Senado aprova MP 688 e viabiliza leilão de hidrelétricas existentes

Camila Maia, Rodrigo Polito, Rafael Bitencourt e Vandson Lima 

25/11/2015

O leilão de relicitação de 29 hidrelétricas marcado para hoje, na Bolsa de Valores em São Paulo, correu risco de não acontecer devido ao atraso na votação da Medida Provisória (MP) 688, aprovada somente às 21 horas de ontem pelo plenário do Senado.

A discussão da MP no Senado foi adiada diversas vezes, mas por 44 votos a favor e 20 contra ela foi aprovada depois de horas de debate político. A expectativa era de que, após sancionada pela presidente Dilma Rousseff, a lei fosse publicada em uma edição extra do Diário Oficial da União ainda hoje.

O leilão é uma parte considerável das receitas extraordinárias que o governo pretende arrecadar neste ano. Do total de R$ 17 bilhões com o pagamento dos bônus da outorga, cerca de R$ 11 bilhões devem ser pagos ainda em 2015.

Apesar da aprovação da MP, as incertezas jurídicas relacionadas à demora persistem e podem afetar o interesse de grandes grupos. O risco de uma contestação do resultado ficou menor com a aprovação da lei, mas a divulgação das regras definitivas horas antes do leilão abre espaço para questionamentos, afirmou Raphael Gomes, sócio do escritório de advocacia Demarest Associados.

Foi a aprovação da lei que garantiu a realização do certame. Se a medida não tivesse saído, havia um consenso no mercado sobre a necessidade de adiamento. Segundo o advogado Tiago Figueiró, sócio da área de Energia do escritório Veirano, a aprovação ajudou a diminuir a insegurança jurídica do leilão das hidrelétricas.

Isso porque, além de tratar da repactuação do risco hidrológico (medido pelo fator GSF, na sigla em inglês), a MP criou o arcabouço legal para a cobrança da bonificação pela outorga. O modelo, fundamental para as contas fiscais do governo em 2015, não estava previsto em lei e foi criado para possibilitar o leilão.

Serão licitadas 29 hidrelétricas que não tiveram as concessões renovadas pela Medida Provisória (MP) 579, em 2012, com potência instalada de cerca de 6 mil megawatts (MW). Os contratos de concessão terão prazo de 30 anos contatos a partir da assinatura.

Vencerão os proponentes que oferecerem menor receita anual de geração (RAG) em comparação com os preços-teto estabelecidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Quem apresentar o maior deságio levará os lotes. A receita é uma combinação do retorno da bonificação pela outorga (BRO) com o custo de gestão dos ativos de geração (GAG), que inclui as melhorias a serem executadas pelas geradoras durante o prazo de concessão.

Para o advogado Guilherme Schmidt, sócio da área de energia do escritório L.O. Baptista SVMFA, as hidrelétricas ofertadas são interessantes, mas se houver insegurança jurídica, o desconto dado no leilão pode ser pequeno. "A sinalização hoje é muito ruim para o mercado. Vemos empresas grandes não querendo participar. Vários agentes que normalmente participariam não vão entrar", disse.

A opinião do advogado é compartilhada pelo professor Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Energia Elétrica (Gesel), da UFRJ. "Fazer um leilão em meio a uma variável de risco dessa magnitude vai diminuir a competição, com a possibilidade de pouco deságio, o que seria muito ruim para o consumidor", afirmou. "[A demora na aprovação da MP] é mais um indicador de que esse leilão não atende o interesse do setor elétrico", completou.

A expectativa no mercado é de que os principais ativos do leilão, as hidrelétricas Jupiá e Ilha Solteira, devem atrair o interesse de grandes grupos - entre eles chineses- por serem bons ativos, apesar do custo elevado da outorga.

A concessão das usinas, que pertencia à Cesp ate julho deste ano, representa aproximadamente R$ 13,8 bilhões dos R$ 17 bilhões que o governo pretende arrecadar em bonificação pela outorga com o leilão.

"Não prevemos muita concorrência, ainda mais nos lotes maiores, não porque os ativos não sejam interessantes, mas pelos desafios de se arrecadar o bônus da outorga", disse Thais Prandini, diretora executiva da Thymos Energia.

Para Thais, o elevado valor da outorga é um obstáculo que deve impedir maior competição pelas usinas, levando em conta o cenário de restrição ao crédito enfrentado hoje pelas empresas.

O chamado "pool de bancos" liderado pelo Banco do Brasil, que prevê oferecer cerca de R$ 6 bilhões em crédito para a disputa, deve ajudar a minimizar esse problema, já que não haverá crédito do BNDES para as operações.

Entre os diferenciais atrativos dessa disputa, Thais cita o fato de que os agentes poderão vender 30% da garantia física no mercado livre, o que indica a possibilidade de preços maiores que os do regulado.

Valor econômico, v. 16 , n. 3890, 25/11/2015. Empresas, p. B1