Ana Pellegrini
O globo, n. 29991, 17//09/2015. Opinião, p. 21
As Olimpíadas se aproximam, e o mundo está olhando para o Rio de Janeiro. A cidade tem a chance de se tornar um exemplo maior, não só por sua beleza, mas também pela adoção de soluções criativas que trazem impacto positivo para a sociedade. É emblemático que, justo neste ano, esteja em debate o poder da inovação na mobilidade urbana da cidade, iniciado pela chegada da Uber e alimentado pela reação truculenta daqueles que se julgam (e para todos os efeitos são) os donos do transporte individual no Rio de Janeiro.
É necessário entender que a aprovação pelos vereadores do projeto de lei (PL) que, em essência, barra a possibilidade de integrar novas soluções para a mobilidade urbana da cidade, colocou nas mãos do prefeito uma proposta inconstitucional.
Fundamentalmente, o PL é inconstitucional por invasão de competência. É a União que legisla sobre transportes. Aos municípios, compete legislar sobre assuntos de interesse local, e suplementar a legislação federal e estadual no que couber. Ao limitar o exercício de transporte individual remunerado de passageiros aos profissionais taxistas e proibir o transporte individual privado que é estabelecido na Política Nacional de Mobilidade Urbana, o PL contradiz as constituições federal e estadual.
Ao estabelecer exclusividade sobre o transporte individual remunerado de passageiros no Município do Rio de Janeiro para taxistas e classificar todo e qualquer transporte remunerado individual como de interesse público, o projeto viola o princípio da liberdade de iniciativa, que é fundamento do Estado Democrático de Direito e da Ordem Econômica. De acordo com tal princípio, todos têm o direito de empreender. Viola ainda a liberdade de concorrência.
Isso acontece ao mesmo tempo em que um dos departamentos do Cade publica um estudo concluindo que não há elementos econômicos que justifiquem a proibição de novos prestadores de serviços de transporte individual. Mais, vê que a atuação de novos agentes tende a ser positiva.
Além disso, ao definir penalidades para empresas desenvolvedoras de soluções tecnológicas que facilitam o contato entre motoristas particulares e usuários, o PL contraria o Marco Civil da Internet. Isso porque limita um modelo de negócios promovido pela internet.
A lista de inconstitucionalidades não para por aí. O projeto aprovado às pressas pela Câmara restringe ainda o exercício do trabalho ao proibir que motoristas particulares exerçam atividade de transporte individual remunerado de pessoas. Tal possibilidade, entretanto, está autorizada em lei federal.
O prefeito tem agora a chance de mostrar qual é o Rio de Janeiro que ele quer para o futuro. A discussão vai muito além de Uber e táxi. Por que, afinal, se sancionaria uma lei inconstitucional que priva os cariocas de novas soluções de transportes? Qual é o interesse por trás desta decisão? É necessário pensar em uma decisao que seja, a longo prazo, sustentável e benéfica para a cidade.