O Estado de São Paulo, n. 44511, 30/08/2015. Política, p. A4

Ao arquivar nova ação contra Dilma, Janot aponta "inconveniência" do TSE

Talita Fernandes

Beatriz Buüa

 

Em resposta ao pedido preliminar feito pelo ministro Gilmar Mendes, vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para investigar as contas de campanha da presidente Dilma Rousseff, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apontou a "inconveniência" de a Justiça e o Ministério Público Eleitoral se tornarem"protagonistas exagerados do espetáculo da democracia" e o receio de uma "judicialização extremada". Para ele, os atores principais do processo democrático devem ser "candidatos e eleitores".

As declarações constam em despacho do procurador-geral obtido pelo Estado no qual Rodrigo Janot decide arquivar uma notícia de fato (fase inicial da investigação) que pede a apuração de eventuais ilicitudes na contratação da empresa VTBP para a prestação de serviços da campanha petista.

"Não interessa à sociedade que as controvérsias sobre a eleição se perpetuem: os eleitos devem poder usufruir das prerrogativas de seus cargos e do ônus que lhes sobrevêm, os derrotados devem conhecer sua situação e se preparar para o próximo pleito", escreveu Janot, falando sobre o papel da Justiça eleitoral na"pacificação social".

No despacho, o procurador-geral da República entendeu que não era o caso de estender a investigação nem no âmbito eleitoral tampouco na esfera criminal. A decisão de arquivamento proferida por Janot é de 13 de agosto, dia em que Gilmar Mendes concedeu o primeiro de três despachos realizados nas últimas três semanas referentes à prestação de contas de Dilma, caso do qual é relator.

A manifestação de Janot pelo arquivamento, acompanhada da mensagem a Gilmar Mendes, acontece num momento em que o governo federal trabalha para evitar que se estabeleça definitivamente no TSE uma nova via para que a oposição possa impedir a presidente Dilma de concluir seu mandato.

Após a aprovação com ressalvas das contas de campanha da presidente, em dezembro do ano passado, o vice-presidente do TSE, Mendes, fez uma série de encaminhamentos a órgãos competentes por investigação dos trechos da prestação de contas considerados "com indícios de irregularidades".

Entre os órgãos que receberam documentos estavam, além do Ministério Público, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a Polícia Federal e o Tribunal de Contas da União (TCU). Em julgamentos na corte eleitoral e em seus despachos, Gilmar Mendes tem levantado a suspeita de que a campanha de Dilma teria recebido recursos desviados da Petrobrás, principal alvo da Operação Lava Jato.

Acordão. Ao ser sabatinado na Comissão de Constituição eJustiça (CCJ) do Senado na quarta-feira, Janot teve de responder à oposição sobre um suposto acordo do qual ele faria parte para preservar a presidente Dilma Rousseff de investigações. Um dos questionamentos foi feito diretamente pelo presidente nacional do PSDB, Aécio Neves (MG). Janot negou qualquer tipo de "acordão".

No documento em que pede o arquivamento, o procurador-geral da República utiliza dois julgamentos realizados no TSE, ambos de relatoria de Gilmar Mendes, para dizer que a corte eleitoral tem um entendimento consolidado de que, após a diplomação do candidato eleito, não cabe questionamento das contas de campanha.

"Admitir a juntada de documentos em processo de prestação de conta, após o seu julgamento, seria permitir a "eterna" instrução do feito, o que não é cabível", diz um trecho do documento, citando o julgamento de uma ação, em 2014, que teve o ministro Gilmar Mendes como relator. Ao entender que não há irregularidade a ser investigada sobre a prestação de serviços da gráfica à campanha, Janot aponta o receio de que haja uma" judicialização extremada" da Justiça Eleitoral e usa trechos de julgamentos relatados por Gilmar Mendes para sustentar a visão de que a Justiça Eleitoral precisa ser "minimalista".

A decisão foi assinada por Janot, embora assuntos eleitorais sejam despachados normalmente pelovice-procurador-geral eleitoral, Eugênio Aragão.

Durante a sabatina de Janot na CCJ do Senado na quarta-feira, o procurador-geral foi bastante questionado por senadores de oposição sobre a atuação de Aragão, com insinuações de que o responsável pela condução dos trâmites eleitorais seria um nome "governista".

Ao fazer perguntas para Janot, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) criticou Aragão, a quem acusou de ter uma atuação "próxima aos interesses do PT". Ele disse que o procurador atua com "dois pesos e duas medidas"

Em resposta,Janot defendeu o colega e afirmou que a atuação de Aragão tem índice de acerto de mais de 90%, que considera o total de sugestões do Ministério Público Eleitoral que foram acatadas pelo TSE.

O nome de Janot acabou sendo aprovado na sabatina e, na sequência,pelo plenário da Casa, o que garantiu sua recondução ao comando do Ministério Público por mais dois anos. A operação contou com apoio do PMDB do Senado.

Procurada ontem, a assessoria de Gilmar Mendes declarou que o ministro não iria se pronunciar sobre o assunto.

FRENTE NO TRIBUNAL

• As ações

A campanha eleitoral da chapa Dilma Rousseff/Michel Temer, reeleita no ano passado, é alvo de quatro ações no Tribunal Superior Eleitoral - todas apresentadas pelo PSDB e pela coligação Muda Brasil, encabeçada pelo candidato do partido derrotado na disputa presidencial de 2014, senador Aécio Neves (MG).

• Abuso de poder

As quatro ações que correm no TSE contra a chapa Dilma/Temer incluem uma ação de impugnação do mandato de ambos, duas ações de investigação eleitoral por irregularidades que teriam sido cometidas durante a campanha de 2014 e uma representação. Todas elas apontam casos que configurariam abuso de poder político e econômico.

• Julgamento retomado

A ação de impugnação de mandato da presidente e do vice foi arquivada pela relatora do caso no tribunal, Maria Thereza de Assis Moura. No entanto, a ação foi retomada neste mês. Em julgamento na semana passada, o TSE formou maioria para dar continuidade à ação do PSDB. Neste processo, o partido aponta, entre as irregularidades, doações recebidas de empreiteiras alvo da Lava Jato e uso da máquina administrativa a serviço dos candidatos.

• Outros processos

As outras três ações em curso no TSE citam, além de doações que teriam origem no esquema de corrupção na Petrobrás, gastos de campanha acima do informado inicialmente, ocultação de dados socioeconômicos negativos pela Ipea, uso irregular dos Correios em favor de Dilma e falta de comprovantes idôneos de despesas de campanha.

Apuração
"Não interessa à sociedade que as controvérsias sobre a eleição se perpetuem: os eleitos devem poder usufruir das prerrogativas de seus cargos (...), os derrotados devem se preparar para o próximo pleito"
Rodrigo Janot - PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

"Não bastasse o suposto recebimento (...) de dinheiro de propina em forma de doação, há despesas contabilizadas na prestação de contas de duvidosa consistência" 
Gilmar Mendes - VICE-PRESIDENTE DO TSE