Mantenham os juros baixos

Martin Wolf

09/09/2015

Quão próximo está o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) de normalizar a política monetária do país? Essa foi a questão tratada por Stanley Fischer, vice-presidente do Fed, no simpósio de Jackson Hole. Então, será que o Fed vai elevar os juros neste mês? Quanto a isso, posso apenas palpitar - e meu palpite é que não o fará. Outra questão é se o Fed deveria elevá-los neste mês. Minha resposta a isso também é não.

Uma elevação, por si só, pode parecer de pouca importância. A taxa de intervenção do Fed é de 0,25% desde dezembro de 2008. Seria de se duvidar que um aumento para 0,5% fosse significativo. Afinal, a taxa básica do Banco da Inglaterra ficou em 0,5% ao longo da crise. Esse argumento é correto, mas demasiado limitado.

Qualquer aumento seria, de fato, significativo: primeiro, indicaria a crença do Fed de que a política monetária pode ser "normalizada" depois de quase sete anos de cicatrização pós-crise; segundo, indicaria o início de um ciclo de aperto.

Se o Fed elevar juros cedo demais, pode diminuir seu espaço de manobras no futuro; se o fizer tarde demais, a inflação pode aumentar. O balanço é claro: é preciso ter mais confiança de que o ciclo de aperto se mostrará sustentável do que se tem agora

Um dos motivos para acreditar que marcaria esse início é o comportamento passado do Fed: o ciclo anterior de elevações começou com os juros em 1%, em junho de 2004, e terminou com a taxa em 5,25%, dois anos depois.

Sem dúvida, iniciar um ciclo de apertos pela primeira vez em mais de 11 anos seria um evento significativo. Também sinalizaria mais do que apenas um aumento imediato dos juros.

O ponto final e a velocidade da viagem também são enigmas, porque a economia dos EUA não vem se comportando de forma normal. Depois de quase sete anos de taxas de juros zero, não se vê a inflação para a qual os críticos alertavam. Isso não é normal.

Pelo mesmo motivo, o momento correto desse primeiro aperto continua incerto. Sim, o desemprego dos EUA caiu para 5,1%. E, sim, o setor privado adicionou 13,1 milhões de empregos em 66 meses.

O núcleo da inflação anual, contudo, continua arraigado abaixo de 2%, as expectativas inflacionárias estão bem sob controle e o Produto Interno Bruto (PIB) nominal cresce com firmeza em torno a 4%. Pouco disso sugere uma necessidade premente de aperto. Um banco central que se guia por metas inflacionárias não tem a obrigação de se mexer agora, com base nos dados atuais.

É necessário ter um ponto de vista mais amplo do que esse, em especial pelo fato de qualquer primeiro aperto monetário ser tão significativo. Uma condição necessária para mexer-se nessa direção é ter confiança de que isso não terá de ser revertido no futuro próximo. É impossível no momento ter essa confiança.

Isso é particularmente importante quando as taxas de juro estão próximas a zero. Seria desejável avançar acima desse nível para criar espaço de manobras no futuro. Mas, se a perspectiva de aumentos persistentes enfraquecesse a economia, o Fed poderia ser obrigado a voltar para o nível mais baixo, mas em circunstâncias piores. Nas palavras de Andy Haldane, do Banco da Inglaterra, "o ato de elevar a curva de juros, por si só, elevaria a probabilidade de recessão".

A decisão de quando elevar os juros, então, tem de ser vista como uma decisão de gestão de risco sob benefícios assimétricos: se o Fed elevá-los tarde demais, a inflação pode aumentar; se o Fed o fizer cedo demais, pode diminuir seu espaço de manobras no futuro. Dada a força do dólar, que deverá durar, e as recentes agitações nos mercados, o balanço é claro: é preciso ter mais confiança de que o ciclo de aperto se mostrará sustentável do que se tem agora.

Além disso, a ideia de que as taxas de juros reais baixas são uma característica de longo prazo da economia mundial parece bastante plausível. Eventos na China indicam que a condição poderia até piorar. De fato, essas taxas de juros ultrabaixas parecem ser as mais baixas da história. Se as taxas de juros reais e a inflação continuassem tão baixas, as taxas de juros nominais também continuariam excepcionalmente baixas.

Alguns temem que as taxas sejam, de certa forma, antinaturais. Argumentando nessa linha, o autor William Cohan insiste: "Como qualquer commodity, o preço para se captar dinheiro - as taxas de juros - deveria ser determinado pela oferta e demanda, não pela manipulação por um colosso do mercado".

No entanto: o dinheiro não é como qualquer commodity. É um monopólio do Estado e sua criação está nas mãos do banco central. O banco central, de fato, determina as taxas de curto prazo.

Cohan não está sozinho. Muitas pessoas desejaram políticas monetárias mais apertadas por anos, por um motivo ou por outro. Alguns direcionam o foco mais para o afrouxamento monetário quantitativo do que para as baixas taxas de juros de curto prazo, acreditando que, no fim, isso certamente resultará em inflação alta. Está errada, entretanto, a crença de que a expansão do balanço do banco central garante aumento no crédito e nos gastos. O suposto elo entre as reservas bancárias e a concessão de crédito pode ser administrado.

Um ponto de vista mais refinado é o do Banco de Compensações Internacionais (BIS). O órgão acredita que a política monetária não deveria almejar o equilíbrio da economia real, mas o do setor financeiro. Deveríamos, portanto, estar preparados para tolerar ciclos prolongados de desemprego no médio prazo, de forma a evitar o acúmulo de excessos financeiros prejudiciais no longo prazo. Isso levanta duas questões. Primeira, há alguém que saiba que política monetária estabilizaria nosso cassino financeiro? Segunda, qual é o sentido de um sistema financeiro desregulamentado que cria dilemas tão profundos? Em vez disso, certamente, faz mais sentido colocá-lo dentro de uma jaula.

Em resumo, os bancos centrais deveriam continuar com o foco voltado à estabilização da economia real, embora mais esforços precisem ser feitos para restringir os excessos financeiros. Enquanto isso, o Fed, sendo um banco central com meta inflacionária, não tem nenhum forte motivo para começar um ciclo de aperto neste momento. E, quando de fato começar, as taxas não vão atingir as máximas dos ciclos anteriores. Nosso mundo não está normal. Acostume-se a isso.

Valor econômico, v. 16 , n. 3837, 09/09/2015. Opinião, p. A9