Operação avança sobre setor elétrico e prende presidente da Eletronuclear

 

FAUSTO MACEDO, FÁBIO FABRINI, TALITA FERNANDES, BEATRIZ BULLA, MATEUS COUTINHO, JULIA AFFONSO E VALMAR HUPSEL FILHO 

28 Julho 2015 

Investigação aponta pagamento de R$ 4,5 milhões em propinas ao almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, suspeito de favorecer consórcio de empreiteiras na construção da usina de Angra 3; presidente da Andrade Gutierrez Energia também foi preso.

 

Brasília - A Polícia Federal prendeu nesta terça-feira, 28, pela manhã o presidente licenciado da Eletronuclear, o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, e o presidente da Andrade Gutierrez Energia, Flávio David Barra, na 16.ª fase da Operação Lava Jato. Esta é a primeira vez que a operação, cujas ações até então estavam restritas aos contratos de empreiteiras com a Petrobrás e subsidiárias, investe sobre o setor elétrico. O foco nesta fase, batizada de Radioatividade, é a suspeita de corrupção em contratos para a construção da Usina Nuclear de Angra 3.

Considerado a principal autoridade em energia nuclear do País, Pinheiro da Silva é apontado pela força-tarefa como recebedor de propinas para que o consórcio Angramon fosse o vencedor da licitação para a construção de Angra 3. O consórcio é formado por empreiteiras já investigadas pela Lava Jato: Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Odebrecht, Techint, MPE, Camargo Corrêa e UTC. 

Segundo a Polícia Federal e a Procuradoria da República no Paraná, Pinheiro da Silva recebeu R$ 4,5 milhões em propinas pagas entre 2011 – às vésperas da publicação do edital de pré-qualificação das obras de Angra 3 – até meados deste ano. Chamou a atenção do juiz Sérgio Moro, responsável pela condução das ações da Operação Lava Jato, que parte desse valor teria sido paga em dezembro de 2014, um mês depois da prisão de empreiteiros na 7.ª fase da Lava Jato. A estimativa da força-tarefa, entretanto, é que Pinheiro da Silva tenha recebido no período mais de R$ 30 milhões – equivalente a 1% do valor dos contratos assinados pelas empresas para as obras da usina.

 

Conforme a força-tarefa, o dinheiro era repassado pelas empreiteiras à Aratec Engenharia Consultoria e Representações Ltda, controlada pelo almirante. O pagamento seria feito por meio de intermediárias (Deustchebras, CG Consultoria e JNobre Engenharia e Consultoria Ltda) ligadas às empreiteiras. Ainda ontem, Moro decretou o bloqueio de até R$ 20 milhões de ativos do almirante. A medida é extensiva à Aratec e ao executivo Flávio Barra.

Os procuradores destacaram ainda que a Unidade Técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) já havia sugerido o veto ao edital de contratação do consórcio Angramon por conter “caráter extremamente restritivo”. Ainda segundo a Procuradoria, o plenário da corte, entretanto, em acórdão de 2012, autorizou o prosseguimento da licitação. 

Prisões. Pinheiro da Silva e Flávio Barra foram presos em casa, em Niterói e no Rio, e levados para a carceragem da PF em Curitiba. Ambas as prisões são temporárias, de cinco dias – prazo que pode ser estendido por Moro. Em sua decisão, o juiz aponta a existência de “prova relevante de crimes de fraude a licitações, corrupção, e lavagem de dinheiro”. Segundo ele, a prisão temporária é, neste caso, “imprescindível para evitar concertação fraudulenta de versões entre os investigados”. 

Além das prisões temporárias, a PF cumpriu ontem outros 28 mandados judiciais, sendo 23 de buscas e apreensão e cinco de condução coercitiva – os executivos Renato Ribeiro Abreu, da MPE Participações; Fábio Adriani Gandolfo, da Odebrecht; Petrônio Braz Júnior, da Queiroz Galvão; Ricardo Ouriques Marques, da Techint Engenharia e Clóvis Renato Peixoto Primoi, da Andrade Gutierrez. Os mandados foram cumpridos em Brasília, Rio de Janeiro, Niterói, São Paulo e Barueri.

‘Metástase’. Em Curitiba, ao revelar detalhes da operação, o procurador Athayde Ribeiro Costa disse que a corrupção não está restrita à Petrobrás. “Espalhou-se para outros órgãos da administração pública”. Segundo ele, a corrupção no Brasil é endêmica e está em “processo de metástase”. 

A suspeita de envolvimento do almirante Pinheiro da Silva e de políticos com o esquema em Angra 3 foi levantada na delação premiada do executivo Dalton dos Santos Avancini, ex-presidente da Camargo Corrêa. Avancini afirmou que, durante reunião na sede da UTC Engenharia, em São Paulo, ocorrida em agosto de 2014, “foi comentado que havia certos compromissos do pagamento de propinas para o PMDB no montante de 1% e a dirigentes da Eletronuclear”.

As obras de Angra 3 foram reiniciadas em 2009 durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na época , o empreendimento estava orçado em R$ 7 bilhões. Agora, a previsão é que o custo total chegue a mais de R$ 16 bilhões. A usina deverá entrar em operação em 2018.

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Almirante é referência na área nuclear
 
 T.F., ANDRÉ BORGES e JOSÉ MARIA TOMAZELA 

A prisão temporária do presidente licenciado da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva, surpreendeu a comunidade científica – o vice-almirante da reserva da Marinha é reconhecido como um dos mais importantes especialistas do mundo no domínio do complexo ciclo do combustível nuclear –, no caso do Brasil, o urânio enriquecido.

Engenheiro naval pela Escola Politécnica de São Paulo, formado em 1966, com especialização em engenharia nuclear no Massachusetts Institute of Technology (MIT), Pinheiro da Silva é considerado referência internacional na pesquisa sobre o controle da tecnologia do ciclo completo do combustível nuclear.

É autor do projeto de criação das ultracentrífugas usadas no programa de enriquecimento do urânio utilizado para geração de energia e na futura propulsão nuclear de submarinos. É também o responsável pela consolidação do Centro Aramar, em Iperó (SP), onde é desenvolvida a pesquisa atômica nacional. Em 1994, recebeu do então presidente, Itamar Franco, a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, por suas colaborações à ciência.

Programa nuclear. Aos 75 anos, Pinheiro da Silva é considerado o “pai” do programa nuclear brasileiro. Durante dez anos de ação sigilosa, esteve à frente do extinto Programa Nuclear Paralelo – desenvolvido pela Marinha, com apoio do Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares (Ipen) e da Comissão Nacional de Energia Nuclear –, cujo objetivo era tornar o Brasil potência nuclear. Neste período foi o operador das contas Delta – contas secretas usadas para a compra, no exterior, de componentes nucleares destinados ao projeto brasileiro.

O programa ganhou impulso durante o governo do presidente militar João Figueiredo.
O empreendimento, que deixou de ser secreto em 1987 e foi oficializado pelo ex-presidente José Sarney, resultou no domínio do ciclo de produção do combustível nuclear, o urânio U235 enriquecido pelo processo de ultracentrifugação, e no desenvolvimento do sistema propulsor do submarino nuclear brasileiro em desenvolvimento no novo estaleiro da Marinha em Itaguaí, no Rio.

Em 1990, uma CPI foi instalada para investigar o programa nuclear paralelo. Na ocasião, foram revelados detalhes das operações financeiras clandestinas que sustentaram a iniciativa e sobre o comércio não autorizado de material nuclear. Quatro anos depois, Pinheiro da Silva deixou a coordenação do programa.

Em outubro de 2005 (governo Lula), foi convidado para dirigir a Eletronuclear. Em abril deste ano, licenciou-se do cargo após a divulgação de denúncias envolvendo contratos firmados com fornecedores privados da construção da usina de Angra 3.