Correio braziliense, n. 19074, 16/08/2015. Economia, p. 7

PIB desaba e retomada da economia vai demorar

 Simone Kafruni

Especialistas projetam queda de até 2,1% na produção no segundo trimestre. Se confirmada, será a maior retração desde o fim de 2008, auge da crise mundial. Dados oficiais serão divulgado no fim de agosto pelo IBGE SIMONE KAFRUNI

O desempenho da economia brasileira no segundo trimestre de 2015 é um desastre anunciado. Os números oficiais serão conhecidos em 28 de agosto, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgará o Produto Interno Bruto (PIB) do período. No entanto, o mercado estima retração de até 2,1%, o que vai configurar o maior tombo trimestral desde a crise mundial. No último trimestre de 2008, a economia encolheu 4,1% e, nos três primeiros meses de 2009, caiu 2,2%. O que diferencia a atual tormenta é que, desta vez, a recuperação do país vai ser muito mais lenta. Tanto que os especialistas sequer arriscam precisar quando o Brasil voltará a crescer.

Apesar da queda de 0,2% do PIB em 2009, em 2010 a economia brasileira disparou e cresceu 7,6%. Naquela época, o governo agiu rapidamente e combateu a crise injetando liquidez no mercado interno, com maior acesso ao crédito. O resultado foi o estouro do consumo das famílias e o crescimento anabolizado da atividade econômica. Nada disso, entretanto, funcionaria agora. Mesmo que a economia mundial tenha desacelerado, o principal motivo da crise atual não é o cenário externo, mas o desarranjo doméstico da política econômica, garantem os especialistas.

Círculo vicioso
Se a projeção do mercado se confirmar, e o índice de queda de 2,1% no segundo trimestre fosse anualizado, a retração da economia brasileira atingiria 8% em um ano. “A política fiscal foi equivocada, a falta de confiança está no nível mais baixo da história, os investimentos caíram, a inflação disparou. Para complicar, temos o problema da corrupção, da Lava-Jato, e a crise política”, enumera o economista-chefe da Opus Investimentos, José Márcio Camargo. “Em algum momento, vamos sair da recessão, porque o país não vai acabar. Mas, quando isso vai ocorrer, é muito difícil dizer”, emendou.

O consumo das famílias, que segurou o PIB por muito tempo, não resistiu à combinação de juros altos, deterioração do mercado de trabalho, com mais desemprego e renda menor, e inflação galopante. O próprio presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, deixou claro que a carestia vai atingir o pico neste trimestre e permanecer em níveis elevados até o fim do ano. “A trajetória de queda só começa em 2016”, diz Tombini. Na estimativa do BC, a inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), deve ficar em 9% este ano.

“Com inflação e juros altos, as famílias simplesmente não estão entrando nas lojas para comprar. Se, no primeiro trimestre, quando as vendas do caíram 0,8%, o comércio recuou 6%, no segundo, o tombo do varejo deve ser bem maior, porque as vendas já caíram 3,5%”, diz o economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC) Fábio Bentes. Sem consumo, a saída seria o país crescer pelo investimento. “Porém, a confiança está no seu piso histórico”, acrescenta.

Os empresários não se arriscam a investir em momentos de crise de confiança. “É um círculo vicioso. O consumo depende da renda, que depende de trabalho, que, por sua vez, precisa de investimento”, explica o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. “Mas há uma crise de confiança na economia, agravada pela incerteza política, que também é grande.”

O Monitor do PIB, apurado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), aponta queda de 1,4% no consumo das famílias e um recuo de 10,7% na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) — o total de investimento feito no país — no segundo trimestre, em comparação com o anterior. O corte nos gastos do governo contribui para afundar o país ainda mais na recessão. Para a FGV, as despesas governamentais acumulam queda de 0,4% em 12 meses. E devem cair mais para garantir o ajuste fiscal.

O pesquisador do Ibre/FGV Cláudio Considera explica que o Monitor do PIB usa a mesma metodologia do IBGE e, por isso, é uma prévia do índice oficial. O indicador é revisado três vezes por mês. “Na primeira prévia, a queda no segundo trimestre foi calculada em 1,8%. Na segunda, revisamos para um recuo de 2%. Acredito que, na próxima revisão, a retração será ainda maior”, afirma.

"A política fiscal foi equivocada, a falta de confiança está no nível mais baixo da história, os investimentos caíram, a inflação disparou”
José Márcio Camargo, economista-chefe da Opus Investimentos

"No ano que vem, o quadro vai ser menos ruim, mas não será bom”
Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings 

Recessão continua em 2016
Além de colocar o país numa recessão técnica — quando dois trimestres consecutivos apresentam retração — o resultado negativo do período abril-junho vai puxar o desempenho anual do Brasil para baixo. As previsões dos economistas mostram uma queda de até 2,6% em 2015. “O segundo trimestre será o pior dos últimos tempos, e, certamente, terá a maior queda do ano. Depois os recuos serão menores”, estima o economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa, para quem a economia vai encolher 1,5% de abril a junho e 2% no ano.

Se a piora de alguns indicadores, como o desemprego, foi muito abrupta este ano, a melhora da economia deve se arrastar. “O cenário de 2015 é muito parecido com o de 2003 do ponto de vista do comércio. Não à toa, o primeiro semestre deste ano, com queda de 2,2% nas vendas, é o pior desde aquele ano. As variáveis são as mesmas: inflação e juros altos, desvalorização cambial e crise de confiança”, compara Fábio Bentes, da CNC. A diferença é que, naquele período, a economia se recuperou no segundo semestre do ano e o PIB do ano seguinte, 2004, cresceu 5,7%.

Este ano, ninguém espera recuperação no segundo semestre e o PIB de 2016 também deve ser negativo, o que fará o país bater outro recorde. Desde 1930 e 1931, o Brasil não registra dois anos seguidos de queda na atividade econômica. “Contrações anuais sucessivas do PIB são raras, se limitando ao período da Grande Depressão, no início dos anos 1930. Períodos de estagnação têm ocorrido com mais frequência, notadamente 1981-1983, quando eclodiu a crise da dívida externa, e 1988-1992, no auge da hiperinflação”, relembra Mário Mesquita, economista e sócio do Banco Brasil Plural, em artigo publicado no Valor Econômico.

Realismo
Não há nada que indique melhora, sentencia o pesquisador do Ibre/FGV Cláudio Considera. “A economia mundial cresce menos e há uma série de elementos internos que mostram que não deve haver recuperação tão cedo”, justifica. Contabilizando a estagnação de 2014, quando o PIB teve leve alta de 0,1%, serão três anos de economia parada ou em retração.

Considera diz, ainda, que até mesmo setores que demoraram a sucumbir à crise apresentarão números ruins. “O agronegócio, que manteve desempenho positivo até agora, aponta queda de 2% no segundo trimestre. Os serviços também cairão com mais intensidade e a retração deve ficar acima de 2% no período.”

“Não é ser pessimista. É ser realista”, acrescenta Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings, para quem setores importantes da economia devem continuar com números negativos em 2016. Na previsão dele, a indústria terá queda de 5% em 2015 e de 2,5% em 2016. “Vai ser difícil segurar a retração dos serviços também. No ano que vem, o quadro vai ser menos ruim, mas não será bom”, estima.

Agostini calcula que fatores como a Lava-Jato, a situação da Grécia, a liquidez da Europa e a alta de juros dos Estados Unidos estarão mais resolvidos em 2016. “O ano que vem não terá a intensidade desses fatores negativos, mas, como a economia se deteriorou muito, vai custar para se recuperar. A confiança só deve subir lá por meados de 2016. A decolagem, se houver, é só para 2017”, arrisca. O especialista explica que, nos períodos anteriores de crise econômica, o Brasil ainda tinha um protecionismo muito grande. “Hoje, as fronteiras estão mais abertas. As pessoas são mais informadas. A difusão da crise é maior. Por isso, o tempo de reação é mais lento”, sublinha.