Correio braziliense, n. 19123, 04/10/2015. Economia, p. 11

Calote no cartão vai a 38%

04/10/2015 - Fonte:  Correio Braziliense - Edição Digital 
 

Especialistas recomendam cautela na hora de usar dinheiro de plástico (Ed Alves/CB/D.A Press - 7/8/14)

Especialistas recomendam cautela na hora de usar dinheiro de plástico


O calote no cartão de crédito não para de crescer. Quase quatro em cada 10 brasileiros que entraram no rotativo no cartão se declaram incapazes de honrar os débitos. Dados do Banco Central mostram que a inadimplência nessa linha de crédito chega a 37,6% - um recorde. As pessoas estão com o nome sujo porque não pagam as faturas há mais de 90 dias. A tendência, dizem os especialistas, é de que esse quadro piore nos próximos meses, uma vez que a nova classe C, que se empanturrou de crédito, diante das facilidades oferecidas pelos bancos, está sofrendo com a inflação alta, que corroeu o poder de compra, e é a maior vítima do desemprego.

Os educadores financeiros são enfáticos ao analisarem o atual nível de calote no cartão de crédito e ressaltam que os resultados já eram esperados, diante da elevada taxa de juros cobrada no rotativo do cartão. Os encargos médios, informa o BC, subiram 8,8 pontos percentuais de apenas de julho para agosto, chegando a 403,5% ao ano - a mais alta da série histórica elaborada pela autoridade monetária, iniciada em março de 2011. Mas há instituições, como a Financeira Cetelem, controlada pelo Banco BNP Paribas, que cobra 837,27% ao ano.

A orientação dos especialistas é para fugir do rotativo do cartão. No atual contexto econômico, com o orçamento apertado e o risco de demissões, as famílias que insistirem nessa linha de crédito acabarão sendo empurradas para a inadimplência. "As pessoas continuam com as mesmas necessidades de consumo que tinham antes da crise, mas não têm mais a mesma renda", explica o professor de finanças Marcos Melo, do Ibmec-DF. "A inflação alta, que encosta nos 10%, prejudicou demais a renda dos trabalhadores. E muitos buscam suprir as necessidades por meio das fontes que estão mais acessíveis, como o dinheiro de plástico", acrescenta. "Mas isso é um erro."

Descontrole
Apesar de ser a modalidade de crédito mais cara no mercado, o rotativo do cartão sempre aparece como a salvação da lavoura em momentos de dificuldade. Mas isso acontece porque muitas pessoas não conhecem outras opções de financiamento oferecidas pelos bancos, bem mais baratas, afirma o professor Jorge Arbache, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB). Nessa escolha equivocada pesa o fato de o cartão ser uma linha de crédito fácil de obter no banco, sem muitas exigências e burocracia - um dos fatores que justifica os juros altos. "O que atrai no rotativo do cartão é, principalmente, a facilidade. Além de não precisar pedir nada para ninguém, nem dar satisfação dos gastos, a pessoa ainda tem o prazo de alguns meses para resolver a situação antes que ela exploda", explica Marcos Melo.

O problema é que, quando o consumidor não consegue pagar a fatura, a dívida pode atingir cifras exorbitantes. O resultado é o ciclo vicioso do cartão de crédito: "Com os juros muito altos, a dívida aumenta, e as pessoas ficam com mais dificuldade para pagá-la. Devido à grande probabilidade de não receberem o valor devido, os bancos jogam os juros ainda mais para cima, o que gera mais calote", assinala Arbache.

Enquanto a combinação de inflação alta, juros elevados e desemprego continuar comprometendo a capacidade de pagamento dos brasileiros, a situação não tem como melhorar. "Do ponto de vista econômico, o pior ainda não passou. Temos muito o que enfrentar. Quando chegarmos ao auge da crise, levará meses para que o país retome o crescimento", diz o professor do Ibmec, que considera difícil prever quando isso acontecerá. Para ele, um dos entraves à recuperação é o embaraço político pelo qual o país está passando, "que não permite pavimentar um caminho para que as decisões possam ser tomadas".

Diante desse quadro dramático, alertam os especialistas, a ordem é fugir de dívidas, sobretudo daquelas tão caras como as do rotativo do cartão e as do cheque especial, cujos juros fecharam agosto em 253,2% ao ano, o nível mais elevado desde 1995. "O momento não é para se fazer dívidas. É de poupar para enfrentar os tempos difíceis que estão por vir", aconselha Melo.

Restrições
Para Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília (UnB),o índice de inadimplência no cartão deve continuar subindo nos próximos meses. A tendência, acredita ele, é de, a partir de agora, os bancos limitarem a concessão de cartões. "As pessoas que se endividaram para manter o padrão de consumo terão acesso restrito ao sistema financeiro e ficarão impedidas de usar cartão", ressalta. No entender dele, com a inflação alta por tanto tempo, a renda do brasileiro só deverá ter alívio a partir de 2018.