Cunha ameaça romper convênio com a AGU

 

CAROLINA BRÍGIDO E ISABEL BRAGA

O globo, n. 29954, 11//08/2015. País, p. 5

 

A divulgação de uma ação ajuizada pela Advocacia Geral da União (AGU) no STF, pedindo a anulação de provas contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, no âmbito da Lava-Jato, provocou uma crise entre ele e o órgão. Cunha declarou que pretende romper o convênio da Casa com a AGU. O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, disse que a presidência da Câmara solicitou três vezes que a ação fosse apresentada. O deputado afirmou que Adams “mente”. - BRASÍLIA- O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDBRJ), disse ontem que pretende romper o convênio que a Câmara tem com a Advocacia Geral da União (AGU) para sua defesa institucional nos tribunais. Isso ocorreu depois que Cunha e o advogado- geral da União, Luís Inácio Adams, desentenderam-se publicamente sobre o recurso apresentado pela Câmara pedindo ao Supremo Tribunal Federal (STF) a anulação de provas que incriminam o parlamentar na Operação Lava-Jato. Cunha chegou a acusar Adams de estar mentindo para prejudicá-lo.

GIVALDO BARBOSA/21-7-2015Eduardo Cunha. “Leva 3 meses para cumprir a sua obrigação”, disse ele, sobre o advogado-geral

Adams disse que Cunha cobrou pessoalmente, por telefone, na última sextafeira, que o órgão entrasse logo no STF com o recurso em nome da Câmara. Cunha, por sua vez, negou novamente que tenha feito o pedido, como já tinha feito na véspera. De ambas as partes, o assunto foi tema para notas oficiais, declarações à imprensa e mensagens no Twitter.

TRÊS PEDIDOS DA CÂMARA

Na sexta- feira, a AGU entrou no STF com recurso pedindo a anulação dos documentos que foram apreendidos em maio na Câmara e hoje integram o inquérito sobre o envolvimento de Cunha no escândalo de corrupção na Petrobras. Embora não seja praxe, a AGU tem poderes para agir em nome da Câmara, quando o assunto é institucional. Segundo Adams, a providência só foi tomada porque Cunha fez o pedido três vezes. A cobrança mais veemente teria sido feita na sexta-feira, quando Adams diz ter recebido um telefonema de Cunha. O recurso foi apresentado ao STF logo em seguida.

Ao telefone, Cunha iniciou a conversa reclamando da adesão da AGU ao pedido da senadora Rose de Freitas (PMDB-ES) para o STF a anular a sessão da Câmara que aprovou as contas de ex-presidentes. Depois, diz Adams, Cunha aproveitou para cobrar rapidez no caso da Lava-Jato.

— Na conversa que tivemos na sextafeira, esse assunto foi abordado — disse Adams.

Cunha negou. No Twitter, disse que não tratou do assunto com Adams na sexta-feira e o chamou de mentiroso. Cunha admitiu, no entanto, que em maio pediu que o advogado agisse em defesa da Câmara, já que a busca e apreensão no setor de informática da Casa foi feita apenas com a autorização do STF, e não da própria Casa.

“Quero desmentir com veemência a informação prestada pelo AGU de que cobrei a ele por telefone, na sexta, a ação. Ao telefone, na sexta, cobrei ele ter ingressado contra a Câmara pela senadora Rose, nada mais. Se ele fala diferente está mentindo”, escreveu Cunha. “Solicitei a ele em maio que reagisse defendendo a prerrogativa da Câmara. Se algum advogado da Câmara cobrou depois, desconheço. Mas cobrar ao telefone sexta é mentira dele, e não posso admitir essa falta de respeito de um advogado-geral da União”.

Cunha avisou que quer romper o convênio que permite que a AGU defenda a Câmara no Judiciário. “Ele leva 3 meses para cumprir a sua obrigação, entra com uma peça que não concordei e ainda mente. É demais”, encerrou o deputado.

Cunha fez a mesma cobrança à AGU em outras duas ocasiões. A primeira foi em ofício de 8 de junho. “De ordem do presidente da Câmara dos Deputados, solicita-se que seja estudada a viabilidade de adoção de medidas judiciais em face de ato judicial de busca e apreensão efetivado nesta Casa no dia 4 de maio de 2015”, diz o documento, assinado pelo então diretor- geral da Câmara, Sérgio Sampaio.

IMUNIDADE DA CASA

A segunda cobrança foi feita por meio de ofício da Procuradoria Parlamentar à AGU em 9 de julho. É assinado pelo deputado Claudio Cajado, procurador parlamentar. Os dois ofícios foram divulgados pela própria AGU, que alegou que o pedido em nome da Câmara só não foi feito antes porque o STF estava em recesso em julho.

As provas foram colhidas em maio na Câmara a pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O objetivo era saber a origem de requerimentos apresentados pela ex-deputada Solange Almeida. A suspeita dos investigadores é que ela teria agido a pedido de Cunha, que é investigado por suposto recebimento de propina para permitir a contratação de navios-sonda pela Petrobras. Investigado na Lava-Jato, Cunha teria utilizado requerimentos na Câmara para pressionar empresas a retomar os pagamentos de suborno. Para a AGU, a imunidade da Câmara está assegurada na Constituição. A AGU também diz que as buscas ferem o princípio da separação dos Poderes e pede que as provas sejam desconsideradas