Correio braziliense, n.19.100 , 11/09/2015. Economia, p. 6

Empresários criticam Dilma por "inação"

 

O governo deu ontem claros sinais de que não sabe o que fazer para enfrentar o turbilhão detonado pelo rebaixamento do Brasil pela agência de risco Standard & Poor's (S&P). A expectativa de empresários e investidores era de que, pressionada pela perda do grau de investimento, a presidente Dilma Rousseff agisse para indicar que ainda é possível evitar o colapso da economia. Mas o que se viu foi um monte de promessas - dela, que convocou uma reunião de emergência com sua equipe logo pela manhã - e do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que se limitou a prometer um pacote de medidas até o fim do mês e a defender aumento de impostos.

O desapontamento foi tão grande que as duas maiores federações de empresários do país - São Paulo (Fiesp) e Rio de Janeiro (Firjan) -, soltaram nota conjunta criticando o que chamam de "inação" da presidente para restabelecer a ordem e retomar o controle da economia, que poderá registrar retração de até 3% neste ano e de pelo menos 1% em 2016. A sensação, segundo o empresariado, é a de que "o governo deixou de governar".

Na avaliação da Fiesp e da Firjan, "a perda do grau de investimento foi o desfecho de uma série de hesitações, equívocos e incapacidade de lidar com os desafios de uma conjuntura econômica cujo esfacelamento é resultado de incontáveis erros cometidos ao longo dos últimos anos". Para os empresários, o Brasil "clama por um ajuste fiscal de verdade", baseado em cortes de despesas e não em aumento de impostos.

Dilma acreditou que, ao escalar Levy para explicar as ações do governo, conseguiria dar credibilidade a um pacote de promessas. O ministro, no entanto, espalhou decepção. Tanto que, logo após a fala dele, o dólar voltou a subir e a bolsa de valores, a cair. A frustração foi geral, pois o chefe da equipe econômica não apresentou o que mais os investidores queriam ouvir: uma lista de corte de gastos para cobrir o rombo de R$ 30,5 bilhões estimados para o Orçamento de 2016.

Fragilizado, Levy teve que gastar parte do tempo para garantir que está firme no cargo, mesmo tendo sido derrotado em todas as propostas para fazer um ajuste fiscal consistente. "Meu trabalho não acabou", disse ele, avisando que os brasileiros terão de se acostumar com "um pouquinho mais de imposto". Quem ouviu o discurso do ministro não teve dúvidas: dificilmente ele conseguirá entregar o que prometeu, um superavit de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano que vem.

"Estão todos de olho nas contas públicas. Se o governo não agir, um novo rebaixamento da S&P pode ocorrer ainda neste ano", alertou o estrategista da XP Investimentos em Nova York, Daniel Cunha. Pior que isso: as duas outras agências, a Moody's e a Fitch, também devem restirar o grau de investimento do país, o que obrigará grandes fundos de pensão, que têm bilhões de dólares aplicados aqui, a retirarem os recursos do Brasil. Esse movimento terá impacto devastador na cotação do dólar. Pelo estatuto desses fundos, eles estão proibidos de manter dinheiro em nações que não tenham o selo de bom pagador dado por pelo menos duas agências.

Falta de rumo
Na avaliação de Patrick Behr, professor de Finanças da Escola de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Ebape/FGV),  a economia poderá encolher não somente neste ano e em 2016, mas também em 2017. Em relação ao dólar, ele aposta que, em breve, a cotação de R$ 4 será piso e não mais teto.

Segundo Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, não há muito mais o que esperar do governo, que há tempos vem sendo avisado sobre os riscos do rebaixamento e do estrago na economia, com mais desemprego, inflação e crédito caro e restrito. "Vamos falar a verdade. Esse é o mesmo governo que mandou um orçamento ao Congresso com deficit de 0,34% do PIB quando tinha prometido superavit de 0,7%. É um governo sem rumo, de uma presidente que não tem a menor convicção sobre o ajuste", afirmou.

Na visão da economista Monica Baumgarten de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, as declarações do titular da Fazenda revelaram que o governo está sem rumo. "Falta direção e metas. Ninguém sabe qual é a política. Eles não dizem onde vão cortar e afirmam que vão aumentar imposto, mas não há espaço para isso", frisou.

Análise da notícia

Fragilidade


Diante do baque sofrido com o rebaixamento do país, a presidente Dilma Rousseff decidiu restabelecer o poder do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para tratar da questão fiscal. Foi emblemático o fato de Levy estar acompanhado de seu secretário do Tesouro, Marcelo Saintive, e não do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, nas explicações sobre o desejo do governo de fazer um ajuste fiscal de verdade.

O problema é que ninguém mais acredita que Levy conseguirá levar adiante a arrumação das contas públicas. Estamos diante de um governo fraco, sem base política para fazer o que precisa ser feito. Mesmo que a presidente Dilma Rousseff apresente um programa de corte de despesas, não será suficiente para fechar as contas. O deficit previsto no projeto de Orçamento para 2016, de R$ 30,5 bilhões, está subestimado. Pode ser de pelo menos o dobro.

É por isso que o ministro da Fazenda defende tanto o aumento de impostos. O problema é que todos são contra meter a mão no bolso da população. O ministro pode até adotar um discurso mais consistente sobre o tema. Mas, no Congresso, está claro que PMDB, PT e oposição estenderão as mãos para Dilma. Levy, inclusive, pode cair antes de levar um não do Legislativo.


"Se a gente tiver que pagar um pouquinho de imposto para o Brasil ser reconhecido no mundo inteiro como um país forte, tenho certeza de que todo mundo vai querer isso"

"Temos que fazer um esforço adicional, para que tenhamos um país seguro para investidores, para trabalhadores, para as famílias. Isso implica ter condição fiscal sólida"