Principais candidatos prometem valorizar relações com Brasil

 

JANAÍNA FIGUEIREDO E ELIANE OLIVEIRA

O globo, n. 30029, 25//10/2015. Mundo, p. 45

 

Pela primeira vez em décadas, o governo brasileiro respira aliviado com as eleições na Argentina. Os três principais candidatos, Daniel Scioli, Mauricio Macri e Sergio Massa, já deixaram claro que pretendem valorizar as relações com o Brasil, hoje conturbadas pelo acúmulo de barreiras no comércio e investimentos, aplicadas pelas autoridades vizinhas a praticamente todos os produtos brasileiros exportados para lá.

A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) estima que o país deixe de exportar de 10% a 15% anualmente à Argentina, pelas restrições ao ingresso de vários itens, como calçados, têxteis, bens de capital siderúrgicos, eletrodomésticos e até automóveis. Isso corresponde a algo como US$ 2,2 bilhões (R$ 8,6 bilhões) por ano.

— Barreiras que não ajudam. Só prejudicam o intercâmbio entre os principais sócios do Mercosul — afirma o presidente da AEB, José Augusto de Castro.

Por afinidade ideológica, a presidente Dilma Rousseff teria tudo para apostar na vitória de Scioli. No entanto, as políticas protecionistas argentinas, intensificadas a partir de 2003, com a ascensão de Néstor Kirchner, prejudicaram relações bilaterais.

— Os sinais que temos recebido é que a situação não pode permanecer como está. As pendências comerciais tornam-se um fator muito forte de irritação para o governo e os empresários brasileiros — comentou uma fonte da área diplomática.

Scioli foi recebido por Dilma há duas semanas. Pediu apoio, declarou lealdade ao Brasil e pregou a integração regional e o fortalecimento do Mercosul.

— Quando Brasil e Argentina trabalham juntos, todos vamos bem — declarou Scioli, que aproveitou para defender a continuidade de Dilma, em meio aos pedidos de impeachment.

Em Brasília, Scioli revelou ter conversado sobre diversos assuntos com a presidente Dilma, entre eles a importância de aprofundar a integração bilateral e regional. A expectativa é que as barreiras às exportações sejam suspensas a partir de 2016.

— Mais importante para o Brasil é a recuperação econômica da Argentina, o que deve acontecer com qualquer governo, dado o desastre das políticas econômicas do kirchnerismo — enfatiza o consultor internacional Nelson Franco Jobim.

EMBAIXADOR EM BRASÍLIA COTADO PARA CHANCELER

Já Macri passou pelo constrangimento de ver o expresidente Lula discursar em cadeia nacional a favor de Scioli. Apesar do mal-estar, o prefeito portenho e principal candidato da oposição não modificou a agenda internacional, e o Brasil continua em primeiro lugar na lista de sócios fundamentais.

— Quero uma conversa sincera para fazer o Mercosul avançar. Sei que existe uma agenda de integração demorada por culpa da Argentina — enfatizou o candidato da aliança opositora Mudemos.

Na avaliação de representantes do setor industrial brasileiro, Scioli não é a melhor opção. A vitória de Macri amplia a perspectiva de uma revisão completa das barreiras tarifárias. Seu discurso está focado na reabertura da economia argentina. Por sua vez, Sérgio Massa, que foi ministro de Cristina, representa esperança de renovação do peronismo, mas é possível que feche com Macri, num segundo turno, segundo fonte ligada à Presidência da República.

Rubens Barbosa, consultor de negócios e ex-embaixador do Brasil nos EUA, pensa que “a revisão das restrições, em menor ou maior patamar, dependendo de quem vencer, é um caminho sem volta”. Segundo ele, uma atitude mais realista do novo governo argentino permitirá renegociar a dívida do país e a volta da Argentina ao mercado.

Para o responsável por assuntos internacionais da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e ex-ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, qualquer que seja o eleito, este será populista e não deverá mexer significativamente na parte comercial.

— O vencedor fará um discurso de aproximação, mas não haverá muita diferença, pois os peronistas são populistas — dispara Lampreia.

Nem Scioli nem Macri anteciparam o nome da pessoa escolhida para ocupar a embaixada argentina em Brasília, hoje comandada pelo diplomata de carreira Luis Maria Kreckler, um dos homens cotados para assumir a pasta das Relações Exteriores num eventual governo do candidato da Casa Rosada.

 

‘Continuam amigavelmente se ignorando’

 

O diplomata José Botafogo Gonçalves, ex-embaixador do Brasil na Argentina no período de 2002 a 2004, acredita que os dois países perdem tempo com brigas e contenciosos comerciais. Para ele, as nações vizinhas deveriam aproveitar seus recursos e se unirem como uma plataforma comum de exportação de alimentos.

O que seria melhor para o Brasil: a vitória de Daniel Scioli ou de Mauricio Macri?

Os três candidatos têm interesse em manter boas relações com o Brasil, sobretudo os dois favoritos. Macri foi mais explícito, recentemente, ao dar declarações em que informava que, se ganhasse, sua primeira viagem ao exterior seria ao Brasil. Mas é preciso ver qual será a política do candidato vitorioso a respeito das distorções comerciais provocadas pelo governo da presidente Cristina Kirchner.

Tanto Cristina Kirchner quanto Dilma Rousseff enfrentam sérios problemas internos econômicos e políticos. Como seria a relação bilateral entre dois países?

Os problemas internos vão prevalecer na agenda do futuro presidente da Argentina. Por outro lado, o país não é exatamente uma prioridade para a presidente Dilma neste momento, dadas as dificuldades que ela vem enfrentando.

Como o senhor definiria as relações Brasil-Argentina?

Os dois países não conseguem explorar seus interesses comuns. Existe uma demanda mundial de alimentos crescente. O mundo está com forme, os chineses estão comendo cada vez mais e a exportação de alimentos é um instrumento poderoso. Uma convergência de políticas agrícolas entre Brasil e Argentina é fundamental. Infelizmente, os dois países continuam amigavelmente se ignorando.

Dizem que, por afinidade ideológica, a presidente Dilma Rousseff está torcendo pela vitória de Daniel Scioli...

Concordo com isso. Um dos problemas da política externa brasileira é que ainda é muito determinada pelo PT. Scioli já esteve com Dilma e o presidente Lula, de quem recebeu apoio.