O globo, n. 30083, 18/12/2015. País, p. 3

Todo poder ao Senado

 

STF decide que senadores poderão rejeitar o afastamento de Dilma, que almoçou com Renan.

Numa vitória do governo e contrariando o rito que vinha sendo imposto pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o STF decidiu que o processo de impeachment da presidente Dilma deve seguir o trâmite adotado em 1992, quando Fernando Collor foi cassado. Com a anulação dos procedimentos adotados até aqui, a Câmara terá de eleger novamente, e em sessão aberta, a comissão que fará o parecer a ser votado em plenário. O STF decidiu que o Senado, onde a base governista é mais forte, pode rejeitar o processo, caso ele seja aberto pela Câmara. Com o recesso, o caso só será retomado após o carnaval. 1 AUTONOMIA DO SENADO

O Senado pode barrar uma eventual decisão da Câmara autorizando a instauração do processo de impeachment. A presidente Dilma Rousseff só poderá ser afastada do cargo e submetida a julgamento após votação prévia no Senado concordando com a decisão da Câmara de abrir o processo.

2 QUORUM NO SENADO

Para instaurar o processo de impeachment no Senado, é preciso a aprovação da maioria simples dos senadores, desde que a maioria absoluta esteja presente. É necessária a presença de pelo menos 41 dos 81 senadores. Entre os presentes, é preciso que haja mais votos a favor.

3 VOTO ABERTO

O Supremo entendeu que a eleição dos integrantes da comissão do impeachment na Câmara dos Deputados deve se dar pelo voto aberto. Como a votação realizada na semana passada foi feita com voto secreto, por determinação do presidente Eduardo Cunha, terá que ser anulada.

4 CANDIDATURA AVULSA

O STF determinou que só podem concorrer à comissão do impeachment deputados que sejam indicados pelos líderes partidários. Na eleição secreta realizada na Câmara, saiu vitoriosa uma chapa avulsa, integrada por deputados dissidentes e de oposição ao governo.

5 DEFESA DE DILMA

Não existe defesa prévia, anterior à aceitação do pedido de impeachment pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O momento da defesa será após a elaboração do parecer da comissão do impeachment e antes do julgamento na própria comissão da Câmara

-BRASÍLIA- O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem as regras para a tramitação do processo de impeachment no Congresso com duas importantes vitórias para a presidente Dilma Rousseff. A Câmara dos Deputados terá que anular boa parte do rito que tinha sido adotado pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Será preciso realizar nova eleição para escolher os integrantes da comissão do impeachment, com voto aberto e indicações de líderes dos partidos políticos, sem a possibilidade da apresentação de chapa avulsa. A segunda vitória para o governo foi a decisão de que o Senado tem poderes para arquivar previamente o processo assim que ele for enviado pela Câmara, antes mesmo de dar início ao julgamento do impeachment.

Pela decisão, a presidente só será afastada de suas funções, pelo prazo de até 180 dias, se os senadores aceitarem a denúncia da Câmara. A aprovação deve ser por maioria simples — ou seja, metade dos senadores presentes mais um. A autonomia conferida ao Senado dá nova esperança ao Palácio do Planalto, que conta com o apoio do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), para enterrar de vez o processo. Se o objetivo do governo não for atingido, na votação final no Senado são necessários dois terços dos senadores para condenar a presidente.

Para os ministros do STF, a eleição para a comissão do impeachment não deveria contar com representantes de uma chapa avulsa, como foi feito, mas com deputados indicados por líderes partidários. Eles também consideraram ilegal a votação secreta determinada por Cunha.

Por outro lado, o STF negou à presidente o direito de apresentar defesa anterior ao ato de Cunha de abrir o processo de impeachment. Dilma só terá o direito de se manifestar depois que a comissão do impeachment elaborar um parecer pela abertura ou não do processo, antes da votação desse parecer na comissão.

CUNHA TEM PRERROGATIVA DE ABRIR PROCESSO

O governo também foi derrotado em outro ponto. A ação julgada, de autoria do PCdoB, pedia que o tribunal declarasse Cunha suspeito para abrir o processo, por não ter a isenção necessária para isso. Os ministros foram unânimes ao declarar que o presidente da Câmara tem essa prerrogativa, mesmo que tenha interesses pessoais no processo de impeachment. Esclareceram que esse tipo de processo tem natureza político-jurídica, pois tramita no Congresso. Por isso, os julgadores não têm a obrigação de ser imparciais, como ocorre no Judiciário.

O julgamento começou na quarta-feira, com o voto do relator, ministro Edson Fachin. Ele negava os principais pontos pleiteados pelo governo. A reviravolta de ontem foi liderada pelo ministro Luís Roberto Barroso, o primeiro a votar depois do relator. Coube a ele defender o voto aberto, a proibição de chapa avulsa e a autonomia do Senado para aceitar ou rejeitar a denúncia.

O Planalto comemorou o resultado do STF. Mas, independentemente do rito, auxiliares de Dilma lembraram que será preciso ganhar no voto no Congresso. Antes do julgamento, Dilma e Renan Calheiros almoçaram juntos no Palácio da Alvorada. Depois, Renan comemorou. Disse que a Constituição é clara ao definir o poder do Senado, e que o STF apenas manteve o entendimento de outros processos de impeachment, sem citar especificamente o de Fernando Collor, em 1992. Descontraído, Renan terminou a sessão do Senado “encerrando o ano legislativo”, e disse que não há necessidade de convocação do Congresso, que entra em recesso a partir do dia 23.

— Vivemos no Brasil o bicameralismo. Você não pode afastar o presidente da República a partir da decisão de uma Câmara (Câmara dos Deputados), sem ouvir a outra Câmara (Senado). Na prática, não seria bicameralismo. Seria predominância de uma Casa sobre outra — disse Renan.

CUNHA CRITICA DECISÃO DO STF

Cunha, por sua vez, disse que pretende questionar a decisão do Supremo. Para ele, o STF mudou entendimento anterior:

— É claro que o Supremo mudou o entendimento que tinha com relação ao rito do Collor. Naquele momento, o ministro Celso de Mello teve o voto vencedor em que colocou claramente que o Senado não poderia mudar a Câmara. Então, houve mudança na jurisprudência do Supremo.

Cunha disse ainda que a decisão do Supremo “torna inócuos” artigos da Câmara sobre candidaturas avulsas na Casa:

— O que mais nos preocupa é a parte que toca na impossibilidade de candidaturas avulsas porque, de certa forma, não deixa de ser uma mudança e torna inócuos artigos regimentais da Casa, como eleição de candidatura avulsa à Mesa. Há uma ligeira confusão que vamos, através de embargos, tentar questionar.

O presidente da Câmara ainda levantou a possibilidade de o plenário não aprovar a chapa indicada pelos líderes para formar a comissão:

— Se o plenário rejeitar a chapa única, como é que vai ficar? Não vai ter comissão? Esse é um ponto que tem que ser esclarecido. O plenário pode rejeitar, se a maioria dos 513 não quiser votar ou votar contra essa chapa, como vai ser?

Na oposição, a aposta agora é na mobilização das ruas para virar o jogo. O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) diz que pouco importa se agora o processo tem que ser admitido no Senado.

— O que vai valer é o clamor das ruas. Com o recesso, teremos tempo para mobilizar as ruas, e o país inteiro estará de olho no voto de cada deputado e cada senador — disse Caiado.

O líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC), defenderá que a eleição dos integrantes da comissão do impeachment seja feita já na próxima semana, mas admite que o clima na Câmara ontem já era de despedida entre os deputados:

— Estou preocupado com quorum na próxima semana, mas minha bancada estará aqui. O melhor é eleger logo a chapa e trabalhar em janeiro. Vamos terminar a obra.

O ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Luís Inácio Adams, responsável pela defesa de Dilma, saiu satisfeito com o resultado:

— É um respeito aos eleitores da presidente Dilma. Não é um processo de atropelo, inquisitorial.

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Decisão eleva o cacife de Renan

JEFERSON RIBEIRO

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), elevou seu cacife político no processo de impeachment após a definição do rito do julgamento estabelecido pela Suprema Corte ontem, já que os ministros decidiram que o Senado poderá rever a decisão dos deputados sobre o impedimento.

Numa conta rápida, esse fortalecimento pode ser comemorado pela presidente Dilma Rousseff, porque Renan tem liderado dentro do PMDB, ao lado da seção fluminense da legenda, a resistência ao grupo peemedebista que articula o impeachment e está mais próximo do vice-presidente Michel Temer.

Nos últimos dias, Renan e Temer têm trocado insultos por meio da imprensa aprofundando as históricas divergências internas do PMDB. A decisão do STF pode aumentar a artilharia do presidente do Senado, que ontem mesmo deu pistas de que não amenizará a contenda com o vice ao pautar um pedido da oposição para que o Tribunal de Contas da União (TCU) audite decretos assinados por Temer e que poderiam evidenciar descumprimento da Lei Orçamentária.

Porém, como a Operação Lava-Jato também investiga Renan e outros senadores peemedebistas, esse cálculo pode acabar tendo um resultado bem diferente do que no cenário atual. Com o passar dos dias e das investigações, Renan pode se voltar contra o governo novamente, como esteve no começo do ano.

No Senado, o governo não pode dizer que tem uma maioria folgada para barrar o impeachment, mas tem, hoje, ao menos alguma capacidade de articulação política. É um certo alívio, considerando o cenário da Câmara, comandada pelo imprevisível Eduardo Cunha (PMDBRJ), que nutre ódio por Dilma e se tornou o principal alvo político da Lava-Jato depois que a Procuradoria-Geral da República pediu ao STF seu afastamento do mandato.

Ciente do poder nas mãos do presidente do Senado, Dilma tem se aproximado de Renan nas últimas semanas, levantando, inclusive, desconfianças de que mantém um acordo para retardar as investigações da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral contra ele, algo que parece bastante improvável.

Independentemente disso, Renan ganhou força política na batalha do impeachment a ponto de ter o mandato de Dilma em suas mãos e desafiar a liderança de Temer no PMDB, ainda mais se o impedimento for, ao fim, rejeitado e se Cunha, como parece, perder o mandato parlamentar.

Como Renan usará esse cacife depende sobretudo dos rumos da Lava-Jato, que investiga se ele foi beneficiário de propinas do esquema de corrupção na Petrobras, podendo se transformar em aliado vital ou carrasco.