Dilma cobra aliados, que tentarão aprovar repatriação de recursos

 

SIMONE IGLESIAS E ISABEL BRAGA

O globo, n. 30039, 04//11/2015. País, p. 4

 

A presidente Dilma Rousseff cobrou ontem dos partidos aliados, na reunião da coordenação política do governo, a aprovação de três propostas no Congresso: a repatriação de recursos do exterior não declarados à Receita; a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que permite ao governo usar livremente até 30% do Orçamento; e a recriação da CPMF. As duas primeiras podem avançar hoje na Câmara.

GUSTAVO LIMA/AGÊNCIA CÂMARACCJ reunida. Comissão deve votar hoje projeto que permite ao governo usar livremente 30% de receitas carimbadas

Segundo um participante da reunião, Dilma citou a recente reforma ministerial, com trocas no comando de pastas para agradar aos aliados. Segundo Dilma, não há justificativa para negar uma vitória ao governo. Ela determinou aos ministros de PT, PMDB, PDT, PR, PSD, PP e PCdoB que conversem com suas bancadas. Semana passada, deputados de PT e PCdoB se aliaram à oposição e ajudaram a aprovar requerimento que adiou a votação do projeto da repatriação.

— Até votação de requerimento a gente vem perdendo. A presidente pediu mais uma vez para a base agir como aliada e deixou claro que vai cobrar a fatura da reforma pesado — disse um integrante do governo.

RELATOR ALTEROU PROJETO

Os partidos prometeram destravar as votações. Hoje, está marcada sessão para votação do projeto da repatriação em plenário, e o da DRU na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Os aliados tentarão convencer o relator do projeto, deputado Manoel Júnior (PMDB-PB), a mudar o texto para aproximá-lo dos interesses do governo.

Os governistas tentarão aprovar requerimento de preferência no plenário para votar o projeto original do Executivo, que é mais restritivo à repatriação de recursos ilegais mantidos no exterior. O projeto do governo tinha como premissa que os recursos sonegados deveriam ter como origem atividades lícitas. Assim, seriam anistiados só crimes como lavagem de dinheiro, evasão de dividas e sonegação fiscal. Manoel Júnior, no entanto, incluiu nessa lista de crimes o descaminho (importar produto sem pagar imposto), caixa dois e associação criminosa.

Esta semana, o relator concordou em retirar do relatório apenas a associação criminosa. O projeto ainda pode sofrer um revés em função de uma questão de ordem apresentada ontem pelo deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), que argumentou ter havido erro formal no envio da proposta pelo governo.

CCJ ANALISA OUTRO PROJETO

O governo também tentará aprovar hoje a admissibilidade da proposta da DRU na Comissão de CCJ da Câmara. Ontem, durante mais de duas horas, líderes aliados tentaram finalizar a votação, mas obstrução da oposição e o início da ordem do dia no plenário da Casa adiaram a votação. O projeto, enviado em julho pelo governo, permite que o governo possa mexer livremente em até 30% de receitas carimbadas da União, além da prorrogação desse mecanismo até 2023.

A admissibilidade é apenas o primeiro passo na tramitação da emenda no Congresso. Se aprovada a admissibilidade pela CCJ, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), terá que criar uma comissão especial que analisará o mérito; só depois de aprovada na comissão, a emenda seguirá para o plenário da Câmara. O líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), disse que a ideia é finalizar a votação da PEC na Câmara ainda este ano, enviando o texto ao Senado.

LEVY VOLTA A DEFENDER CPMF

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, voltou a defender ontem a CPMF e, em tom de brincadeira, disse que os jornais deveriam fazer uma enquete sobre o imposto do cheque. O retorno da CPMF, que parou de ser cobrada em 2007, está em discussão no Congresso. O governo quer que o tributo dure quatro anos e gere R$ 32 bilhões ao ano.

— Os jornais poderiam fazer essa enquete. Por que você não gosta da CPMF? Você não gosta porque ela é transparente? Porque ela é fácil de recolher? Porque todo mundo paga? Ou só porque é mais um imposto? Ia ser interessante ver o que as pessoas iriam dizer, o contribuinte, as pessoas na rua, a dona de casa. Talvez eles nem saibam direito do que se trata.

 

Fazenda aprova propostas lançadas por PMDB

 

MARTHA BECK

 

 Embora tenha causado desconforto no PT e no Palácio do Planalto, o documento “Uma ponte para o futuro”, divulgado semana passada pelo PMDB com sugestões para a retomada do crescimento econômico, agradou ao Ministério da Fazenda. Segundo interlocutores da pasta, a essência do programa de 20 páginas está em linha com o que defende o ministro Joaquim Levy.

O texto do PMDB também indicaria que o principal partido aliado do governo está disposto a se empenhar na aprovação de medidas importantes para o ajuste fiscal, como a recriação da CPMF e a prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), mecanismo que permite à equipe econômica gastar livremente uma parte do Orçamento.

Ao dizer que é preciso evitar aumentos de impostos, “salvo em situação de extrema emergência e com amplo consentimento social”, destacam os técnicos da Fazenda, o PMDB estaria indicando um reconhecimento de que é preciso aprovar a volta da contribuição para garantir o resultado primário do ano que vem. O próprio vice-presidente Michel Temer admitiu semana passada a interlocutores que, embora seja contra novos impostos, neste momento essa medida talvez seja inevitável.

Para tentar atingir a meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) em 2016, o governo precisa da CPMF, cuja arrecadação anual está estimada em R$ 32 bilhões.

ORÇAMENTO ENGESSADO

Outro trecho do documento do PMDB destaca o engessamento do Orçamento: “No Brasil, a maior parte do orçamento chega ao Congresso para ser discutido e votado, com a maior parte dos recursos já previamente comprometidos ou contratados, seja por meio de vinculações constitucionais, seja por indexação obrigatória dos valores. Assim, a maior parte das despesas públicas tornou-se obrigatória, quer haja recursos ou não”.

Embora o texto conclua que o melhor para o Brasil é ter um orçamento inteiramente impositivo (em que as despesas incluídas sejam necessariamente executadas), os técnicos afirmam que esse trecho é uma sinalização de que o PMDB vai apoiar a prorrogação da DRU, instrumento necessário para o momento atual. O texto da proposta de emenda constitucional (PEC), encaminhado ao Legislativo e que aguarda votação, eleva de 20% para 30% o percentual das receitas do Orçamento que o governo poderia movimentar livremente.

MUDANÇAS NA PREVIDÊNCIA

A Fazenda considerou ainda que a visão do partido de desindexar a economia e reformar a Previdência também está em linha com o que defende a pasta. A equipe econômica avalia que a reforma do sistema de aposentadorias precisa avançar em quatro frentes: fixação de uma idade mínima para aposentadoria, desvinculação dos benefícios ao salário mínimo, ajustes no regime previdenciário dos servidores públicos e também nos demais benefícios sociais atrelados à Previdência, como os concedidos a idosos e deficientes da baixa renda (LOAS), seguro rural e pensão por morte.

No entanto, diante da crise política e das dificuldades do Executivo em conseguir aprovar medidas no Congresso, os integrantes do governo consideram que, num primeiro momento, será possível conseguir evoluir em apenas duas delas: a idade mínima e nos benefícios sociais.