O globo, n.30.005, 01/10/2015. País, p. 8

E-mails abrem debate sobre limite de Lobby

 

Especialistas dizem que é preciso investigar se não houve tráfico de influência nas relações entre Lula e Odebrecht

Há países que regulamentam a atividade de lobby, como os Estados Unidos

Especialistas afirmam que fazer “lobby” por empresas é dever de presidentes, mas que relações entre Odebrecht e Lula precisam ser investigadas. - SÃO PAULO E RIO- A defesa dos interesses das empresas brasileiras no exterior é um dever do presidente da República, mas deve ser realizada com cuidado e dentro de determinados limites, de acordo com juristas, diplomatas e analistas ouvidos pelo GLOBO. A atuação do chefe de Estado em favor de uma única empresa ou a suspeita de que esse mandatário possa ter auferido benefícios pessoais são questões que preocupam, dizem os especialistas.

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA/ 11- 2- 2009Pressão. Lula e o presidente da Namíbia, Hifikepunye Pohamba: em e- mail, ex- ministro diz que petista fez lobby por Odebrecht no encontro

Conforme publicou ontem O GLOBO, e- mails anexados a um dos processos da Operação Lava- Jato mostram uma relação de influência e intimidade da empreiteira Odebrecht junto ao Palácio do Planalto, durante os governos Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva. Nas mensagens, o presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, que atualmente está preso em Curitiba por suspeita de corrupção, tenta influenciar diretamente o que será dito pelos presidentes brasileiros a chefes de Estados de outros países em eventos oficiais.

Marcelo chega a sugerir temas que os presidentes deveriam abordar nesses encontros, em e- mails enviados a auxiliares de confiança de Lula e Dilma. Numa das trocas de e- mails, em 2009, o ex- ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Miguel Jorge chegou a admitir que Lula fez lobby pela Odebrecht num encontro com o presidente da Namíbia em que se discutiu a construção de uma hidrelétrica.

Os analistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que só investigações podem apontar se houve ilícito criminal na atuação de Lula. Para o jurista Walter Maierovitch, o petista avançou sobre um “limite ético comportamental”, ao atuar como “garotopropaganda” de uma empresa. Ele cita a relação da presidente da Alemanha, Angela Merkel, com a Volkswagen, empresa que é investigada por crime ambiental.

— Imagine se Angela Merkel tivesse se comportado como garota- propaganda da Volkswagen, em que situação ela colocaria o país, tendo em vista as descobertas recentes sobre a empresa? Veja o que Lula se dispôs a fazer pela Odebrecht, que tem um currículo criminal. Ele se prejudica e prejudica o país — afirma Maierovitch.

O Instituto Lula classificou de “lícita, ética e patriótica” a atuação do ex- presidente ao defender o interesse de empresas brasileiras no exterior. Depois que Lula deixou a Presidência, a Odebrecht contratou o ex- presidente para realizar palestras em países onde tinha negócios. Inquérito aberto pela Procuradoria da República no Distrito Federal apura se o ex- presidente praticou tráfico de influência internacional.

No exterior, há países que regulamentam a atividade de lobby, como os Estados Unidos, e outros que não o fazem, como a Argentina. Segundo Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute, do Wilson Center, as empresas dos EUA atuam de acordo com o lobby regulamentado, e o presidente da República, no exterior, não atua para favorecer empresas específicas.

— O lobby nos Estados Unidos é legal, com base na mesma emenda que garante a liberdade de religião e expressão. A Casa Branca favorece contratos de empresas no exterior, mas não privilegia uma em detrimento da outra. O presidente atua de acordo com os interesses da economia do país — disse Sotero.

Há, entretanto, uma exceção ligada à estratégia de defesa do país. No setor aeroespacial, o governo americano atua de acordo com os interesses de algumas empresas específicas.

— O vice- presidente Joe Biden, por exemplo, foi ao Brasil defender os interesses da Boeing para a venda de caças aos brasileiros. Havia questões ligadas a troca de tecnologia e parceria no âmbito da Defesa. Não houve nenhuma reação negativa a isso pelos americanos, e o governo agiu de acordo com as balizas legais — completou Sotero.

Na Argentina, o presidente tem liberdade para defender os interesses das empresas de seu país em todos os âmbitos. Ele está proibido, no entanto, de ter algum benefício econômico pessoal. Segundo Alvaro Herrero, doutor em Ciência Política pela Universidade de Oxford e presidente do Laboratório de Políticas Públicas de Buenos Aires, se ficasse comprovado o benefício em seu favor, o presidente seria indiciado por crime.

— Se a presidente Cristina Kirchner defende a Repsol no Brasil, e Dilma firma um contrato com a empresa por conta disso, Cristina não cometeu nenhum delito, segundo as leis argentinas — explica Herrero. — Mas, se ela ( Kirchner) tiver recebido dinheiro ou outro benefício pessoal para fazer algo em favor da empresa, pode ser considerado suborno, delito incompatível com a função pública para a qual foi eleita.

Herrero lembrou que, recentemente, o vice- presidente argentino Amado Boudou foi acusado de suborno por usar seus contatos para comprar a empresa Ciccone, responsável por imprimir as cédulas de peso argentino, passaportes e diplomas.