Ministros em descompasso

 

SIMONE IGLESIAS, FERNANDA KRAKOVICS E MARTHA BECK 

 

Com o país em recessão, o ministro Joaquim Levy ( Fazenda) disse que o governo tem de ser firme ao cortar gastos, mas Nelson Barbosa ( Planejamento) alegou que agora cabe ao Congresso decidir sobre eventuais cortes. Aentrevista para divulgar a proposta orçamentária de 2016 foi o retrato da falta de sintonia na equipe econômica. Os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, já chegaram para o encontro com os jornalistas com cara de poucos amigos e demonstrando claro desconforto entre eles.

ANDRE COELHOEquipe econômica. Levy, ministro da Fazenda, e Barbosa, do Planejamento, durante entrevista no Planalto

A falta de entendimento também ficou clara no discurso proferido por cada um. Para falar sobre a necessidade de cortar ainda mais os gastos públicos, tese que defendeu até o último minuto no debate sobre o Orçamento de 2016, Levy destacou que há riscos em ter um discurso ambíguo e que é preciso ter cuidado para não se promover um relaxamento fiscal.

— Eu acredito firmemente na necessidade da sustentabilidade fiscal e que se deva encontrar os meios para tanto. Eu acho que se houver ambiguidade em relação a isso fica mais difícil a gente garantir o crescimento. Se a gente não quer mero corte de despesas, tem que ser acompanhado com um programa sério de aumento de eficiência do gasto. É um trabalho bastante forte que tem que ser feito. É desafio do governo. Desafio da sociedade.

Já Barbosa fez questão de ressaltar várias vezes que corte de gastos mais significativo não está nas mãos apenas do governo, mas do Congresso:

— Sim, é possível diminuir gastos públicos. Nós estamos empenhados nisso. Nós estamos com gastos nominais inferiores aos de dois anos atrás. Se nós levarmos em conta a inflação, esse gasto de R$ 250 bilhões propostos para 2016, ele é inferior ao verificado em 2012. Isso dá uma dimensão do esforço de contenção de gastos discricionários que o governo está fazendo. Reduções adicionais dependem de mudanças de lei.

De fiador do 2 º mandato de Dilma, Levy se transformou num mal ainda necessário. Com a credibilidade arranhada no Congresso, no mercado e no governo, ele segue no comando porque pior agora seria substitui- lo. Integrantes do governo relataram ao GLOBO que, internamente, há decepção com o desempenho de Levy. Esperava- se que o ministro conseguisse “blindar” o governo da avaliação ruim das agências de risco e emplacar medidas austeras com mais habilidade.

Levy iria a São Paulo ontem. Pela manhã, durante a reunião da coordenação política, foi decidido que deveria ficar em Brasília. Mas a entrevista foi dada num local “neutro”, o Planalto, e não no Planejamento, como de costume.

— Levy e Barbosa juntos é a fotografia que interessa ao governo — disse um auxiliar presidencial.

Depois de sua terceira derrota, aliados afirmam que Levy precisa “reconhecer a realidade” e levar em conta as variáveis políticas, e não só as econômicas.

— Levy não está perdendo a queda de braço, ele está precisando é reconhecer a realidade. O Orçamento tem que ser verdadeiro, a situação é de aperto, senão ninguém se engaja na solução — disse o senador Romero Jucá ( PMDB- RR).

Além da previsão de déficit no Orçamento de 2016, Levy já havia sido derrotado na redução da meta fiscal e no tamanho dos cortes no Orçamento deste ano, que foram menores do que defendia. Levy preferia cortes mais profundos no Orçamento de 2016, em vez da previsão de déficit.

— Ele ia fazer o quê? Acabar o Bolsa Família? Não pagar aposentado? — questionou um aliado.

Integrantes do governo minimizam a insatisfação de Levy. Dizem que, na previsão de déficit no Orçamento, ele marca posição contrária para não ser responsabilizado em caso de perda do grau de investimento. Parlamentares reclamam que Levy é “mais realista do que o rei” e não compreende que o governo vive crise de governabilidade.

— Daqui a pouco, ele está que nem o ( Guido) Mantega ( ex- ministro da Fazenda), que falava e ninguém acreditava — disse um parlamentar.

 

Comissão mista exigirá que governo aponte cortes

 

CRISTIANE JUNGBLUT, JÚNIA GAMA E MARIA LIMA

 

Integrantes da Comissão Mista de Orçamento ( CMO) se negam a assumir o desgaste de aumentar impostos e vão cobrar que o governo admita a responsabilidade de indicar quais programas deverão sofrer cortes antes da votação, até dezembro, da proposta orçamentária para 2016. O relator do Orçamento, deputado Ricardo Barros ( PPPR), disse que o Congresso tentará adotar medidas para reverter o déficit de R$ 30,5 bilhões previsto, mas defendeu que as emendas parlamentares sejam preservadas.

— As emendas parlamentares atendem às prioridades dos municípios. São ações que têm impacto, que geram recursos no interior. É melhor cortar juros. Até porque juro é nada, é vapor. O Congresso, discutindo com a sociedade, vai tentar equilibrar a conta até o final do ano — argumentou Barros.

ALTERNATIVAS SÃO SUGERIDAS

O deputado Paulo Pimenta ( PT- RS), um dos quatro petistas que integram a CMO como membros titulares, disse que uma das alternativas seria o governo simplesmente não fazer cortes e emitir títulos da dívida para cobrir o déficit. O deputado frisou que a discussão ainda é prematura e que o Congresso tem até dezembro para definir o que será feito.

— Há uma gama muito grande de possibilidades para a busca de receitas alternativas, não é só corte que resolve. Por exemplo, ampliar o percentual de endividamento, como Fernando Henrique Cardoso fez, emitindo títulos. Se nada for feito, será o caminho natural. É uma estratégia de desenvolvimento — disse Pimenta.

O deputado Giuseppe Vecci ( PSDB- GO), que também faz parte da CMO, apontou as receitas “não tributárias” como forma de cobrir o déficit. O deputado defende que o governo desestatize ativos para conseguir fechar as contas.

— Nessa situação de crise, a receita tributária cai, mas existem receitas que não são tributárias. É necessário ter coragem para resgatar isso. A margem de manobra do governo é pequena. Reduzir ministérios é algum esforço, mas o governo vai ter que trabalhar na recuperação de dívida, na venda de ativos e ações, desestatizar um pouco — defendeu o deputado.

A CMO deve se reunir hoje para avaliar a proposta do governo e alternativas apresentadas pelos deputados e senadores que a integram.

O senador Walter Pinheiro ( PT- BA), integrante da CMO, disse que ninguém sabe ainda o que fazer, mas afirmou que o governo agrava a crise ao jogar para o Congresso a responsabilidade de cobrir o buraco orçamentário. Ele disse que cobrará que o Planalto assuma a redução do PIS/ Cofins e unificação do ICMS.

Líder do PP e também integrante da CMO, o senador Benedito de Lira ( AL) afirmou que aumentar impostos está fora de cogitação:

— O caminho é desativar programas que têm pouca visibilidade, que só atendem a interesses corporativistas.