‘Pedalada não significa ato da presidente’

 

JÚNIA GAMA E EVANDRO ÉBOLI 

O globo, n. 30027, 23//10/2015. País, p. 4

 

Um dia após dizer que as “pedaladas” do governo Dilma viraram “motocicletas”, Cunha ontem afirmou que elas podem não ser motivo para impeachment. - BRASÍLIA- Um dia após posar para fotos com líderes da oposição e representantes de movimentos que pedem a derrubada da presidente Dilma Rousseff ao receber novo pedido de impeachment, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), fez ontem gestos de aproximação com o governo e deixou a oposição ainda mais descrente de que ele dará prosseguimento ao pedido. Em entrevistas durante o dia, Cunha disse que as “pedaladas fiscais”, mesmo que ocorridas no atual mandato, podem ter existido sem necessariamente existir responsabilidade da presidente Dilma — um balde de água fria na principal tese do pedido de impedimento. Anteontem, Cunha dissera que as pedaladas estão se transformando em “motocicletas”.

AILTON DE FREITASVaivem. Cunha agora diz que pedalada pode existir sem razão para impeachment: “Tem que configurar a atuação da presidente no processo, de que descumpriu a lei. É preciso cautela”

O presidente da Câmara, que vem dando sinais trocados sobre sua posição em relação ao governo, especialmente depois de descoberto seu envolvimento na Lava- Jato, também adiou mais uma vez o prazo para dar uma resposta sobre o pedido formulado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal. No dia em que recebeu o documento, disse à oposição que pretendia decidir sobre ele até o dia 15 de novembro. Ontem, afirmou que não quer “assumir compromisso” com uma data específica.

— Estão dizendo que há indícios disso ( das pedaladas em 2015), tanto que o governo procura forma de consertar até o final do ano e pagar o que está pendente. Outra coisa é o efeito do pedido de impedimento. Ali, tem que ter a tipificação do ato que possa ter gerado o descumprimento da lei. O fato de ter existido a pedalada não significa que pode ter havido ato da presidente. Pode ser feito por vários motivos, por outras circunstâncias — defendeu, complementando em seguida:

— O fato por si só não significa que isso seja razão de pedido de impeachment. Tem que configurar a atuação da presidente no processo, de que descumpriu a lei. Pode existir a pedalada e não a motivação do impeachment.

UNIDO AO PT EM CPI

Outra mostra da aproximação de Cunha com o governo ontem foi a ação conjunta do PT e do presidente da Câmara na CPI dos Fundos de Pensão, que evitou a votação de requerimentos de convocação do lobista Fernando Baiano, operador de propinas do PMDB na Petrobras, e do pecuarista José Carlos Bumlai, acusado por Baiano de pedir propina de R$ 2 milhões para uma nora do ex- presidente Lula.

Os requerimentos de convocação de Baiano e Bumlai foram apresentados pelo deputado Marcus Pestana ( PSDBMG) e incluídos na pauta pelo presidente da CPI, Efraim Filho ( DEM- PB). Cunha foi alertado por peemedebistas, ficou “irritadíssimo” com a manobra, e passou a agir junto a aliados para barrar a convocação de Baiano. Efraim Filho é o presidente da comissão graças a Cunha, que, à época da escolha, mantinha estreita relação com a oposição.

À noite, porém, Cunha voltou a cutucar Dilma. Disse que, antes de cobrarem sua renúncia do cargo, por causa da LavaJato, deveriam cobrar da presidente:

— A presidente da República foi eleita pela maioria absoluta dos votos e, hoje, não tem apoio de um dígito da população. Nem por isso estão cobrando que ela renuncie. Não é o meu caso, do ponto de vista de apoiamento. Antes de falar de mim, cobrem também da presidente, que está sem apoio popular nenhum, digam que ela deveria renunciar.

Aliados de Cunha acreditam que, para se manter no cargo, ele fará movimentos pendulares, hora em direção ao governo, hora a favor da oposição. No momento, o peemedebista teria optado por acenos ao governo por encontrar no Planalto um terreno menos instável.

— A ordem no governo é tentar estabelecer o máximo de normalidade na Câmara para avançar nas pautas econômicas. A tendência é que o governo fique neutro em relação a Cunha no Conselho de Ética. Começa a existir um sentimento de que Cunha não vai resistir, mas o timing ainda não está claro. Enquanto isso, o melhor é manter a cautela — disse um interlocutor do o Planalto.

A pessoas próximas, Cunha tem demonstrado insatisfação com a oposição, que começa a planejar uma agenda para se desvincular do peemedebista. A tentativa de convocar Baiano foi vista por Cunha como uma prova de que não poderá contar com os antigos aliados. Ontem, deputados da oposição decidiram fazer uma “reflexão” sobre a necessidade de abandonar a agenda do impeachment e se descolar de Cunha.

— A moeda dele é outra, é a vida dele. E o governo tem mais condições de prolongar a vida dele do que a oposição — afirmou um líder oposicionista.

Cunha, por sua vez, deixou em aberto a data para decisão sobre o mais novo pedido de impeachment contra Dilma.

— Não quero assumir compromisso com dia e hora.

 

Cunha manobra para atrasar Conselho de Ética

 

A abertura do processo de cassação do mandato do presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), está na agenda do Conselho de Ética da Casa. Porém, com as manobras regimentais adotadas até o momento, a expectativa é que o processo só chegue ao colegiado na próxima quartafeira. Inicialmente, a primeira sessão na qual será escolhido o relator do caso estava marcada para a próxima terça- feira. Agora, a sessão será transferida para o dia 3 de novembro.

O presidente do Conselho, José Carlos Araújo ( PSD- BA), afirmou ao GLOBO que, uma vez que seja desencadeado o processo, Cunha terá pouca ingerência sobre o dia a dia do colegiado e instrumentos limitados para tentar postergar uma decisão.

— Em abril deste ano, Cunha fez uma resolução dizendo que os prazos para as comissões poderiam ser contados com todo tipo de sessão: ordinária, extraordinária e até debate. Mas, depois que surgiu o processo contra ele, a Mesa da Câmara interpretou que para o Conselho de Ética essa resolução não valia. A resolução foi contra ele. Se ele tivesse pensado melhor, não teria feito — afirma Araújo.

O presidente do Conselho disse que a manobra de Cunha “atrasa” em uma semana seu cronograma para concluir o processo, mas diz que, depois disso, não haverá mais como ele interferir.

— Com esse atraso, vamos ter que correr para concluir este ano. Mas, depois disso, Eduardo não tem mais como intervir para atrasar. As manobras que podem acontecer são dentro do Conselho, com pedido de vistas e inclusão de testemunhas — diz Araújo, que pretende limitar, no processo, cinco testemunhas de defesa.

Ontem, o deputado Silvio Costa ( PSB- PE), um dos vicelíderes do governo, protocolou na Procuradoria- Geral da República pedido ao procurador Rodrigo Janot para que afaste imediatamente o peemedebista da presidência da Câmara. Costa acusa Cunha de chantagear outros poderes e de usar o cargo para se proteger das acusações. Cunha rebateu:

— Isso não dá para levar a sério. Estou evitando, ficando longe de qualquer ato que possa tratar desse assunto. Não tomo nem conhecimento — afirmou. ( Júnia Gama e Evandro Éboli)

 

Lava- Jato: ministro do Supremo nega liberdade a presidente da Odebrecht

 

O ministro Teori Zavascki, relator da Lava- Jato no Supremo Tribunal Federal ( STF), negou habeas corpus ao dono da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, que permanecerá preso no Paraná por tempo indeterminado. Ele tinha pedido extensão do benefício concedido semana passada para libertar o ex- diretor da construtora Alexandrino de Alencar. Também queriam o mesmo benefício outros dois executivos da empresa: Márcio Faria da Silva e Rogério Santos de Araújo. Os dois também permanecerão presos. A defesa de Odebrecht argumentou que era preciso respeitar o princípio constitucional da isonomia. Zavascki discordou e escreveu que a situação processual do requerente é distinta pela posição de liderança.