O Estado de São Paulo, n. 44498, 17/08/2015. Política, p. A4

Com adesão da oposição, atos focam impeachment

ANÁLISE: Dora Kramer

 

Pela terceira vez neste ano, milhares de brasileiros tomaram as ruas do País para protestar contra a gestão Dilma Rousseff, o PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Líderes dos partidos de oposição tomaram parte nas manifestações de maneira ostensiva e engrossaram os pedidos de impeachment da presidente.

As manifestações em todo o País também se transformaram em atos de apoio à Operação Lava Jato, que investiga o esquema de corrupção na Petrobrás.

Na avaliação do Palácio do Planalto, os protestos de ontem trazem preocupação ao governo porque encamparam a pauta do impeachment e escolheram Dilma e Lula como os principais alvos das críticas, sátiras e ofensas.

Conforme números da PM, a quantidade de pessoas nas ruas superou a manifestação do dia 12 de abril, mas ficou abaixo da registrada em 15 de março. Ontem, ao menos 790 mil engrossaram os protestos em diversas cidades, contra 660 mil de abril e 1,9 milhão de março.

Todos os Estados do Brasil registraram algum tipo de protesto. Em Belo Horizonte, o senador Aécio Neves, presidente nacional do PSDB e candidato derrotado por Dilma em outubro do ano passado, subiu em um carro de som dos manifestantes e discursou contra o governo.

Em São Paulo, onde o senador tucano José Serra também participou dos atos, cerca de 350 mil manifestantes ocuparam a Avenida Paulista, segundo a PM – número também superior ao registrado em abril no mesmo local.

PMs estimam 790 mil nas ruas do País

Os protestos de ontem mobilizaram cerca de 790 mil pessoas, segundo estimativas feitas pela Polícia Militar em 168 cidades de todos os Estados do País. Nas manifestações de abril, a contagem oficial das PMs foi de 660 mil presentes.

Quase 45% dos manifestantes, porém, se concentraram na cidade de São Paulo, onde a PM estimou público de 350 mil pessoas às 16 horas. Trata-se de um número 160% superior ao divulgado pelo instituto Datafolha, de 135 mil participantes.

Não é a primeira vez que PM e Datafolha divulgam dados divergentes. No protesto de março, o instituto contabilizou 210 mil presentes, e a polícia,1 milhão (376% a mais). Em abril, foram 100 mil e 275 mil, respectivamente – o dado da PM foi 175% maior que o do instituto.

Para calcular os presentes, o Datafolha mede o número de participantes por metro quadrado em determinados trechos da Paulista e multiplica a média resultante pela área total ocupada na avenida. Além disso, pesquisadores entrevistam manifestantes para estimar a taxa de renovação – ou seja, quantas pessoas chegam e vão embora no decorrer do protesto. A PM de São Paulo não divulga detalhes de sua metodologia.

Em março, nota da PM informou que foi contado 1 milhão de pessoas na Paulista e arredores com densidade média de 5 pessoas por metro quadrado –ou seja, a área ocupada pelo protesto deveria ter chegado a200 mil metros quadrados. Mas a área da Paulista de ponta a ponta, incluindo as calçadas, não chega a 120 mil metros quadrados.

Houve contagem de público pela PM em 94 cidades. As maiores localidades onde a PM não divulgou sua contagem foram Rio de Janeiro e Recife.

 A voz do dono

As manifestações não foram monumentais nem acanhadas demais. Nada houve de anormal: a sociedade protestou, disse o que quis, cabe ao governo agora dizer o que ela quer ouvir. Ou melhor, fazer o que dele se espera.

E o que pede o País? No mínimo, um governo eficiente que não deixe explodir a inflação que a todos infelicita, e se conduza a partir de razoáveis padrões de moralidade a fim de distanciar o aparelho de Estado de assaltos às mãos armadas das ganâncias do poder.

Acordos, como os feitos na semana passada, rendem boas fotos, mas não necessariamente produzem resultados nem apresentam garantias de durabilidade. Aos congressistas, banqueiros e governantes de “boa vontade” falta combinar com a insatisfação das pessoas, fartas das mentiras e revoltadas diante da devastação moral, legal e social em que os governos do PT mergulharam o Brasil.

Numericamente, as manifestações de ontem foram menores que as primeiras, de março, e um pouco maiores que a penúltima, de abril. A dimensão pode servir ao Planalto como argumento. Frágil, no entanto.

A quantidade de gente que saiu ou ficou em casa não determina o grau de descontentamento das pessoas.
Se não resolver mais uma vez negar a realidade, alegando que os protestos não representam a opinião da maioria, suas excelências governistas haverão de registrar uma diferença essencial: antes dispersas, as manifestações de ontem apresentaram palavras de ordem bem definidas.

Concentraram-se no pedido de interrupção do mandato da presidente Dilma Rousseff e introduziram dois personagens na história. O ex-presidente Luiz Inácio da Silva, de maneira negativa, e o juiz Sérgio Moro, de forma positiva.

É a voz do dono (do voto) dizendo que rejeita a governante que praticamente acabou de reeleger e também que cansou da falação enganosa de Lula e que apoia a firmeza do desenrolar da Operação Lava Jato. Escolhe homenagear, outra vez, o magistrado, como antes havia posto na mesma posição o então ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa.

Em matéria de herói, fica melhor o Brasil com uma figura que simboliza a Justiça do que com o mau-caratismo malandro de Macunaíma.