O Estado de São Paulo, n. 44496, 15/08/2015. Política, p. A4

Para Aécio, Dilma transforma Planalto em ‘comitê de apoio’ contra protestos

PEDRO VENCESLAU

 

Na antevéspera das manifestações contra a presidente Dilma Rousseff marcadas para esta domingo, 16, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), líder de oposição, evocou nesta sexta-feira, 14, a Constituição para defender a legitimidade dos protestos e rebater os governistas que acusam os tucanos de “golpistas”. O senador criticou a postura de Dilma, que nos últimos dias participou de atos com apoiadores do governo e atacou os críticos de sua gestão. 

Segundo Aécio, Dilma “é hoje uma presidente sitiada, que só pode participar de eventos que são muito bem preparados para que não haja a presença de cidadãos comuns. Apenas da claque, que muitas vezes é paga com recursos públicos. Estamos assistindo, estarrecidos, o Palácio do Planalto se transformar em um comitê de apoio a presidente”.

Na quinta, a presidente recebeu representantes de movimentos sociais no Palácio do Planalto e falou em “trajetória de golpe” e que é preciso “respeitar a regra do jogo”.

Aécio também rebateu o presidente da CUT, Vagner Freitas. No evento da presidente no Planalto, Freitas afirmou: “Recado para os golpistas: nós somos trabalhadores, trabalhamos pela democracia. Somos defensores da unidade nacional. Isso implica ir para a rua entrincheirados de armas na mão se deitar e lutar se tentarem tirar a presidente”.

“O Brasil assistiu ontem (anteontem) com perplexidade à declaração, na sede do governo nacional, no Palácio do Planalto, na presença da senhora presidente da República, e sem que ela fizesse qualquer contestação, a palavra de um importante dirigente sindical conclamando os companheiros a se entrincheirarem e pegarem em armas. Eu quero dizer ao presidente da CUT que nós não vamos nos entrincheirar”, disse Aécio. 

“Vamos de cabeça erguida para as ruas de todo Brasil no próximo domingo levando como nossa única arma a Constituição”, afirmou o senador.

Aécio, presidente do PSDB e candidato derrotado por Dilma na eleição de 2014, esteve ontem em Maceió (AL) para a campanha nacional de filiação do PSDB. Em discurso, com um exemplar da Constituição na mão, ele disse aos militantes: “Vamos fazer com que a lei seja cumprida. Foi por isso que tantos brasileiros lutaram tanto durante tantos anos. Vamos responder a essas tentativas de intimidação com a Constituição”.

Em Maceió, Aécio defendeu reiteradas vezes a “autonomia” do Tribunal Superior Eleitoral e do Tribunal de Contas da União, onde tramitam ações que podem levar à cassação da presidente. “Ao PSDB não cabe escolher desfechos. Há uma avaliação equivocada quando dizem que essa saída é boa para A ou B. Para nós, seja qual for o desfecho, inclusive se ela (Dilma) continuar no cargo, tem que ser pela via Constitucional”, afirmou. “O que nós não aceitamos é que a defesa da Constituição possa ser chamada, como querem alguns, de tentativa golpista. Nós louvamos a Constituição e vamos fazê-la cumprir. Não vamos aceitar constrangimento às cortes brasileiras”, concluiu o senador.

Outras siglas. Presidente do Solidariedade e ex-presidente da Força Sindical, o deputado Paulo Pereira da Silva (SP) disse em nota que a postura de Freitas foi “irresponsável e antidemocrática”. “As declarações incitam o ódio e a violência. Se nas manifestações previstas para este domingo, que vão pedir a saída de Dilma do poder, ocorrerem incidentes de violência, Vagner Freitas será um dos responsáveis por incitá-las.”

O líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), entrou com pedido no Ministério da Justiça para que a Polícia Federal garanta a integridade dos manifestantes amanhã. “Essa declaração do presidente da CUT é um atentado grave contra o Estado. O que mais impressiona é a presidente da República permitir isso dentro do Palácio do Planalto. / COLABORARAM DAIENE CARDOSO e ISADORA PERON

 

 

Lula defende sindicalista em ato pró-governo

 

Em encontro com a militância do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, cometeu um erro ao pedir aos movimentos sociais para irem às ruas “com armas nas mãos” para defender o mandato da presidente Dilma Rousseff.
Lula dedicou simbolicamente o discurso a Freitas e afirmou que ele “cometeu uma frase que certamente não queria cometer”. “O Plano Nacional de Educação é a grande arma que a CUT tem de usar para mudar este País.”

A dois dias das manifestações contra o governo, Lula foi recebido sob gritos de “não vai ter golpe”. O evento foi mais um de uma série realizado pelo PT e movimentos sociais nesta semana para demonstrar apoio a Dilma.

Em entrevista, Lula defendeu a legitimidade dos protestos como “manifestação da sociedade, da democracia”, mas disse que não se pode “ser intolerante a ponto de não saber conviver com os contrários”. / ISADORA PERON, DAIENE CARDOSO e GUSTAVO PORTO

 

BASTIDORES: Pedro Venceslau

 

Ao conclamar, no Palácio do Planalto, que os movimentos sociais devem “ir para as ruas entrincheirados, com armas nas mãos, se tentarem derrubar a presidenta”, o presidente da CUT, Vagner Gomes, prestou uma colaboração preciosa ao PSDB.

Para os tucanos, o sindicalista “levantou a bola”para o senador Aécio Neves (MG) cortar. A equação é simples. Com o agravamento da crise política, petistas e aliados da presidente passaram a acusar os tucanos de “golpistas” por defenderem a tese do impeachment. Esse selo passou a ser peça de resistência dos discursos governistas.

Ao defender na semana passada que a melhor saída para a crise seriam novas eleições, os líderes do PSDB no Congresso deram munição aos adversários e abriram um debate interno que constrangeu Aécio.
Aliados do governador paulista Geraldo Alckmin na direção executiva tucana se apressaram em criticar a iniciativa. O próprio Alckmin disse a auxiliares que considerava o discurso “inócuo” e classificou como um erro o partido falar em novas eleições.

O senador José Serra (SP) seguiu na mesma linha, configurando-se o racha. Emparedado entre os aliados no Congresso e a ofensiva paulista, Aécio optou por um recuo tático no Recife, na segunda-feira, nas homenagens ao governador Eduardo Campos (PSB). “Não cabe ao PSDB escolher o melhor desfecho para o País. O papel do PSDB é garantir que as instituições funcionem na sua plenitude”, afirmou.

Com o discurso belicoso do presidente da CUT, Aécio pôde reconciliar o discurso com os correligionários e passar a bola do constrangimento aos aliados de Dilma.