O Estado de São Paulo, n. 44541, 29/09/2015. Opinião, p. A4

Lobista ligado ao PMDB relata repasse de propina para Cunha em conta na Suíça

Ricardo Brandt, Julia Affonso, Mateus Coutinho e Fausto Macedo

 

O empresário João Henriques, lobista ligado ao PMDB, afirmou à Polícia Federal que abriu uma conta na Suíça para pagar propina ao presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). João Henriques não especificou valores e nem a data. Segundo ele, a suposta transferência para Cunha está ligada a um contrato da Petrobrás relativo à compra de um campo de exploração em Benin, na África.

A informação, revelada pelo estadao.com.br, consta de relato prestado por Henriques à Polícia Federal na sexta-feira passada. As declarações ampliam as suspeitas sobre o presidente da Câmara, que já foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República por corrupção e lavagem de dinheiro.

Outros dois alvos da Lava Jato, o executivo Júlio Camargo e Fernando Falcão Soares, o Fernando Baiano - também apontado como operador do PMDB no esquema, relataram que Cunha recebeu US$ 5 milhões em propinas na contratação de navio-sonda da Petrobrás, em 2006.

O trecho do depoimento de Henriques que cita Cunha foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, já que o parlamentar possui prerrogativa de foro. No sábado, o Estado revelou que Cunha era o "político com foro privilegiado" destinatário da transferência bancária que o empresário disse ter feito "a pedido de terceiro" para uma "conta no exterior".

Preso há uma semana, Henriques afirmou à PF que o repasse ao peemedebista foi um pedido de Felipe Diniz, filho do ex-deputado Fernando Diniz (PMDB-MG) - que morreu em 2009. O empresário afirmou que não sabia que o destinatário da suposta propina era o presidente da Câmara.

"Em relação à aquisição pela Petrobrás do campo de exploração em Benin, a pessoa que lhe indicou a conta para pagamento foi Felipe Diniz; que Felipe Diniz era filho de Fernando Diniz; que Felipe enfrentava dificuldades econômicas; que a conta indicada para o pagamento pertencia a Eduardo Cunha; que o interrogando só veio a saber disso na Suíça, em virtude do processo de bloqueio de contas que enfrentou; que reforça que somente soube da titularidade da conta há cerca de 2 meses; que nunca teve qualquer relação com Eduardo Cunha", disse no depoimento.

Henriques afirmou ainda que para fazer a negociação abriu a empresa Acona, com conta no banco BSI,naSuíça.À PF, o empresário apontado como lobista do PMDB contou que foi apresentado a um empresário de nome Idalecio de Oliveira, dono de uma área na África, em Benin. João Henriques afirmou que acreditava que a área tinha "um grande potencial de exploração".

"Era perto da Nigéria, e a Nigéria era a maior produtora de óleo da costa da África. Eu pe-guei, o contratei, e o custo foi meu, geólogos que eu conhecia. Eles avaliaram e falaram que a área era ótima. Combinei com Idalecio que ganharia um sucessfee. Se agente conseguisse vender agente dividiria os lucros. Vendemos esta área para a Petrobrás e a Petrobrás pagou pela área em torno de US$ 15 milhões", disse.

De acordo com Henriques, Idalecio de Oliveira ficou com 50% do valor. Ele negou que tenha recebido propina e integrado "a organização criminosa que assolou a Petrobrás". "Paguei as pessoas, geólogos, todos os custos que eu tive e dei para uma pessoa que tinha me dado a dica a participação. Ele me apresentou o cliente. E todos eles me deram contas que eu transferi." Em outra parte do depoimento, o empresário afirmou que o ex-deputado Fernando Diniz que presidiu o PMDB mineiro -o convidou para ser o diretor da área Internacional da Petrobrás, mas o PT não aceitou sua indicação. Quem assumiu o cargo foi engenheiro Jorge Luiz Zelada, que a cadeira de diretor de Internacional da estatal de 2008 a 2012. Zelada sucedeu Nestor Cerveró - ambos, Cerveró e Zelada, estão presos em Curitiba, base da Lava Jato.

"Fernando Diniz tentou me colocar, eu era o nome do PMDB", afirmou. "Mas o PT não aceitou, eu não tinha os valores que eles queriam. Eu fui efetivamente convidado pelo Fernando Diniz. Eles iam passar para a Casa Civil. Foi negado, dizendo que o conselho não aceitava."

Defesa. O presidente da Câmara respondeu por meio de sua conta no Twitter: "Quero desmentir com veemência ter recebido qualquer valor de quem quer que seja referente às denúncias vinculadas", escreveu. Ele disse ainda que desconhece o teor dos depoimentos e que seu advogado, Antonio Fernando de Souza, cuidará de responder na medida em que conhecer o conteúdo. Procurado, o Souza não respondeu aos pedidos de entrevista.

O PMDB alega não ter intermediários para arrecadar recursos. O Estado não conseguiu contato ontem com Idalecio de Oliveira, Felipe Diniz e a defesa do ex-diretor da Petrobrás Jorge Zelada.