Dirceu vira réu por corrupção, lavagem e organização criminosa

 

CLEIDE CARVALHO, RENATO ONOFRE E TIAGO DANTAS

O globo, n. 29990, 16//09/2015. País, p. 8

 

A Justiça no Paraná aceitou denúncia contra o ex- ministro José Dirceu, o ex- tesoureiro do PT João Vaccari Neto e mais 13 acusados por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Em delação, o dono da UTC, Ricardo Pessoa, disse que pagava parte da propina do PT diretamente a Dirceu. - SÃO PAULO- Três anos após ser condenado no processo do mensalão, o ex- ministro José Dirceu virou novamente réu numa ação penal. Ontem, o juiz federal Sérgio Moro aceitou a denúncia feita pelo Ministério Público Federal ( MPF) por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa no escândalo da Operação Lava- Jato. Dirceu é acusado de receber R$ 11,8 milhões em propina de empresas que tiveram contratos com a Petrobras. Além do ex- ministro, viraram réus o ex- tesoureiro do PT João Vaccari Neto e outras 13 pessoas acusadas de participar do esquema.

GERALDO BUBNIAK/ 01- 09- 2015Dirceu. Propina recebida de várias formas, diz MPF

Moro também aceitou denúncia contra Fernando Moura, apontado como responsável pela indicação e manutenção de Renato Duque como diretor de Serviços da Petrobras, juntamente com Dirceu. Segundo o despacho de Moro, “das propinas, metade ficava para os agentes da Petrobras e a outra metade ficava para o PT, sendo ainda parcela desta destinada a agentes políticos", entre eles José Dirceu e Moura.

CONTRATOS FICTÍCIOS E REFORMA DE IMÓVEIS

Os pagamentos de propina ao ex- ministro, segundo a denúncia, eram intermediados pelo operador Milton Pascowitch, que assinou acordo de delação premiada. Dirceu recebeu a propina de várias formas, segundo o MPF: por meio de contratos fictícios firmados com sua empresa, a JD Assessoria, do pagamento de reformas e compra de imóveis para ele e pelo aluguel de aeronaves usadas pelo petistas.

Em setembro, o MPF havia denunciado 17 pessoas, mas o juiz Sérgio Moro entendeu que falta “justa causa” para iniciar processos criminais contra duas delas. A filha de José Dirceu, Camila Ramos de Oliveira e Silva, que recebeu um imóvel pago por Pascowitch, foi excluída da acusação. Também ficou fora a arquiteta Daniela Facchini, contratada pelo delator para reformar um imóvel de Dirceu em Vinhedo ( SP).

A denúncia aceita ontem leva em conta apenas propina paga pela empresa Engevix. Mas já há indícios, na investigação da Lava- Jato, de que Dirceu também recebeu dinheiro da construtora UTC por meio de contratos de consultoria assinados entre a empreiteira e a JD Assessoria. Em delação premiada, o dono da UTC, Ricardo Pessoa, diz que foi autorizado por Vaccari a abater os valores pagos a Dirceu do total de propina que seria destinada pelo empresário ao PT.

Em um dos depoimentos, a qual O GLOBO teve acesso, Pessoa disse que Luís Eduardo de Oliveira e Silva, irmão do ex- ministro, o pressionou para renovar o contrato com a JD Consultoria, mesmo com Dirceu preso após ser condenado pelo mensalão. O empresário diz ter reclamado com Vaccari, que propôs um “desconto” de R$ 1,69 milhão na propina relacionada aos contratos do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro ( Comperj). Esse valor foi abatido dos R$ 15,5 milhões pagos por meio de doações oficiais e por caixa dois, segundo Pessoa.

O empresário afirmou que assinou contratos com Dirceu porque tinha expectativa de ganhar obras na América Latina. No depoimento, ele disse ainda que sabia que o ex- diretor da Petrobras Renato Duque estava no cargo por indicação política do ex- ministro. O contrato entre a JD Consultoria e a UTC previa, segundo Pessoa, a prospecção de negócios no Peru, na Colômbia, no Equador, em Cuba e na Espanha. Em um encontro na sede da empresa de Dirceu, em São Paulo, o petista prometeu “acesso direto ao ministro da área de Obras do Peru e até um jantar com o presidente do país, Ollanta Humala”.

Em outro depoimento, o dono da UTC relatou à Procuradoria- Geral da República que uma doação oficial de R$ 263 mil para a campanha da ex- deputada Aline Corrêa ( PP- SP), nas eleições de 2010, foi descontada do total de propinas que ele devia ao PP, pela corrupção na Petrobras. Além da doação oficial, Pessoa afirma ter entregado R$ 150 mil em espécie à campanha da ex- deputada, que não foram declarados.

Segundo o delator, o pedido de doação foi feito pelo doleiro Alberto Youssef, operador do esquema na Diretoria de Abastecimento da Petrobras envolvendo o PP. Segundo Pessoa, “o total pago para Aline Corrêa foi abatido do valor que o declarante deveria repassar" ao PP. Os advogados de Dirceu e de Aline Corrêa não se pronunciaram.

 

Ex- sócio de doleiro prova que pagou propina no exterior

 

Leonardo Meirelles, ex- sócio do doleiro Alberto Youssef, entregou ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal 145 extratos bancários e comprovantes de depósitos de propinas pagas no exterior para beneficiários de fraudes na Petrobras e em outras áreas públicas. Investigadores suspeitam que, de 2011 até março de 2014, Meirelles ajudou Youssef a pagar mais de US$ 140 milhões em propina a políticos e outros agentes públicos no exterior.

Entre os supostos beneficiários da propina pode estar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ). Em um dos depoimentos da delação premiada este ano, Youssef disse que recorreu a Meirelles para pagar US$ 2 milhões ao lobista Fernando Baiano. O dinheiro teria como destinatário final, segundo o doleiro, o presidente da Câmara. Cunha, que nega, é acusado de receber US$ 5 milhões para facilitar a compra de dois navios- sonda da Samsung Heavy Industries pela Petrobras.

Meirelles entregou comprovantes de pagamentos na China, nos Estados Unidos, na França, em Liechtenstein e Israel, entre outros países. Ele entregou os documentos numa ação conjunta com o irmão Leandro Meirelles. Os dois estão negociando acordo de delação premiada com a Operação Lava- Jato. O advogado Reginaldo de Castro, um dos responsáveis pela defesa de Cunha, diz que as acusações de Youssef não têm credibilidade. Ele diz que não há vínculos entre o deputado e a movimentação de dinheiro de Meirelles.