Governo cede e Câmara aprova projeto que altera correção do FGTS

Raphael Di Cunto, Thiago Resende e Lucas Marchesini 

19/08/2015

A Câmara dos Deputados aprovou ontem, em votação simbólica, projeto de lei que altera a correção do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Sem maioria no plenário e com grande parte da base aliada favorável à proposta, o governo negociou ao longo do dia e cedeu a acordo para diminuir o que considera perdas que ocorrerão nos programas habitacionais e projetos de infraestrutura.

A aprovação não quer dizer que o texto será aplicado rapidamente à remuneração do fundo - o projeto precisa ser aprovado no Senado Federal, onde o presidente, Renan Calheiros (PMDB-AL), se aproximou do governo, e passar pelos vetos da presidente Dilma Rousseff. O líder do governo, José Guimarães (PT-CE), afirmou que a equipe econômica ainda não fez as projeções após o acordo. "O governo vai analisar os números. Não vou falar nem em sanção nem em veto", disse.

A proposta, patrocinada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e pelos líderes do PMDB, DEM e Solidariedade, cria conta com os depósitos feitos a partir de 1º de janeiro de 2016, que serão reajustados pelo mesmo rendimento da caderneta de poupança - cerca de 6,4% ao ano. Hoje, a correção dos recursos do FGTS é de 3% mais TR (taxa de referência), percentual insuficiente para recompor a inflação.

Para o governo, a mudança na correção reduzirá o dinheiro disponível para financiar programas habitacionais, obras de saneamento básico e infraestrutura e pode comprometer a meta de três milhões de moradias do Minha Casa, Minha Vida 3, a ser lançado em setembro. A União utiliza o patrimônio do fundo para fazer os empréstimos.

Diante dos apelos do governo, o relator do projeto, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), alterou o texto para que a mudanças sejam escalonadas. A correção dos novos depósitos no fundo será de 4% mais TR no ano seguinte à sanção, subirá para 4,75% mais TR no segundo ano; 5,5% mais TR no terceiro ano; e alcançará o rendimento da caderneta de poupança - de aproximadamente 6,4% - no quarto ano. Ou seja, a nova correção só atingiria o máximo no próximo mandato.

Maia também estabeleceu que 60% do lucro do FGTS será permanentemente destinado ao programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. "Tanto o patrimônio do fundo quanto o lucro do fundo e a taxa de administração cobrada pela Caixa Econômica Federal vão garantir por muitos anos os programas que usam o FGTS", afirmou.

O governo passou o dia em negociações com o relator, que começaram em café da manhã com o vice-presidente Michel Temer (PMDB), responsável pela articulação política, mas não teve sucesso em convencer Maia a escalonar a mudança na correção em dez anos ou distribuir apenas parcela do lucro do fundo para os trabalhadores, o que reduziria o impacto ao longo dos anos.

Estimativa da Caixa, que administra os recursos do FGTS, previa, antes das mudanças, aumento de até 37,78% no custo mensal dos empréstimos habitacionais ou redução de até 27,42% no volume total de crédito que os cotistas do fundo poderiam tomar caso o projeto fosse aprovado com a correção imediata pela poupança.

As mudanças no texto darão mais fôlego ao FGTS, mas, para o deputado Carlos Marun (PMDB-ES), ex-secretário de Habitação do Espírito Santo, será necessário buscar fontes alternativas de financiamento habitacional em sete ou oito anos. "O projeto alternativo ameniza o impacto negativo, mas transforma o FGTS, em quatro anos, em um fundo meramente financeiro", afirmou.

O projeto ainda altera as regras para saque do FGTS por causa de doença grave do trabalhador ou seus dependentes para determinar que o paciente não precisa estar em estágio terminal para solicitar o dinheiro - basta estar em situação de morte eminente.

Valor econômico, v. 16, n. 3823, 19/08/2015. Política, p. A6