Câmara articula mudança na Constituição para disciplinar 'jabutis'
Raphael Di Cunto e Vandson Lima
20/10/2015
Com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibir o Congresso de incluir "jabutis" em medidas provisórias (MPs), o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), decidiu levar direto para votação em plenário uma proposta de emenda constitucional (PEC) que muda o rito de tramitação desses projetos e que está travada desde 2011 por obstrução do PT.
O pemedebista discutirá hoje com os líderes partidários a melhor data para votar em plenário a PEC, que resolveria uma discussão retomada com a decisão do STF: o que pode ser considerado "matérias estranhas" ao conteúdo inicial das MPs - e que, a partir de agora, estão proibidas - e sobre quem vai fazer o controle - já há uma resolução do Congresso de 2002 que impede os jabutis, mas que não é cumprida.
O julgamento do STF pode ainda criar uma nova rusga entre a presidente Dilma Rousseff e a base aliada na Câmara. Apoiado por outros partidos, o líder do PTB, Jovair Arantes (GO), relatou a MP 678/2015, que permite o uso do Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para obras de segurança pública, e patrocinou a inclusão de vários jabutis.
Jovair aceitou retirar algumas emendas, mas pressionou o governo para manter parte de seu relatório, sob a ameaça de se rebelar. Na terça-feira, a Câmara aprovou o projeto com dispositivos para prorrogar o prazo para fim dos lixões, alterar regras para protesto em cartório (que os bancos dizem que aumentarão seus custos), permitir que coligadas usem créditos tributários do Programa de Inclusão Digital e autorizar a renegociação de dívidas do Proálcool.
Dois dias depois, o STF decidiu tornar "incompatível com a Constituição a apresentação de emendas sem relação de pertinência temática com medida provisória". Para a ministra Rosa Weber, relatora do processo, o "contrabando legislativo" não é mera questão formal, mas um procedimento antidemocrático que impede o debate aprofundado das matérias. Segundo a área técnica do Tribunal, a decisão passa a ter efeito a partir da publicação da ata do julgamento no Diário da Justiça, o que deve ocorrer até sexta-feira.
A MP 678, que perde a validade se não for aprovada até amanhã, ainda não foi votada pelo Senado. Há três possibilidades: ou o Senado retira os jabutis e a Câmara tem um dia para votar o projeto de novo, ou os senadores aprovam a versão dos deputados e jogam a decisão para Dilma, que será pressionada pela base a aceitar as emendas, ou deixar a medida "caducar".
Vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC) defendeu ontem a terceira alternativa. "Não dá para a gente aprovar algo que é ilegal. É impraticável aprovar como está. O mais fácil talvez seja essa solução: a MP estava andando, tem problema, o rito do Supremo não está atendido, entra num entendimento de não apreciar. E edita-se outra [posteriormente]", afirmou.
A decisão cabe ao presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), e ainda não está tomada. Viana disse ter falado com o pemedebista no fim de semana a respeito e que o presidente deve fechar questão hoje.
Para o deputado Esperidião Amin (PP-SC), que pretende entrar com ação no STF contra os jabutis da MP 678, se o Senado fizer "ouvidos moucos" e repassar o problema para a presidente o Congresso estará planejando sua própria desmoralização. "Duvido que a Dilma vete porque se ela vetar vai perder votos para [impedir] o impeachment", disse.
Amin, que defende que o presidente da Câmara deva fazer a triagem de quais são os jabutis, afirmou que formou-se um conluio nas comissões mistas que analisam as MPs. "Eu atendo o teu [setor], você atende o meu, atendemos o dos outros. É a prática da cumplicidade. Quanto mais ampla a cumplicidade, mais possibilidade de chegar à maioria".
O presidente da Câmara disse ontem que não fará a análise prévia. "[Quem tem que fazer o controle] É o presidente da comissão mista, eu não farei". Na gestão passada, o então presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), decidiu excluir de ofício os jabutis que chegavam da comissão mista, mas Cunha revogou essa decisão com o argumento de que não pode, sozinho, desfazer uma decisão da comissão mista de deputados e senadores
O pemedebista conversou com o relator da PEC na comissão especial, deputado Walter Alves (PMDB-RN), e decidiu votá-la direto no plenário já que o prazo para análise acabou. "Não está ocorrendo debate na comissão. Meu relatório já foi apresentado, mas o PT está obstruindo e impede a votação", disse Alves.
O relatório, contudo, não avança na definição do que é matéria estranha e diz apenas que, caso inclua tema que não está "vinculado por afinidade, pertinência ou conexão" ao objetivo da MP, o presidente da Casa poderá retirar, de ofício, os artigos, cabendo recurso ao plenário.
Há divergências se os jabutis seriam apenas casos mais visíveis, como a prorrogação dos lixões na MP 678, ou também englobariam temas mais restritos, como mudar a tributação de um setor em uma MP para concessão de benefícios para outra área. A decisão ficará para o STF decidir após questionamentos dos afetados.
Valor econômico, v. 16 , n. 3865, 20/10/2015. Política, p. A7