FH radicaliza discurso

 

Petistas no Congresso atacaram declarações do tucano, que vinha adotando discurso conciliador; ministro pediu fim da intolerância nas manifestações de rua e otimismo aos brasileiros descontentes No dia seguinte aos protestos contra o governo Dilma, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso surpreendeu ao abandonar o tom conciliador e sugerir, numa rede social, que a presidente renuncie ou admita seus erros como “gesto de grandeza”. FH disse que as manifestações revelam “o sentimento popular de que o governo, embora legal, é ilegítimo”. A afirmação revoltou petistas. “Será que ele está girando bem?”, questionou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PTCE). O Planalto não comentou as declarações. Sobre as manifestações, o ministro Edinho Silva (Comunicação Social) pediu otimismo e o fim da intolerância. O PT, por sua vez, convocou a militância a participar de atos pró-governo nesta quinta-feira. -SÃO PAULO E BRASÍLIA- Tido como um oposicionista mais moderado e após fazer uma defesa pessoal da presidente Dilma Rousseff, a quem chamou de “pessoa honrada”, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso radicalizou o discurso contra a petista. Um dia depois dos protestos em que milhares de manifestantes pediram o impeachment da presidente, Fernando Henrique evitou falar em impedimento, mas defendeu uma renúncia como “gesto de grandeza”. Segundo ele, se Dilma não for capaz de admitir os erros e apontar soluções para a saída da crise, é melhor que saia do cargo. O PT reagiu à declaração do tucano e questionou sua legitimidade para fazer esse tipo de declaração.

MICHEL FILHO/23-6-2015Mudança de tom. Fernando Henrique sobre as manifestações : “O mais significativo é a persistência do sentimento popular de que o governo, embora legal, é ilegítimo”

“Se a própria presidente não for capaz do gesto de grandeza (renúncia ou a voz franca de que errou, e sabe apontar os caminhos da recuperação nacional), assistiremos à desarticulação crescente do governo e do Congresso, a golpes de Lavajato”, afirmou o ex-presidente, em texto divulgado no Facebook. Em análise sobre as manifestações de domingo, ele afirmou que “o mais significativo das demonstrações é a persistência do sentimento popular de que o governo, embora legal, é ilegítimo. Falta-lhe a base moral, que foi corroída pelas falcatruas do lulopetismo”. FH também fez menção ao boneco do ex-presidente Lula vestido de presidiário, que foi levado às ruas por manifestantes em Brasília. Segundo o tucano, “a Presidente, mesmo que pessoalmente possa se salvaguardar, sofre contaminação dos malfeitos de seu patrono (Lula) e vai perdendo condições de governar.”

ALOYSIO: PSDB VOTARÁ A FAVOR DO IMPEACHMENT

O tucano termina seu texto com um vaticínio sombrio à mandatária, dizendo que a desarticulação se manterá “até que algum líder com força moral diga, como o fez Ulysses Guimarães, com a Constituição na mão, ao Collor: você pensa que é presidente, mas já não é mais“. Fernando Henrique disse ao GLOBO no início da noite de ontem que não comentaria o teor de sua mensagem no Facebook.

Aliados de FH especulam as razões da contundência das palavras: o tamanho das manifestações (maiores que as de abril), e o fato de elas terem chegado ao Nordeste, principal reduto “lulopetista”. Além disso, os tucanos argumentam que o governo Dilma foi incapaz de sair da inércia a despeito do cessar-fogo costurado no Senado há pouco mais de uma semana e que poderia ter permitido a aprovação de medidas do ajuste fiscal.

— A situação da presidente é rara: ela ganhou a eleição e não levou. Não fez medidas para sair da crise política e econômica. Não existe vácuo de poder, alguém tem que governar — afirma o ideólogo tucano José Arthur Giannotti, amigo próximo de Fernando Henrique.

Giannotti lembra, no entanto, que FH sempre se colocou contra o impeachment, visto por ele como um processo traumático para a economia do país. Isso pode explicar por que o ex-presidente prefere clamar pela renúncia de Dilma. No domingo, durante manifestação na Paulista, o jurista Miguel Reale Junior, ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique, já havia defendido a saída voluntária da presidente.

Em discurso no plenário do Senado, o tucano Aloysio Nunes (PSDB-SP) disse que o impeachment está na “cabeça de todos”, mas que as condições políticas para isso “ainda não estão reunidas”. Ele afirmou, no entanto, que existem as “condições jurídicas”.

— Cabe ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, dar prosseguimento a um dos inúmeros pedidos de impeachment que estão sobre a sua mesa. Se isso acontecer, não tenho dúvida nenhuma de que o PSDB votará a favor — disse Aloysio.

Diante da nova ofensiva, os petistas reagiram. Um dos vice-presidentes do partido, Alberto Cantalice classificou o apelo do ex-presidente Fernando Henrique de “patético”.

— Esse patético apelo pela renúncia de Dilma demonstra uma indisfarçável dor de cotovelo pela recente derrota eleitoral — escreveu o petista em sua conta no Twitter.

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), respondeu com ataques as críticas do ex-presidente:

— Será que ele está girando bem? A gente sempre espera equilíbrio e moderação de um ex-chefe da nação. Não pode virar instrumento de propaganda de forças reacionárias. Ele deveria honrar o lutador que foi pela democracia e não enveredar por esse caminho golpista.

O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), lamentou a declaração de FH:

— Foi um ato de pequenez política. A gente espera de um ex-presidente que, na hora difícil, tenha um ato de grandeza para ajudar o Brasil a sair da crise. Mas, em vez de agir como um estadista, Fernando Henrique agiu como chefe de torcida.

Costa disse que se fosse assim, quando enfrentou denúncias de corrupção e baixa popularidade, Fernando Henrique deveria ter renunciado, e não o fez.

 

Governo pede fim da intolerância; PT convoca para ato de quinta-feira

 

No dia seguinte às manifestações contra a presidente Dilma Rousseff, o governo pediu o fim da intolerância e conclamou a população a acreditar no Brasil. Após a reunião de coordenação política de Dilma, o ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, disse que é preciso desfazer o clima de intolerância e pessimismo, para que a economia volte a andar.

ANDRÉ COELHOLíder. Guimarães (esquerda): “Parte do movimento tem conotação ideológica”

— Temos que acreditar na força do nosso país. Em breve estaremos saindo das dificuldades — disse Edinho, completando em seguida: — Estamos vivenciando um período de intolerância política, cultural e religiosa. É um momento difícil. Temos que trabalhar para desfazer esse ambiente de intolerância.

Na avaliação do ministro, houve um recuo nas manifestações de ontem, com relação às de março. Ele disse que, pessoalmente, discorda da agenda colocada pelos manifestantes “pelo fim da democracia”, mas que respeita os atos. Ao lado de Edinho, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), disse que a oposição deve estar frustrada com o tamanho da mobilização de domingo.

— As manifestações no Nordeste foram todas menores. O PSDB convocou os atos. Houve propaganda partidária. A expectativa deles era talvez outra. Parte do movimento assumiu uma conotação ideológica muito forte. A presidente tem que dialogar com as ruas, mas tem que dialogar com 200 milhões de brasileiros e brasileiras. Pé na estrada, humildade, tranquilidade, porque a institucionalidade democrática permite até que os Bolsonaros da vida preguem a volta do golpe — disse Guimarães, referindo-se ao colega deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ).

Já o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), disse que as manifestações reforçam a necessidade de Dilma investir em uma agenda positiva e no diálogo com a sociedade:

— As manifestações, apesar de menores, foram expressivas. Mostraram que a presidente Dilma tem que, cada vez mais, atuar em uma agenda positiva, em um diálogo com a sociedade, ser mais rápida e efetiva. Mostraram também que temos condições de reverter esse quadro.

CONVOCAÇÃO PELO RÁDIO

Em um contraponto aos protestos, o PT vai utilizar seus comerciais de rádio, a partir de hoje, para convocar para as manifestações a favor do governo marcadas para quinta-feira.

“Qualquer governo, qualquer partido, vive bons e maus momentos, comete erros e acertos. É bom recordar os erros para que eles não aconteçam mais, mas também é bom lembrar que juntos criamos um novo Brasil, vencemos a fome e a miséria, elevamos a renda de milhões. Um país que chegou onde chegamos tem tudo para superar qualquer crise na economia”, diz um dos comerciais.

Em nota, o PT conclamou a militância a reagir aos ataques que vem sofrendo. “Os ataques ao Partido dos Trabalhadores, ao ex-presidente Lula e ao governo da Presidenta Dilma não escondem seus propósitos conservadores e antidemocráticos, exigindo uma reação imediata do nosso partido e do campo democrático e popular”.

Embora defendam a manutenção da presidente no cargo, os movimentos socais farão críticas ao governo, principalmente ao ajuste fiscal, na manifestação de quinta-feira.

— O ato é de cobrança (do governo). Não achamos que impeachment é saída para crise; para nós, ele significa retrocesso. Mas não dá para ter visão simplista de que o ato de domingo foi “Fora, Dilma”, e nós somos “Viva Dilma”. Nosso ato não é a favor do governo. É a favor dos trabalhadores — disse Guilherme Boulos, um dos coordenadores nacionais do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

Na área econômica, o grupo pede que sejam aprovadas medidas contra os mais ricos, como a taxação de grandes fortunas.

Alvo dos protestos pela aproximação com Dilma, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que não é hora de fazer “movimentos políticos”. Para Renan, o momento é de apenas “ouvir as reclamações das ruas”, e o Legislativo está fazendo seu papel ao apresentar a chamada Agenda Brasil. Ao ser perguntado sobre as críticas que recebeu de manifestantes por seu apoio a Dilma, Renan disse que é preciso garantir o direito de cada um de se manifestar:

— Esse (fato de ser criticado) é um exercício da democracia. Não dá para você responder à expectativa de cobrança que existe em todos os setores da sociedade. O fundamental não é fazer movimentos políticos, é recolher os sentimentos das ruas e apresentar caminhos.