Título: O Estado sob a tentação do terror
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Fonte: Correio Braziliense, 09/09/2011, Mundo, p. 14

A guerra ao terror, declarada por George W. Bush em resposta imediata ao 11 de setembro, arruinou o orçamento dos Estados Unidos, atropelou os direitos humanos e o multilateralismo internacional. Após a destruição das Torres Gêmeas, sucederam-se a invasão do Afeganistão, um mês depois, e a do Iraque, no início de 2003. Centenas de suspeitos de terrorismo foram capturados pelo mundo afora e enviados a um campo de prisioneiros na base naval americana de Guantánamo, em Cuba ¿ onde, passados 10 anos, a maior parte continua confinada na qualidade de "combatentes ilegais", sem acusação nem processo legal, desprovida dos direitos garantidos aos prisioneiros de guerra pelas Convenções de Genebra. Tropelias e excessos, como a tortura na prisão iraquiana de Abu Ghraib, foram justificados em nome da segurança. E nem mesmo a execução de Osama bin Laden, em maio último, pode ser considerada um ponto final.

Analistas de relações internacionais, terrorismo e defesa ouvidos pelo Correio avaliam que a cruzada iniciada por Bush teve erros e acertos. Há quem diga que ela poderá se tornar mais discreta, sob Barack Obama, mas não deixará de influir no discurso e nas estratégias políticas. De forma geral, os especialistas consideram que essa guerra continuará por um longo tempo. "Apesar dos esforços, é possível afirmar que o terrorismo continuará sendo um instrumento disponível, embora perverso, para atender à vontade de indivíduos ou grupos dentro ou além dos limites estatais", destaca o mestre em relações internacionais Peterson Ferreira, pesquisador do Programa San Tiago Dantas, sistema de pós-graduação estruturado conjuntamente pela PUC-SP, Unesp e Unicamp.

"A ameaça do terrorismo é o que permite aos militares americanos e de outros países garantir polpudas verbas orçamentárias, a despeito da crise econômica mundial", especifica o jornalista Marcelo Rech, único brasileiro selecionado em 2009 para o curso de especialização em análise de terrorismo e contrainsurgência da Universidade Nacional de Defesa, em Washington. "Poderemos passar a ter ações de espionagem e missões específicas, em substituição aos combates abertos e às invasões que vimos na década passada, mas sempre com foco na neutralização de ameaças terroristas", acrescenta Bernardo Wahl, mestre em Pró-Defesa pelo Programa San Tiago Dantas e professor de relações internacionais das Faculdades Metropolitanas Unidas.

Sem limites Ferreira, Rech e Wahl apontam que o medo alimentou outro monstro: o terrorismo de Estado. Prática comum em governos instituídos por processos revolucionários ¿como a China e a hoje extinta União Soviética ¿, ele permite uma série de medidas condenáveis do ponto de vista dos direitos humanos, mas "aceitáveis" no aniquilamento de um inimigo considerado "pária". A síntese de seu ressurgimento ocorreu 45 dias depois do 11 de setembro, com a Lei Patriótica, uma espécie de carta-branca do Congresso para o governo, os militares e as agências de segurança e inteligência.

Do dia para a noite, suspeitos foram presos onde quer que se encontrassem. Muitos foram expatriados e levados às temidas prisões de Abu Ghraib (Iraque) e Guantánamo (Cuba), onde enfrentaram tratamentos semelhantes aos dos campos de concentração nazistas. Liberdades fundamentais e garantias de privacidade foram deixadas de lado, exemplo seguido por aliados como Espanha e Reino Unido, ambos também atacados pela Al-Qaeda ¿ respectivamente, em 2004 e 2005.

"Se, num primeiro momento, havia uma situação que permitia esses excessos, agora a opinião pública voltou a ter força para freá-los", considera o professor Ferreira. "Seria necessário um novo 11 de setembro para que esses excessos voltassem", acrescenta Rech. "Foi uma resposta desproporcional. Apesar das vitórias, como a morte de Bin Laden, isso causou aos EUA elevadas perdas econômicas, de imagem e de influência no cenário mundial", observa Wahl.