Valor econômico, v. 16, n. 3810, 31/07/2015. Especial, p. A12

 

'Protestos anti-Dilma devem evitar partidos'

 

Por Cristian Klein | Do Rio

 

DivulgaçãoHochstetler: "Se parecerem partidários, os protestos não serão capazes de mobilizar grupos além de sua base e podem até mesmo galvanizar contraprotestos do PT"

Nenhum presidente da República, na América do Sul, cai sem a eclosão de grandes manifestações de rua. Em raros casos, alguém é apeado do poder sem que estes protestos sejam marcados pela violência. A exceção é o Brasil, onde cara-pintadas derrubaram Fernando Collor de Mello, em 1992, num raro processo de afastamento que a cientista política americana Kathryn Hochstetler qualifica de "impeachment de manual".

Brasilianista da Universidade de Waterloo, em Ontário, no Canadá, Hochstetler é autora de um estudo que se tornou referência quando o assunto é queda de governantes. Analisou 40 presidentes eleitos entre 1978 e 2003 e verificou que 16 (40%) sofreram tentativas de afastamento. Nove (23%) caíram, número que considera alto e a fez perceber elementos de parlamentarismo nos sistemas presidencialistas sul-americanos.

A cientista política afirma que o motivo mais importante para a queda de um presidente é seu envolvimento pessoal num escândalo de corrupção - o que ainda não é o caso da presidente Dilma Rousseff. O fator está acima de outros dois que enfatizou no artigo "Repensando o presidencialismo: contestações e quedas de presidentes na América do Sul", onde a tríade de risco incluía a falta de apoio político no Congresso e a execução de políticas neoliberais, à qual hoje Hochstetler dá menos importância.

Com sua experiência, a pesquisadora faz duas recomendações: uma para Dilma Rousseff e outra para os que defendem sua saída da Presidência. A melhor estratégia para se escapar do impeachment é que Dilma e o PT tomem todo o cuidado para que as manifestações, como as marcadas para o dia 16, ocorram de modo pacífico, sem reação - já que a violência insufla novos protestos. No Brasil, as forças de segurança estão sob o comando dos Estados, mas suas ações podem ter impacto nacional. "Os brasileiros viram uma pequena versão dessa dinâmica em junho de 2013, quando o duro policiamento em São Paulo aumentou a escala dos protestos rapidamente", pontua.

A melhor estratégia para os que vão às ruas exigir o afastamento de Dilma é manter distância das agremiações políticas. "Os protestos bem-sucedidos não podem ser identificados com a oposição política, com partidos. Eles constroem coalizões amplas, suprapartidárias, entre diversos setores, com todo tipo de pessoas da sociedade", afirma.

Na próxima mobilização, no entanto, o PSDB, principal partido da oposição, se juntará aos grupos que iniciaram o movimento em redes sociais pela internet. Os próprios grupos cobraram a participação dos tucanos, depois da redução para um terço do número de manifestantes de abril em relação a março. "O segundo protesto no Brasil foi bem menor do que o primeiro, o que contradiz a tendência [de mobilizações bem-sucedidas]", analisa.

A cientista política lembra que "desaprovar o desempenho do presidente não é automaticamente a mesma coisa do que pensar que o presidente deve ser afastado do cargo". Cita o caso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que sobreviveu ao "Fora FHC" apesar da grande impopularidade, semelhante à de Dilma. Para a presidente, porém, o dado preocupante não seria tanto a taxa de aprovação ao governo, mas o percentual dos que apoiam sua saída antecipada do poder, cerca de 63%, de acordo com pesquisa CNT/MDA deste mês. "A ampla maioria que apoia o impeachment é um indicador melhor de que a próxima manifestação será grande", diz.

A seguir leia a entrevista ao Valor.

Valor: A sra. destaca três fatores presentes nas quedas de presidentes da América do Sul desde 1978. Qual deles é o mais importante?

Kathryn Hochstetler: O fator mais importante é o envolvimento pessoal do presidente em escândalo. Nem todos foram escândalos de corrupção. No Paraguai, por exemplo, o ex-presidente [Raúl] Cubas saiu do cargo [em 1999] por causa de sua relação com o general Oviedo e de questionamentos em relação à morte de seu vice-presidente [e adversário político, Luis María Argaña]. Mas, quando há evidência de que um presidente foi pessoalmente envolvido em corrupção, a probabilidade de que ele será afastado do cargo ou forçado a renunciar cresce dramaticamente. Frequentemente, as pessoas focam nos outros fatores, e veem as políticas neoliberais, por exemplo, como a causa do afastamento. No entanto, muitos presidentes com políticas neoliberais completaram seus mandatos e foram até reeleitos, então isso não é tão forte como um preditor.

Valor: A maioria dos presidentes contestados por corrupção estiveram diretamente envolvidos no escândalo?

Hochstetler: Quase todos os presidentes afastados foram acusados, com evidências, de estarem diretamente envolvidos em corrupção praticada por eles mesmos. O exemplo brasileiro do ex-presidente Fernando Collor - que foi acusado de enriquecimento pessoal, de fazer uma reforma milionária em sua casa etc - é típico destes casos. Simplesmente ter alguns indivíduos corruptos na administração não foi razão suficiente. Infelizmente, há corruptos na maioria dos governos, e presidentes não são normalmente tomados como responsáveis por isso. No primeiro mandato de Dilma, por exemplo, ela afastou uma série de ministros que foram acusados de corrupção, mas isso foi percebido favoravelmente por muitos. Há indícios de que o lado político nas acusações de corrupção beneficiam os partidos tanto ou mais que os políticos individualmente. Isso é incomum no contexto da América Latina e por isso é menos claro que resultado terá. Na maioria dos casos houve enriquecimento individual.

Valor: Protestos de rua são sempre o fator determinante para a queda de um presidente?

Hochstetler: Manifestações de rua sempre foram importantes nos casos que examinei - e de duas maneiras, às vezes juntas. Por um lado, a pressão de ter muitos milhares de manifestantes nas ruas foi frequentemente desmoralizante para os presidentes, que renunciaram em resposta direta. Por outro lado, a presença de tantos manifestantes pode também encorajar o Congresso. Muitas legislaturas são hesitantes em tentar remover presidentes, uma vez que eles são diretamente eleitos. Dilma venceu uma eleição nacional no ano passado, e esta é uma poderosa fonte de legitimidade. Mas se muitas pessoas estão marchando contra um presidente e a opinião pública está muito desfavorável, então os parlamentares são mais propensos a pensar que afastar o presidente também será visto como um ato legítimo. Os protestos precisam ser grandes, e os bem-sucedidos não podem ser identificados com a oposição política. Em vez disso, eles constroem coalizões amplas, entre diversos setores, suprapartidárias, com todo tipo de pessoas da sociedade.

"Manifestações bem-sucedidas constroem coalizões amplas, entre diversos setores, suprapartidárias"

Valor: A sra. ressalta o papel da violência, sempre presente nos protestos que derrubaram presidentes sul-americanos. A exceção foi Collor. A última eleição no Brasil foi muito polarizada. É comum que grupos antagônicos se enfrentem nas ruas ou o conflito geralmente é com as forças do Estado?

Hochstetler: Na América Latina, tem sido bem incomum que dois grupos concorrentes lutem um contra o outro. Isso só aconteceu nos países mais polarizados, como a Venezuela. Espero que o Brasil não tenha atingido esse nível de polarização porque estes são os desafios para os presidentes que têm os maiores números de mortos, feridos e participantes presos. Normalmente, um presidente que está enfrentando grandes manifestações de oposição e apresentam índices de aprovação muito baixos não tem ninguém nas ruas para defendê-lo. O papel mais comum da violência está nos choques entre os manifestantes e a polícia. Ainda que seja difícil dizer quem começa os confrontos, há clara evidência de que as forças de segurança decidiram avançar para quebrar os protestos. Isso normalmente torna os protestos ainda maiores e mais difíceis de serem controlados, e muitos poucos presidentes sobreviveram a esse tipo de escalada que resulta em mortes de manifestantes. Os brasileiros viram uma pequena versão dessa dinâmica em junho de 2013, quando o duro policiamento em São Paulo aumentou a escala dos protestos rapidamente.

Valor: Um terceiro protesto contra Dilma foi marcado para daqui a duas semanas. A sra. ressalta a importância da persistência para o sucesso das manifestações. A maior probabilidade é que os protestos no Brasil cresçam ou diminuam, dado que Dilma está apenas no começo do segundo semestre de um mandato de quatro anos?

Hochstetler: A maioria dos presidentes não foi forçada a se retirar do cargo durante seu primeiro ano. Normalmente, a legitimidade que vem de uma eleição é suficiente para protegê-los - e leva tempo para que eles façam o tipo de coisas que tornam os cidadãos e os parlamentares contra eles. Neste caso, entretanto, Dilma está em seu segundo mandato e logo é muito mais difícil para ela se separar dos encargos da corrupção. As acusações emergiram desde os últimos dias da campanha eleitoral. Está claro que Dilma e seus eleitores não terão uma lua de mel como a maioria dos presidentes em primeiro mandato tem. Ao mesmo tempo, a maioria dos movimentos bem-sucedidos contra presidentes se agigantaram bem rapidamente. E o segundo protesto no Brasil foi bem menor do que o primeiro, o que contradiz essa tendência. Se o próximo protesto também for pequeno, a persistência é menos provável, e o sucesso ainda menos provável. Ao olharmos para outra evidência, a taxa de aprovação de Dilma declinou muito rapidamente e a maioria dos presidentes que foram afastados do cargo tinham índices de aprovação muito baixos. Desaprovar o desempenho do presidente não é automaticamente a mesma coisa do que pensar que o presidente deve ser afastado do cargo. FHC sobreviveu a taxas de aprovação que estavam em patamares tão baixos sem nunca ter enfrentado protestos muito grandes. A ampla maioria que apoia o impeachment é um indicador melhor de que a próxima manifestação será grande.

Valor: De que maneira e por que a lógica partidária ou eleitoral não é predominante nas manifestações? Além disso, protestos nunca ocorrem no último ano de mandato.

Hochstetler: Grandes manifestações que foram bem-sucedidas em remover presidentes do poder não apresentaram uma lógica partidária no sentido de que elas, em regra, construíram uma ampla coalizão social que é maior do que os apoiadores de um único partido. Elas frequentemente incluem, por exemplo, os setores dos trabalhadores e dos empresários, que geralmente apoiam partidos diferentes. No último ano de mandato, a oposição concentra sua atenção em ganhar a próxima eleição, em vez de tentar fazer os dois, tirar o presidente e ganhar a próxima corrida presidencial.

Valor: Qual é a semelhança entre o papel dos protestos de massa hoje em dia e as intervenções militares no passado?

Hochstetler: A principal semelhança é que ambos são maneiras de remover presidentes do poder antes do fim de seus mandatos sem levar a cabo procedimentos institucionais como o impeachment. A principal diferença é o que acontece depois que o presidente vai embora. Nos episódios mais recentes, o presidente deposto é substituído pelo vice-presidente ou alguém na linha constitucional de sucessão, certificado pela legislatura. Em outras palavras, muitas instituições e processos democráticos continuam a funcionar. Nas intervenções militares do passado, a própria democracia era tipicamente interrompida e nem os parlamentares, os cidadãos ou qualquer outro ator democrático mantinha o controle.

Valor: Qual é a melhor estratégia para Dilma e para seus opositores?

Hochstetler: A estratégia mais importante para Dilma, se ela quiser permanecer no cargo, é se assegurar de que forças de segurança não reajam aos protestos com violência. Mortes de manifestantes que são diretamente causadas por choques com a polícia aumentam os protestos, minam a legitimidade do governo e chamam a atenção de atores estrangeiros que também podem fazer pressão sobre o governo. Fazer concessões é difícil de se fazer bem. Podem ajudar a desinflar a crise, mas os manifestantes frequentemente têm muitas agendas (além do impeachment) ou podem se tornar cínicos a respeito da habilidade ou vontade do governo de cumprir a promessa. Para os opositores, a melhor estratégia é evitar associar a oposição a Dilma com uma agenda partidária. Se suas manifestações parecerem partidárias, elas não serão capazes de mobilizar grupos além de sua base e podem até mesmo galvanizar apoiadores do PT em grandes contraprotestos.

"A estratégia mais importante para Dilma é se assegurar de que forças de segurança não reajam com violência"

Valor: Dilma está conduzindo um ajuste fiscal para equilibrar as contas públicas e evitar a perda do grau de investimento, o que inclui reforma de legislação trabalhista e previdenciária. Isso se encaixa num fator de risco?

Hochstetler: Ajuste fiscal poderia ser considerado política neoliberal. Mas não está claro para mim que políticas neoliberais ainda seriam um preditor significante para quedas de presidente, se tivesse que refazer meu estudo agora. Os dois últimos presidentes afastados - Lugo, no Paraguai, e Zelada, em Honduras - eram de esquerda. Pode ser que nos anos 1980 e 1990, governos de plantão seguiram políticas neoliberais e foram contestados por manifestantes. Mas agora que os governos de plantão são frequentemente de esquerda eles também são desafiados por protestos. Então, o que parecia antiliberalismo como causa era, na verdade, algo como política antimandatários.

Valor: Dilma tem uma suposta maioria no Congresso, mas sofreu várias derrotas neste ano. Como medir seu apoio político?

Hochstetler: Somente porque os parlamentares votaram contra um presidente em legislação ordinária isso não significa que eles votarão pelo impeachment deste presidente.

Valor: Quais dos fatores de risco você acha que se aplicam à conjuntura brasileira?

Hochstetler: O fator de risco que estou acompanhando mais de perto é se há acusações críveis, com evidência, de que Dilma pessoalmente sabia e participou de corrupção. Se isso acontecer, espero ver um rápido movimento em direção ao impeachment. Mas mesmo sem impeachment, é provável que ela tenha anos muito ruins pela frente. O buraco econômico é muito profundo mesmo sem a Lava-Jato, e acusações de comportamento corrupto de outras pessoas já são suficientes para descarrilhar a economia. Ela está politicamente fraca e comanda apenas o fraco apoio de sua própria coalizão e dos companheiros petistas.

Valor: Que presidente a sra. diria que foi derrubado com evidências frágeis de corrupção ou cuja queda poderia ser considerada injusta?

Hochstetler: Fernando de la Rúa foi forçado a deixar o cargo na Argentina em 2001 com escassa evidência de que estava pessoalmente envolvido em escândalo, embora tenha tentado proteger alguns acusados em sua administração. As condições econômicas em seu governo eram terríveis, mas muitas não foram causadas por ele. Nenhum presidente teria evitado dissociar o peso do dólar uma vez que o Brasil já o tinha feito. Isso teria causado um choque econômico ruim em qualquer momento que acontecesse. Ninguém foi capaz de ligar diretamente os movimentos de oposição à oposição partidária dos peronistas - os primeiros ficaram maiores que os segundos - mas poucos duvidam que havia fortes dimensões partidárias na oposição. Nada disso é para defender a administração dele, que foi notoriamente inepta, mas a inaptidão não é uma acusação para se impugnar. De todo modo, os fatores que levam a quedas de presidente devem ser pensados como fatores de risco. Ou seja, fumar cigarros é um fator de risco para o câncer de pulmão, e, no geral, há uma forte associação entre eles. Mas há pessoas que vão fumar a vida inteira e nunca desenvolver câncer de pulmão, e outras que vão desenvolvê-lo sem nunca ter fumado um cigarro. Então, sempre há chance para um resultado diferente do esperado.

Valor: De que maneira podemos comparar o presidencialismo na América do Sul com o parlamentarismo? O que a sra. quer dizer por "negociações de alto nível" que seriam similares nos dois sistemas?

Hochstetler: Essa negociações, comuns aos dois sistemas, refletem o fato de que as regras formais moldam apenas parte dos resultados finais. Apesar das regras muito diferentes - pelo desenho do parlamentarismo, os mandatos executivos podem terminar a qualquer momento enquanto isso não deve acontecer nunca no presidencialismo sem que ocorra doença ou acusações que levem a impeachment - a transição executiva em ambos os casos, frequentemente, chega a grupos menores que, na verdade, controlam a transição, mesmo se grandes protestos os precederam.