento, Costa será condenado a até 20 anos de prisão na soma de sentenças, mas cumprirá no máximo dois anos no regime semiaberto domiciliar. Youssef, que também é réu em várias ações, ficará só três anos na cadeia em regime fechado. O restante será cumprido em regime aberto por até 30 anos.

 

‘Condenações têm papel didático’

 

Um dos procuradores da força- tarefa do MP, Carlos Fernando dos Santos Lima, disse, em entrevista ao GLOBO, não só acreditar que a Operação Lava- Jato já vem mudando a relação de empresários com os agentes públicos. Ele diagnostica que doações partidárias vêm diminuindo e que o país está no caminho para ser mais republicano.

O indiciamento e a condenação de empreiteiros podem ter efeito no comportamento de empresários que têm o poder público como cliente?

Já se verificam sinais de mudança de comportamento entre os empresários brasileiros quando o assunto é o seu relacionamento com o poder público, seja como fornecedores de bens e serviços, seja como doadores de campanha. Não é por outro motivo que as doações oficiais neste ano estão em um dos níveis mais baixos já registrados. Indiciamentos, denúncias e condenações contra empreiteiros têm o papel didático de colocar à classe dos empresários a necessidade de rever conceitos arraigados.

A sentença e a continuidade das ações da Lava- Jato representam um marco no combate a crimes de colarinho branco?

Um marco dentre diversos marcos. Não haveria Lava- Jato sem a Operação Banestado. Nela aprendemos a lidar com novos mecanismos investigativos, bem como alcançar o melhor da cooperação internacional no combate à lavagem de dinheiro. O mérito é de de uma operação em que se conjugou e conjuga o melhor da experiência de anos do MPF e da Polícia Federal no combate do crime de colarinho branco.

Além da ação de órgãos de controle, que mudanças são necessárias para combater a cultura da corrupção no país?

Obviamente há ainda o que se fazer. O importante é a percepção de todos de que estamos no caminho para um país mais republicano.

 

PF indicia executivos da Odebrecht por corrupção e formação de cartel

O presidente da construtora Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e outras sete pessoas foram indiciadas ontem pela Polícia Federal ( PF) pelos crimes de fraude em licitação, corrupção passiva e ativa, lavagem de dinheiro e formação de cartel. O indiciamento foi encaminhado ao Ministério Público Federal ( MPF), que na próxima sexta- feira deve denunciá-los à Justiça. No domingo, a PF já havia indiciado Otávio de Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, e outras oito pessoas.

A PF pediu a manutenção da prisão preventiva dos acusados da Odebrecht. Além de Marcelo, foram indiciados Rogério Araújo, Márcio Faria, Alexandrino Alencar e Cesar Rocha, executivos e ex-executivos da Odebrecht. Também estão na lista João Antônio Bernardi, Celso Araripe de Oliveira e Eduardo de Oliveira Freitas Filho.

DELEGADO PEDE MANUTENÇÃO DA PRISÃO

Para o delegado federal Eduardo Mauat da Silva, se forem soltos, os executivos poderão prejudicar as investigações. De acordo com o delegado que assina o relatório, o empresário Marcelo Odebrecht teria tentado atrapalhar as investigações.

A Polícia Federal concluiu que o empresário teve postura ativa na condução dos ilícitos. No relatório, afirma que anotações feitas pelo empresário em seu celular mostram a influência que exercia sobre autoridades, pois incluem nomes de autoridades, doações e “pagamentos diretos”.

Foram apontados indícios de irregularidades em seis obras que a empreiteira executou para a Petrobras, sobretudo nas Refinarias Abreu e Lima e no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro. Elas custaram à estatal R$ 11,4 bilhões e, em todas, segundo a PF, houve acerto prévio entre a Odebrecht e empreiteiras, com o pagamento de propinas. As seis obras foram mencionadas em delação premiada pelo ex- gerente da diretoria de Serviços da Petrobras, Pedro Barusco. Segundo ele, as propinas eram de 2% sobre cada um dos contratos. Ou seja, podem ter alcançado R$ 236 milhões.

Além de superfaturados, os contratos sofriam aditivos que encareciam as obras. No caso da construção das Unidades de Destilação Atmosférica ( UDA), da Rnest, o contrato foi assinado por R$ 1,4 bilhão em abril de 2009. Até setembro de 2014, 25 aditivos provocaram acréscimo de R$ 286 milhões do valor inicial, um sobrepreço de 19,3%. Barusco disse que a propina foi paga por Rogério Araújo, diretor da Odebrecht, em uma conta no exterior.

Em nota, a Odebrecht disse que seus executivos exercerão o direito de defesa e que os indiciamentos não têm “fundamento sólido”. Afirmou ainda que as anotações de Marcelo Odebrecht sobre suposta destruição de e- mails foram interpretadas fora do contexto, sem lógica temporal e de forma distorcida. “A mais grave é a tentativa de atribuir a Marcelo Odebrecht responsabilidade por ilícitos gravíssimos que estão sendo apurados e envolveriam a cúpula da Polícia Federal do Paraná, como a questão da instalação de escutas em celas”, diz a nota.

Fundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral ( MCCE), o juiz Márlon Reis elogia a investigação das empreiteiras pela Lava- Jato:

— Fala- se muito no corrupto e pouco no corruptor. A sociedade tem visão crítica do agente público, mas não do agente privado que participa da corrupção. Este é o caráter pedagógico da Lava- Jato.