Título: Ele esvaziou a ONU
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Fonte: Correio Braziliense, 23/09/2011, Mundo, p. 16

O presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, discursa na Assembleia Geral, sofre boicote de potências ocidentais e cita os atentados de 11 de setembro. Para os EUA, ele "perdeu uma oportunidade" Renata Tranches

A cena já está se tornando repetitiva. Diante de mais um discurso polêmico do presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, representantes de países ocidentais deixaram o plenário da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), como fizeram em anos anteriores. Para uma plateia quase vazia, o polêmico líder disparou acusações às potências que usualmente são alvos de seus ataques verbais. Ao mencionar a questão do conflito árabe-israelense em uma rápida passagem, Ahmadinejad contrariou as expectativas de uma abordagem mais enfática, já que tem sido um contumaz defensor da criação do Estado palestino e crítico de Israel. A discussão sobre o pedido de adesão da Palestina como o 194º país-membro da ONU galvaniza os debates da 66ª reunião anual da assembleia e divide os participantes. Hoje, o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, deve formalizar a solicitação em seu pronunciamento.

A delegação dos Estados Unidos deixou a sessão quando Ahmadinejad afirmou que "poderes arrogantes" ameaçam com sanções e ações militares qualquer um que questione o Holocausto e os ataques de 11 de setembro. Sem mencionar especificamente um país, o líder iraniano questionou intensamente o papel dos norte-americanos e de seus aliados nas guerras e na crise financeira mundial. "Quem usou o 11 de setembro para matar milhões no Afeganistão e no Iraque? Quem ameaça a todas as nações e países sem nenhuma desculpa? Quem é o responsável pela crise financeira? Quem domina o Conselho de Segurança? Há muitas questões, e a resposta é clara", alfinetou.

Ele pediu que as grandes nações paguem indenizações pela escravidão. "(Potências) enfraquecem os países por meio de intervenções militares e destroem suas infraestruturas para saquear seus recursos e torná-los mais dependentes", disparou o líder. Até mesmo Osama bin Laden entrou no discurso quando Ahmadinejad criticou os EUA por terem ordenado a morte do terrorista, em vez de levá-lo à Justiça. "A hipocrisia e o engano são permitidos para garantir seus interesses e objetivos imperialistas."

Antissemitismo Após abandonar o plenário, o porta-voz da missão dos EUA, Mark Kornblau, declarou à imprensa que Ahmadinejad "perdeu uma oportunidade". "O senhor Ahmadinejad tinha uma oportunidade para tratar das aspirações de liberdade e dignidade de seu próprio povo, mas preferiu se dedicar a fazer horrendos comentários antissemitas e a divulgar teorias da conspiração", afirmou. A Casa Branca rejeitou os ataques do iraniano e acusou seu governo de "maltratar" seus próprios cidadãos. Algumas delegações ocidentais, como a da União Europeia (UE), acompanharam a norte-americana no protesto. Outras, como a do Canadá e a de Israel, nem sequer entraram no plenário. "Foi uma postura coordenada pela UE para caso o presidente iraniano questionasse as nações europeias por seu "apoio ao sionismo" e fizesse referência ao Holocausto", explicou uma fonte francesa à agência France-Presse.

Além de dar pouca ênfase à questão da Palestina, o líder persa não abordou as revoltas populares nos países árabes ¿ fenômeno conhecido como Primavera Árabe ¿, nem falou sobre o projeto nuclear iraniano. Ele fez seu pronunciamento um dia depois de o presidente norte-americano, Barack Obama, advertir que Teerã poderia se isolar ainda mais caso desse continuidade ao programa. Falando em seguida a Ahmadinejad, o premiê do Reino Unido, David Cameron, lançou críticas ao colega iraniano. Em tom irônico, disse que o líder esqueceu-se de mencionar que governa um país onde as eleições não são confiáveis e desprovido de liberdade de expressão. Segundo Cameron, Teerã tortura e prende opositores que lutam por um futuro melhor.

Produção de urânio pode ser suspensa Em entrevista publicada ontem pelo jornal The New York Times, o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, disse que seu país está disposto a interromper a produção de urânio levemente enriquecido se o Ocidente fornecê-lo à República Islâmica. "Se nos fornecerem urânio enriquecido a 20% a partir desta semana, vamos parar de enriquecê-lo agora. Queremos apenas para nosso consumo interno", assegurou. O Irã está sob o efeito de seis condenações da ONU e de sanções internacionais contra seu programa nuclear, em particular sobre suas atividades de enriquecimento de urânio. Teerã desmente que pretenda produzir a arma nuclear, mas especialistas e o Ocidente consideram o contrário.