Governo reduz meta fiscal e recria regra que permite fechar o ano com déficit

 

23/07/2015 
Adriana Fernandes Lorenna Rodrigues Rachel Gamarski Bernardo Caram / BRASÍLIA
 
Contas. Com arrecadação muito menor que a projetada inicialmente, meta de superávit primário foi reduzida de R$ 66,3 bi, ou 1,1% do PIB, para R$ 8,7 bi, ou 0,15% do PIB; projeto que será enviado ao Congresso permite, no entanto, déficit de até R$ 17,7 bi.

O governo anunciou ontem um corte de 86,73% na meta fiscal prometida para este ano e acabou alimentando incertezas no mercado financeiro em relação à capacidade do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em colocaras contas públicas numa trajetória sustentável. O governo reduziu a meta de superávit de R$ 66,3 bilhões (1,13% do PIB) para apenas R$ 8,74 bilhões (0,15% do PIB) e também fez um corte de R$ 8,6 bilhões nas despesas.

O cenário traçado no relatório de receitas e despesas do governo também mostra que a recomposição das contas públicas nos próximos anos será mais lenta que o esperado pela equipe econômica. A meta fiscal para 2016 caiu para 0,7%, e a de 2017, para 1,3%. Somente em 2018, último ano governo Dilma Rousseff, a meta será de 2%, valor considerado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, como necessário para colocar a dívida em trajetória de queda.

A fotografia apresentada foi bem pior do que a desenhada pelo governo ao longo do mês, o que deixou os analistas mais pessimistas. Afinal, até àvéspera do anúncio, as sinalizações dadas pela presidente e seus auxiliares era de manutenção da meta, como defendia Levy.

Com a economia patinando e a arrecadação em queda, mesmo tendo de economizar R$ 57,58 bilhões a menos, o governo decidiu encaminhar ao Congresso um projeto de lei que flexibilizanovamente a política fiscal e permite que as contas fechem o ano no vermelho em até R$ 17,7 bilhões, se algumas receitas extraordinárias não se realizarem. Foi recriada a regra do abatimento da meta que, na prática, funciona como uma banda fiscal e um colchão de segurançapara a equipe econômica, se o quadro piorar até o final do ano (ver abaixo).

O projeto também permitirá, pela primeira vez, que a economia feita por Estados e municípios, acima da meta fixada, seja usada para compensar uma eventual frustração no superávit previsto para a União.

Como tombo na meta e a possibilidade de déficit ao final do ano, o mercado financeiro reagiu mal à mudança. O dólar fechou em alta de 1,86%, cotado a R$ 3,2270. A Bove spa fechou em queda de 1,09%. Os juros futuros fecharam em alta. O risco que entrou no radar dos investidores foi o de afrouxamento fiscal e enfraquecimento dapolítica de correção de rumos do ministro Levy e da sua posição no governo. A percepção que ganhou força foi a de que o Brasil poderáperder o grau de investimento pelas agências de classificação de risco.

Receita menor. Segundo o governo, o corte ocorreu porque o aumento da receita tem sido “menos dinâmico” do que o das despesas. Levy argumentou que o objetivo, ao rever a meta para um número “seguro e adequado”, é diminuir a incerteza daeconomia. No relatório, o governo reduziu em R$ 46,4 bilhões as receitas e aumentou em R$11,4 bilhões as despesas.

O governo também revisou mais umavez parabaixo a previsão para o PIB em 2015, para uma retração de 1,49%.Já a previsão para o IPCA passou de 8,26% para 9%.

Levy e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, defenderam o ajuste da meta em nome da “transparência e do realismo”. “Redução não é abandono do ajuste fiscal. Não é licença para gastar. Nosso compromisso é de continuar com a disciplina fiscal”, afirmou.

Já Barbosa, que defendia a meta fiscal menor, afirmou que a redução, feita por contada queda drástica das receitas, vai permitir uma recuperação mais rápida do crescimento da economia.

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Receitas frustradas poderão ser abatidas para fechar a conta

Projeto prevê um abatimento de até R$ 26,4 bilhões de arrecadação prevista e não realizada.

Com as mudanças enviadas ao Congresso, a equipe econômica ressuscitou a possibilidade de fazer abatimentos para encaixar o resultado do ano na meta fiscal pretendida. Se, no passado, gastos com investimentos podiam ser descontados da meta final, o governo quer agora abater receitas frustradas – sendo que algumas ainda dependem de previsão legal para serem criadas.

Da nova meta estabelecida pelo governo, de R$ 8,7 bilhões, será possível descontar até R$ 26,4 bilhões de receitas previstas, mas que não se confirmarem. O governo prevê para este ano arrecadar R$ 51,6 bilhões em receitas extraordinárias. O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse que autilização do abatimento é “possível, mas pouco provável”.

Três modalidades de recursos poderão ser descontados da meta. A primeira possibilidade de abatimento é da frustração de receitas com o novo programa de recuperação de débitos em atraso. A expectativa de incremento aos cofres da União é de R$ 10 bilhões. O que faltar para chegar ao patamar pretendido poderá ser descontado.

Outra possibilidade são os R$ 11,4 bilhões em receitas que o governo espera receber da regularização de ativos no exterior. Umprojeto de lei abrindo apossibilidade de repatriação de recursos tramita no Congresso Nacional e o governo espera que seja votado em agosto. Além disso, R$ 5 bilhões poderão ser descontados se não forem realizadas as receitas com concessões e permissões.

Na prática, governo terá uma licençapara encerrar o ano com déficit primário de até R$17,7 bilhões. Além disso, o esforço fiscal da União pode ser ainda menor porque o projeto permite que Estados e municípios possam compensar o governo central caso a meta não seja alcançada. Até maio, os Estados e municípios registraram um resultado positivo de R$19,2 bilhões. / L.R., A.F., B.C. e R.G.