Correio braziliense, n. 19096, 07/09/2015. Política, p. 2

 

Desfile na Esplanada sob a sombra dos protestos

 
JULIA CHAIB
PAULO DE TARSO LYRA
Manifestações contra e a favor de Dilma estão marcadas para hoje de manhã na comemoração cívico-militar da Independência.

O PT acostumou-se, ao longo dos últimos anos, a transformar as comemorações da Independência do Brasil em uma programação ufanista, para ressaltar os avanços conquistados sob a égide de Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente Dilma Rousseff. Mas as comemorações do 193º Dia da Independência, marcadas para hoje, terão mais elementos além do tradicional desfile cívico-militar. Uma onda de protestos contra a presidente deve ocorrer em todo o país. Para evitar um novo panelaço e consequente desgaste político, a petista não fará pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão. Assim como ocorreu no Primeiro de Maio, no Dia do Trabalho, a mensagem presidencial será divulgada apenas na internet.

Os movimentos que defendem o impeachment da petista vão levar o boneco inflável de Lula, que ficou conhecido como Pixuleco, para a Esplanada dos Ministérios. A Polícia Militar teme que os ânimos se acirrem e vai reforçar a segurança durante o protesto. O Pixuleco já foi furado durante uma manifestação em São Paulo. Existe a expectativa de que, desta vez, um boneco da presidente Dilma também seja exibido no local.

Afundada em uma crise econômica e política e com a mais baixa popularidade na história recente de um presidente da República — oscilando entre 7% e 8% —, haverá também atos em prol da petista, mas que trarão críticas à política econômica vigente, impedindo-a de escapar de reclamações de ambos os lados.

“Não acredito que as manifestações juntarão muitas pessoas nas ruas. Mas elas serão pontuais e midiáticas, espalhadas por todo o país e com capacidade de ofuscar as comemorações da independência”, acredita o professor de ciência política da Universidade de Brasília Ricardo Caldas. A presidente Dilma Rousseff sairá do Palácio da Alvorada em carro comum e embarcará no Rolls-Royce em frente ao Corpo de Bombeiros, às 8h45. No carro, ela fará a revista às tropas. Em seguida, dirige-se à tribuna para dar início ao desfile. Serão executados o Hino Nacional, Hino da Independência e a apresentação do Fogo Simbólico da Pátria. O desfile acabará por volta de 11h.

O analista político Paulo Kramer avalia que este Sete de Setembro será lembrado pelo momento de crise política e econômica vivido pelo governo. “Vai ser marcado por um momento de enfraquecimento inédito da presidente, sem boas notícias e sem o PT na oposição para mandar todos se vestirem de preto. A sorte do Lula e da Dilma é que é o partido deles é que está no governo”, disse.

Revista
Uma manifestação contra o governo de Dilma está marcada para começar logo após o fim do desfile. Segundo o integrante do Movimento Brasil, Ricardo Honorato, um dos organizadores do protesto, o ato ficará concentrado em frente ao Museu Nacional da República e não deixará o local. O objetivo, de acordo com Honorato, é evitar conflito com outros manifestantes pró-governo de Dilma que também estarão próximo ao local.

O PT publicou nesta semana, na página do partido na internet, um comunicado em que convoca a militância para ir às ruas hoje, acompanhar o Grito dos Excluídos, com bandeiras do Brasil à mão. O ato começará às 7h, em frente à Catedral e seguirá até o Congresso, e ocorre todos os anos nesta data. O grito é composto pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimento Sem Terra (MST), Frente de Luta pela Moradia (FLM) e Central de Movimentos Populares (CMP), e pede a saída do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), além de mudanças na política econômica do governo e defesa do mandato de Dilma.

“Será um momento para apoiar o governo, apoiar Dilma e Lula, defender a democracia e o povo brasileiro, e dizer não ao golpe. Estamos chamando nossa militância para ir às ruas e levar as bandeiras do Brasil e do PT”, disse Wilmar Lacerda, integrante da Direção Nacional do PT, em nota divulgada pelo partido. Para evitar problemas, a segurança do evento revistará todos a partir da Catedral. Máscaras e bandeiras serão objetos confiscados. Até o meio da semana passada, o Palácio do Planalto não monitorava os protestos.
A convocação de Lacerda, contudo, gerou uma saia justa. Além de empunhar bandeiras do Brasil e do PT, o dirigente partidário sugeriu que os manifestantes fossem às ruas vestindo verde e amarelo. Foi inevitável a comparação com o domingo negro de 1992, quando, em represália a um pedido semelhante feito pelo então presidente Fernando Collor, uma multidão saiu de casa vestida de preto. Naquele mesmo ano, Collor sofreu um processo de impeachment no Congresso.

Para Carlos Zarattini, um dos vice-líderes do PT na Câmara, o momento delicado vivido pelo governo e pelo partido não pode ofuscar os avanços realizados pelo país ao longo dos últimos 13 anos. “Conquistamos nossa independência energética, ganhamos autonomia e respeito internacional, e promovemos a inclusão social de milhões de pessoas. São conquistas no rumo da independência brasileira que não podem se desprezadas”, afirmou o petista. “Será um Sete de Setembro murcho”, contrapôs o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, Antonio Augusto de Queiroz, o Toninho do Diap.

» Memória

Vaias no ano passado

2011
» No primeiro Sete de Setembro da presidente Dilma, aproximadamente 25 mil pessoas participaram da Marcha contra a Corrupção na Esplanada dos Ministérios. A concentração ocorreu em frente ao Museu da República. Vestidos de preto e com narizes de palhaço, os manifestantes cobraram a aplicação da Lei da Ficha Limpa e atacaram escândalos de corrupção que culminaram na queda de vários ministros petistas. A marcha seguiu por toda a Esplanada, passou pela Praça dos Três Poderes e terminou em frente ao Ministério da Justiça.

2012
» Após o protesto do ano anterior, o Palácio do Planalto resolveu tomar providências para evitar vaias e constrangimentos. Tapumes e cercas de ferro isolaram estrategicamente a presidente e as autoridades que acompanharam o desfile do Dia da Independência. Duas estudantes conseguiram furar o cerco policial e, de topless, fizeram um rápido protesto. Elas integravam o grupo feminista Femen.

2013
» Impulsionado pelos protestos de junho que sacudiram o país, o Sete de Setembro ganhou força e foi marcado por protestos violentos em Brasília, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Nestas cidades, houve confronto com a polícia e detenções. Um dia antes, temendo a proporção que os protestos poderiam tomar, a presidente Dilma fez um pronunciamento na televisão e afirmou que o governo deveria ter “humildade e autocrítica”. Lembrou também que a população tinha todo o direito de se indignar e cobrar mudanças.

2014
» Ano de eleição presidencial, a presidente, que era candidata à reeleição, ouviu aplausos e vaias ao desfilar no Rolls-Royce pela Esplanada dos Ministérios. Citados no esquema de corrupção da Petrobras, o presidente da Câmara, à época, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e do Senado, Renan Calheiros, não prestigiaram o evento.

“Vai ser marcado por um momento de enfraquecimento inédito da presidente, sem boas notícias e sem o PT na oposição para mandar todos se vestirem de preto”
Paulo Kramer, analista político

Advogado proibido de ir ao desfile
O advogado Matheus Sathler Garcia, que divulgou um vídeo na internet em que ameaça promover um golpe militar e decapitar a presidente Dilma Rousseff, está impedido de se aproximar da Praça dos Três Poderes e da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, hoje, durante as comemorações do Dia da Independência. O juiz federal Marcus Vinicius Reis Bastos determinou que ele guarde a distância mínima de 1km desses locais, onde ocorrerá o desfile. Garcia foi candidato a deputado federal pelo PSDB do Distrito Federal em 2014. O magistrado também proibiu o advogado de se ausentar de Brasília. No despacho, o juiz autorizou que a Polícia Federal monitore o cumprimento dessas medidas eletronicamente.