O globo, n.29.949, 06/08/2015. Economia, p.19

 

Excesso de receitas extras

Meta fiscal prevê dobrar arrecadação atípica. Para analistas, cenário é difícil de cumprir

-BRASÍLIA- Para fechar as contas do Orçamento no terceiro bimestre, o governo estimou em R$ 51,5 bilhões o montante de receitas extraordinárias que espera arrecadar no período entre julho e dezembro. Trata-se de um aumento de 106% em relação a todo o ano passado, quando as receitas atípicas somaram R$ 24,9 bilhões — o que, para especialistas, evidencia a dependência do governo de uma arrecadação que pode não se confirmar. E que torna ainda mais frágeis as estimativas para o resultado fiscal.

A previsão de receitas extras já entrou na conta que reduziu a meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) de R$ 55,3 bilhões para R$ 5,8 bilhões este ano. Na nova meta, a equipe econômica previu uma regra de abatimento, que pode reduzir o esforço fiscal em até R$ 26,4 bilhões, caso haja frustração em três conjuntos de receitas: R$ 10 bilhões do novo programa de redução de litígios tributários (batizado de Prorelit), R$ 11,5 bilhões da repatriação de recursos enviados ao exterior sem aviso ao Fisco e outros R$ 5 bilhões da nova etapa do programa de concessões. Se o abatimento for usado integralmente, ao invés de superávit, o governo fechará o ano com déficit primário de R$17,7 bilhões.

LEILÕES NÃO RENTÁVEIS

Especialistas ouvidos pelo GLOBO consideram superestimadas as previsões de outras receitas extraordinárias — por exemplo, o valor total da arrecadação com concessões, que chega a R$ 18,2 bilhões. Uma análise do núcleo de Assuntos Econômico-Fiscais da Consultoria de Orçamento da Câmara mostra que a previsão considera o ingresso de R$ 7,1 bilhões decorrentes de novos leilões de campos petrolíferos e outros R$ 2,6 bilhões, referentes a pagamentos parcelados pela concessão anterior de aeroportos. A equipe econômica diz que as projeções para o retorno de concessões considera as já realizadas no ano e outras em andamento — como usinas hidrelétricas e a 13ª rodada do leilão de petróleo, prevista para outubro. Mas, no caso do petróleo, a previsão do mercado é de uma arrecadação entre R$ 2 bilhões e R$ 2,5 bilhões.

Analistas do Congresso destacam que os leilões mais garantidos são de rodovias — não rentáveis para os cofres públicos porque não têm outorga. No caso dos aeroportos, ferrovias e portos, o grau de incerteza dos novos leilões é muito grande. Em 2014, as concessões renderam R$ 7,9 bilhões, incluindo o leilão da banda 4G.

— No passado, recorrer a receitas atípicas teve efeito ruim, pois escondeu a piora que estava ocorrendo nas contas públicas e adiou o ajuste — destacou o coordenador do núcleo de Assuntos Econômico-Fiscais, José Fernando Cosentino Tavares.

A previsão de receitas extraordinárias com o Imposto de Renda da Pessoa Júrídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) pagos pelas empresas por ganhos com a venda de ativos, que subiu 66% ( IRPJ) e 61% (CSLL) , respectivamente, em relação ao relatório de maio, também é considerada elevada. Na avaliação do segundo bimestre, o governo estimou arrecadar R$ 8,652 bilhões em receitas extraordinárias com IRPJ e R$ 3,362 bilhões com CSLL. No relatório do terceiro trimestre, essas estimativas aumentaram para R$, 14,419 bilhões, no caso do IRPJ, e para R$ 5,411 bilhões a CSLL. O governo inclui nas previsões do relatório a abertura de capital do IRB-RE (ex-Instituto de Resseguros do Brasil), da Caixa Seguradora e da BR Distribuidora.

Para técnicos da Consultoria de Orçamento da Câmara, entre as previsões de receitas extraordinárias, a que tem maior potencial de retorno é o Prorelit. A expectativa é que, na análise da MP que criou o programa no Congresso, o empresariado pressione e consiga transformar a proposta em um novo Refis, com entrada e parcelamento de dívidas, o que deve aumentar a adesão ao programa.

ARRECADAÇÃO FORA DO ESPERADO

Quanto ao projeto que prevê a repatriação de recursos mandados para o exterior sem informação à Receita, com o qual o governo espera arrecadar R$ 11,5 bilhões, são apontados entraves como o tempo curto para uma matéria tão complexa ser aprovada no Congresso e dificuldades relacionadas ao contribuinte. Para internalizar os recursos, ele teria que pagar imposto e multa, que somariam 35%. As empresas vão avaliar o custo-benefício de aderir a um programa desse tipo em um momento de crise, e a hipótese provável de, a partir da adesão, ficarem no radar da Receita para operações futuras.

Em entrevista ao GLOBO, a secretária de Orçamento Federal, Esther Dweck, explicou que a equipe econômica está mais dependente de receitas extraordinárias, porque a arrecadação federal está se comportando muito abaixo do esperado. Ela citou um estudo da Receita Federal, que mostra descolamento entre os indicadores utilizados para elaborar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o comportamento real da arrecadação.

Segundo o estudo, nos últimos anos, o governo concedeu isenções, desonerações e adotou regimes especiais que reduziram o recolhimento de tributos. E, embora essas medidas tenham sido parcialmente revertidas, elas provocaram uma mudança estrutural nas receitas. Assim, hoje, quando o PIB cai 1%, por exemplo, a arrecadação tem retração bem maior.

— A arrecadação não está se comportando dentro do esperado — disse Dweck.

No entanto, para ela, isso não significa uma maior fragilidade das contas, pois parte das receitas extraordinárias depende do próprio governo. É o caso das operações de abertura de capital (IPOs):

— Parte das receitas extraordinárias depende do governo. No caso dos IPOs, nós temos pesquisas de mercado que apontam uma demanda elevada e temos um calendário a cumprir. Basta mantermos esse calendário que os recursos virão.

Segundo a secretária, o Prorelit e a repatriação dependem do apetite dos agentes privados, e foi por isso que a equipe econômica propôs na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) uma cláusula da abatimento do resultado fiscal em caso de frustração de receitas. Mas ela aposta que, com a recuperação do crescimento, a arrecadação também voltará e haverá uma redução da dependência de recursos não recorrentes.