MARTHA BECK
BÁRBARA NASCIMENTO
O globo, n. 29951, 08//08/2015. Economia, p. 25
Se o governo já tinha problemas com a queda da arrecadação devido à retração da economia, esse quadro agora corre o risco de ficar ainda mais grave. Os auditores da Receita Federal — que têm papelchave no recolhimento dos impostos — ameaçam fazer uma rebelião caso não sejam incluídos na proposta de emenda constitucional (PEC) 443, que aumenta o teto da remuneração de advogados públicos e delegados de polícia para até R$ 30.471,00. E, na tentativa de contornar a crise, apesar de contrário ao projeto, o Ministério da Fazenda acabou manifestando publicamente apoio aos auditores.
REUTERSLevy. Ministro da Fazenda deixou de acompanhar Dilma em Roraima para tentar apaziguar os ânimos de servidoresO secretário da Receita, Jorge Rachid, enviou na noite de quinta-feira um e-mail a todos os superintendentes do Fisco afirmando que os auditores fazem um trabalho de excelência e que não iria se omitir “em defender a instituição nas discussões ainda em andamento da PEC 443”. No mesmo dia, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, também divulgou uma nota na qual afirma que “o respeito e reconhecimento da atuação da secretaria da Receita Federal do Brasil e de seu corpo funcional, além de merecido, é indispensável para se garantir a estabilidade econômica e a prosperidade do país”.
LEVY DESISTE DE VIAGEM
Segundo os auditores, o grupo ficou revoltado porque, durante a discussão na Câmara, deputados ressaltaram a importância dos advogados públicos para a arrecadação federal — e trataram a Receita como uma categoria de menor relevância. Os parlamentares rejeitaram uma emenda aglutinativa que incluía o Fisco na PEC. O posicionamento do líder do governo, José Guimarães ( PT- CE), contra a emenda deixou os auditores particularmente irritados. A derrota provocou uma ebulição, e os auditores começaram a pressionar os superintendentes para que entregassem os cargos.
O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), Cláudio Damasceno, garante que a categoria já cruzou os braços e deve ficar paralisada por tempo indeterminado. Ele estima que pelo menos mil cargos em comissão, de superintendência, foram entregues no país desde a votação da PEC, na última quarta-feira, “e esse número tende a aumentar cada vez mais”.
— A consequência disso é que a Receita está parada desde o dia da votação e vai continuar. Os auditores pararam completamente as atividades e já há entrega de cargos em comissão. A situação é muito ruim — afirmou.
Em meio à crise na cúpula da Receita Federal, o ministro Levy optou por não aceitar o convite da presidente Dilma Rousseff para acompanhá- la durante uma viagem ontem, a Roraima, onde foram entregues 747 unidades do programa Minha Casa, Minha Vida. Com uma agenda apertada, o ministro já havia ficado na sede do Ministério da Fazenda durante a madrugada, lidando com a crise dos auditores, a pauta legislativa e o Orçamento de 2016. Este último deve ser entregue até o próximo dia 30.
Um dos principais motivos da indignação dos auditores é o fato de José Guimarães ter se posicionado contra a emenda que incluiria a Receita na PEC, embora tenha defendido a aprovação da emenda. Procurado pelo GLOBO, o líder do governo evitou o assunto e negou ter feito qualquer comentário negativo em relação aos auditores.
— Não falei mal de ninguém, fiz um discurso a favor do Brasil — disse Guimarães.
O presidente do Sindifisco conta que o ministro da Fazenda e Rachid chamaram os representantes da categoria para uma reunião na quinta-feira.
— Eles reafirmaram o posicionamento do governo, de que a equipe econômica é contra a PEC e vai trabalhar para que não seja aprovada. Mas nós levamos nosso posicionamento: se uma carreira consegue, o mesmo deveria ser estendido para a outra — enfatizou o presidente do Sindifisco, completando que os servidores da Advocacia-Geral da União e auditores fiscais estão na mesma linha de importância.
Segundo fontes da Receita, outra emenda que inclui os auditores fiscais na proposta será apreciada na próxima terçafeira. E caso ela não seja aprovada, o quadro ficará ainda mais grave. Um auditor afirmou que as manifestações de Rachid e Levy foram vistas como “paliativas” e que a categoria quer uma ação mais enfática do comando na tramitação da PEC 443.
‘GOVERNO NÃO PODE DAR’
Na quarta-feira, a equipe econômica trabalhou intensamente na tentativa de barrar a votação da PEC, devido ao impacto fiscal da aprovação. Conforme nota do Ministério do Planejamento, da forma como está, sem a inclusão dos auditores, a proposta tem impacto anual de R$ 2,4 bilhões nas contas públicas.
Para o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, a decisão do governo foi pragmática e não atrapalha as negociações da equipe econômica na tentativa de fortalecer o ajuste fiscal.
— O que estão pedindo nessa PEC o governo não pode dar. Mas é melhor ter os auditores dentro dessa expectativa de alguma melhora do que eles ficarem de fora, até porque eles contribuem para a arrecadação, que está hoje em uma queda brutal. Além do ajuste fiscal, o problema não é só cortar despesa, é aumentar a receita — disse.