Ajuste na Petrobras

 

RAMONA ORDOÑEZ

BRUNO ROSA 

O globo, n. 29950, 07//08/2015. Economia, p. 21

 

O lucro da Petrobras caiu 89% no segundo trimestre, para R$ 531 milhões, devido ao pagamento de uma dívida de R$ 1,6 bilhão com a Receita Federal e à previsão de pagar outros R$ 2,6 bilhões ao Fisco. O resultado decepcionou o mercado, que previa lucro entre R$ 2,6 bilhões e R$ 4,6 bilhões. Analistas afirmam que o reconhecimento de débitos com a Receita mostra mais transparência nas contas da Petrobras e lembram que estes recursos vão reforçar os cofres do governo e ajudar no ajuste fiscal. A Petrobras fechou o segundo trimestre deste ano com lucro líquido de R$ 531 milhões, uma queda de 89% em relação ao mesmo período do ano passado, quando havia registrado R$ 5 bilhões. O número também é 90% menor que os R$ 5,3 bilhões de ganhos no primeiro trimestre. O resultado anunciado ontem surpreendeu e ficou bem abaixo das previsões de analistas, que projetavam lucro entre R$ 2,6 bilhões e R$ 4,6 bilhões. Os principais impactos foram o pagamento de um processo com a Receita Federal, além do provisionamento de recursos para três processos semelhantes com o Fisco. O acerto de contas da estatal com o governo ocorre no momento em que o país tenta aumentar a sua arrecadação para cumprir a meta fiscal ( economia para pagamento de juros da dívida). Do ponto de vista operacional, porém, a estatal teve bom desempenho, com aumento de 9% na produção de petróleo e gás em relação ao segundo trimestre de 2014.

Aldemir Bendine, presidente da companhia, disse que a petroleira quer enfrentar seu passivo tributário para ficar “devidamente saneada”. No segundo trimestre, a Petrobras pagou R$ 1,6 bilhão ( dos quais R$ 1,2 bilhão em dinheiro e R$ 400 milhões em prejuízos fiscais) à Receita referente a um processo de 2008 sobre a incidência de Imposto sobre Operações Financeiras ( IOF) em transações realizadas por suas subsidiárias no exterior. Com isso, o lucro no primeiro semestre somou R$ 5,8 bilhões, queda de 43% em relação ao mesmo período do ano passado.

— É um processo que estava orçado em R$ 3,3 bilhões. Tivemos uma vantagem muito expressiva e conseguimos menos da metade do preço ( de R$ 1,6 bilhão). Queremos deixar a empresa dentro da melhor prática de gestão — disse Bendine.

‘ SUPERÁVIT É PROBLEMA DO TESOURO’

O presidente da estatal lembrou ainda que provisionou outros R$ 2,6 bilhões referentes a processos similares sobre o pagamento de IOF no exterior nos anos de 2007, 2009 e 2010, que estão em curso para julgamento. Dessa forma, o executivo disse que novas provisões podem ser feitas no futuro se forem consideradas vantajosas. Indagado se o pagamento iria contribuir para o superávit primário, afirmou:

— Responder por superavit primário, isso é um problema do Tesouro. Ninguém está aqui para fazer caixa para o Tesouro. O que temos de perspectiva é que a empresa ainda possui passivo tributário. Nós queremos enfrentá- lo. Então, tendo vantagem para a empresa, vamos exercer em bem da companhia e de seus sócios. O que a gente quer é enfrentar esse passivo tributário para que a empresa esteja devidamente saneada. Por isso, 2015 ainda é um ano de ajuste.

Outro motivo que contribuiu para a redução no lucro no segundo trimestre foi a baixa contábil ( reavaliação de ativos) de R$ 1,3 bilhão em projetos, que foram paralisados pela companhia, com base em seu novo Plano de Negócios. Segundo o executivo, entre os projetos suspensos está a fábrica de fertilizantes, em Uberaba, em Minas Gerais, que tem apenas 30% das obras concluídas. Já em Exploração e Produção, segundo Solange Guedes, diretora da área, a baixa em campos chegou a R$ 245 milhões, incluindo áreas nos EUA.

Bendine destacou que, descontados os pagamentos ao Fisco e a reavaliação de ativos, o lucro da companhia seria de R$ 6 bilhões no segundo trimestre. Do lado operacional, a Petrobras registou alta de 7% na produção de derivados, como gasolina e diesel, no Brasil. O presidente da estatal lembrou que a companhia conseguirá manter a meta de produção estabelecida para o ano de 2015, de 2,796 milhões de barris de petróleo por dia. A empresa destacou que, no segundo trimestre, conseguiu ter um fluxo de caixa positivo pela primeira vez em anos, de R$ 4,5 bilhões. Ou seja, a empresa teve geração de caixa ( de R$ 41,3 bilhões) maior que seus investimentos ( de R$ 36,2 bilhões).

— Estamos muito satisfeitos com o resultado alcançado, principalmente nosso resultado operacional — resumiu Bendine.

‘ SEM FUTUROLOGIA NOS PREÇOS’

Com a queda no preço do petróleo e a retração do consumo de combustíveis no país, em razão da crise econômica, a receita operacional líquida chegou a R$ 79,9 bilhões, queda de 2,7% em relação ao segundo trimestre do ano passado, quando havia sido de R$ 82,2 bilhões. No semestre, o recuo foi de 6%. Para o analista independente Flavio Conde, do blog What’s call, os resultados indicam que a companhia conseguiu ter rentabilidade com a venda de gasolina e diesel no Brasil, já que compra os combustíveis mais baratos no exterior e vende a preços mais altos no Brasil.

— Isso ajudou na geração de caixa. Situação contrária ao que vinha acontecendo, quando a empresa praticava preços mais baixos do que lá fora — diz Conde.

Sobre os preços dos combustíveis, Bendine disse que no momento há margem com a venda de derivados.

— Não posso falar pelo futuro. A gente faz variação mês a mês. Hoje, o preço está menor. Estamos com margem. Não há previsão de alta nesse momento. Mas não vamos fazer futurologia sobre preços.

Segundo Maurício Pedrosa, sócio da Queluz, o resultado dá margem a dúvidas sobre eventual ingerência do governo em razão do volume maior do que o esperado de provisões paga pagar o Fisco.

— Dado o histórico da relação do controlador com a empresa fica a dúvida no ar se tal provisão tem o objetivo de ajudar no superávit ou se o objetivo é seguir as boas práticas. Ninguém esperava uma provisão tão robusta.