O globo, n. 30084, 19/12/2015. Economia, p. 24

Quem banca a política econômica é a presidente, diz Jaques Wagner

CATARINA ALENCASTRO

Ministro da Casa Civil admite que governo pode ‘modular’ ajuste fiscal.

“A política fiscal, a política econômica como um todo, continua na mesma direção”
Nelson Barbosa
Ministro da Fazenda

Em meio à crise política e à maior recessão em duas décadas, Dilma dá comando da economia a titular do Planejamento, mais alinhado com PT. Empresários e analistas temem volta do modelo expansionista

Após meses de desgaste, Joaquim Levy deixou o Ministério da Fazenda e foi substituído por Nelson Barbosa, que ocupava o Planejamento. A troca foi recebida com ressalvas por empresários e economistas, que temem a volta da política fiscal expansionista. Barbosa, porém, fez questão de afirmar que a política econômica não muda e que o equilíbrio fiscal é prioridade. A Bolsa caiu 2,9% e o dólar subiu 1,43%, para R$ 3,949, com a notícia da saída de Levy. A escolha de Barbosa foi comemorada pelo PT e pela CUT, que espera maior adesão nos protestos contra o impeachment. A presidente Dilma Rousseff fez ontem a troca que o PT e a área social do governo tanto queriam na equipe econômica. O comando do Ministério da Fazenda saiu das mãos do liberal Joaquim Levy e passou para o desenvolvimentista Nelson Barbosa, até então titular do Planejamento. Preocupado com a reação do mercado a seu nome — muitos economistas e empresários temem que a troca de Levy por Barbosa represente a volta de uma política fiscal expansionista — o novo ministro da Fazenda deu ontem sua primeira entrevista coletiva defendendo as propostas do seu antecessor e garantindo que não haverá uma ruptura. Prometeu compromisso com o rigor fiscal, com a realização de superávits primários (economia para pagar juros) capazes de reduzir a dívida pública, com o combate à inflação e com reformas, começando pela da Previdência Social.

— A política fiscal, a política econômica como um todo, continua na mesma direção. Direção de buscar o reequilíbrio fiscal, controlar o crescimento da dívida pública, de elevar o resultado primário da União, controlar a inflação — disse o ministro, que acrescentou depois: — Com foco no controle das despesas, vamos conseguir produzir os resultados primários necessários para estabilizar a dívida pública e depois reduzir a dívida pública. Com a estabilização fiscal, vamos, de um lado, ajudar o combate à inflação e também acelerar a recuperação do crescimento.

META FISCAL FOI GOTA D’ÁGUA

Na tentativa de tranquilizar o mercado que tanto defendeu Levy, Barbosa repetiu várias vezes que o principal desafio do Brasil é o fiscal. As ações de curto prazo, segundo ele, são o pagamento das “pedaladas” de 2015 e a meta de superávit primário prevista para 2016. Ele garantiu que trabalhará para cumprir a meta fiscal de superávit de 0,5% do PIB aprovada pelo Congresso, apesar de o Planalto ter defendido um resultado menor, com abatimentos que, na prática, permitiriam ao governo não fazer qualquer economia em 2016. Perguntado sobre a desconfiança do mercado financeiro a seu nome, afirmou:

— É natural que haja avaliações divergentes do mercado financeiro. Isso se traduz numa flutuação de curto prazo de preços de ativos, mas, à medida que ficar cada vez mais claro que o governo continua na direção do reequilíbrio fiscal, do controle da inflação, essas oscilações vão se dissipar, e as avaliações vão melhorar em relação à economia brasileira.

A saída de Levy vinha sendo anunciada há meses, mas foi acelerada depois de um forte desgaste justamente por causa da meta fiscal de 2016. O ex-ministro queria manter 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) e condicionou sua permanência a este número. Para que ele fosse atingido, porém, o Congresso previu um corte de R$ 10 bilhões no Bolsa Família.

Com isso, o Planalto saiu do lado de Levy e se alinhou com Barbosa, propondo ao Legislativo a redução da meta para 0,5% do PIB. Menos de 24 horas depois, a agência de classificação de risco Fitch retirou do país o grau de investimento, selo de bom pagador. Levy, então, avaliou que depois de sucessivas derrotas, não tinha mais sentido continuar no governo.

Com pouco tempo para fazer a troca — Levy deixou claro que não permaneceria no cargo por muito tempo — a presidente optou por uma solução caseira. Mas antes mesmo do anúncio do novo nome, interlocutores do Planalto se apressaram em dizer que não haveria qualquer guinada brusca na condução da economia.

— Não vai ter populismo, guinada e nem um retorno à matriz econômica do primeiro mandato — afirmou uma fonte do governo.

Em seu último dia no cargo, Levy divulgou uma carta na qual defendeu seu trabalho durante pouco mais de um ano à frente da Fazenda, indicando ter achado injusto o bombardeio que sofreu por parte do PT, e ressaltando que sua agenda nunca foi excessivamente fiscal.

Em nota, a presidente Dilma agradeceu a dedicação de Levy, que, segundo ela, teve “papel fundamental” no enfrentamento da crise econômica. Para o lugar de Barbosa no Planejamento foi o ex-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Valdir Simão. Na CGU ficará interinamente o secretário-executivo, Carlos Higino.

Em sua primeira fala como ministro da Fazenda, Barbosa disse que vai trabalhar junto com o Congresso para aprovar as medidas de ajuste fiscal pendentes, como a recriação da CPMF e a DRU (Desvinculação de Receitas da União). Também afirmou que encaminhará a proposta de reforma da Previdência no início de 2016. Ele ainda mencionou a reforma do PIS/Cofins, enviada por Levy à Casa Civil, para simplificar o sistema tributário.

Barbosa citou o trabalho feito conjuntamente por ele e Levy, como a mudança nas regras de pensão por morte, de auxílios sociais e o contingenciamento de R$ 78 bilhões de gastos deste ano.

— Estamos empenhados na redução da inflação, o Banco Central vem adotando as medidas necessárias para trazer a inflação para o centro da meta do período. Esse esforço está em andamento e começará a gerar frutos no próximo ano com a redução da inflação de modo a começar a melhorar o poder de compra das famílias brasileiras — afirmou.

PARA LULA, LEVY ESTAVA INSUSTENTÁVEL

Barbosa teve de responder várias vezes sobre as incertezas que sua entrada na Fazenda já começava a gerar. Demonstrando tranquilidade, respondeu calmamente:

— Prefiro não ter o debate sobre política macroeconômica com base em estereótipos ou caricaturas. Estamos aqui não para aprovar ou refutar teses. Estamos focados em resolver os problemas do presente para construir um futuro melhor.

Nos bastidores, o ex-presidente Lula deu aval para a substituição de Levy. Na quarta, ele esteve em Brasília com aliados e disse que a situação de Levy era insustentável:

— Essa divisão não dá mais — disse. Apesar do esforço do novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, de pregar a continuidade do ajuste fiscal tocado por Joaquim Levy, o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, evidenciou ontem que a estratégia do governo por trás da troca de comando é uma mudança gradual na condução da política econômica. Segundo ele, as escolhas do governo são feitas pela presidente Dilma Rousseff e aos ministros cabe executá-las.

— Há um equívoco dos que fazem uma leitura dos caminhos do governo da presidente Dilma. Quem banca a política econômica não é o ministro da Fazenda, quem banca a política econômica é a presidente da República, e ela convoca o ministro da Fazenda para cumprir. Evidentemente que discute com ele, mas se ilude quem aponta um fuzil para este ou aquele ministro. Se agora ela entender que está na hora não de sair do ajuste, mas de modular o ajuste, aí é uma questão pessoal dela — disse, em encontro com jornalistas antes do anúncio oficial da saída de Levy.

PREOCUPAÇÃO COM CRESCIMENTO

A declaração explicita o que no entorno da presidente se discutia freneticamente nas duas últimas semanas. Pressionada pelo impeachment, que reforçou a necessidade de aglutinar a base de apoio no Congresso e nos movimentos sociais, e pela mais grave recessão brasileira em 25 anos, Dilma chegou à conclusão de que precisa trabalhar para “tirar a economia do buraco”.

Esta meta embute a percepção de que são necessárias medidas que, ainda que com baixo impacto fiscal, estimulem o crescimento e a retomada dos investimentos e estanquem o desemprego. Porém, este objetivo se chocava com o receituário de Levy, centrado no ajuste fiscal.

Não foi coincidência, desta forma, o fato de que a gota d’água para a saída de Levy tenha sido a discussão da meta de superávit primário (economia para pagamento de juros da dívida) de 2016. Mesmo quando Dilma deu sinal verde para a equipe econômica trabalhar com um número menor, de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), o agora ex-ministro articulou pessoal e incisivamente com o Congresso a aprovação da meta original de 0,7%.

Com a troca, Dilma fortaleceu ainda o PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pressionaram nos últimos meses pela substituição.

Umas das principais críticas do grupo era a de que Joaquim Levy fazia um discurso muito parecido com o do mercado financeiro e das agências de classificação de risco, focado nos problemas e nas dificuldades de passar o ajuste, esquecendo de ressaltar que o esforço fiscal do governo ao longo de 2016 foi imenso, com corte de despesas em todas as áreas.

Esta corrente do PT, da qual Jaques Wagner é um dos principais integrantes, defendia há meses que Barbosa tinha perfil mais habilidoso para transmitir a mensagem de que o governo não está parado.

Wagner deixou isso claro ontem. Ao comentar o perfil que um ministro tem que ter, disse que não adianta nada ser puramente técnico ou um grande político se não resolver o problema do governo. Em momentos de crise, o ideal é que o portador das más notícias seja sensível:

— Quando você conclui que há um desequilíbrio fiscal e que é preciso fazer uma arrumação não é bom para ninguém. Evidentemente quando você tem que trazer uma notícia que é dura, melhor que quem a traga... O mensageiro tem que ser jeitoso. Mas eu não quero fazer nenhum juízo de valor sobre a atuação do ministro Levy.

Wagner afirmou ainda que tem ido a São Paulo ouvir especialistas da área econômica e representantes do meio empresarial a pedido de Dilma. Segundo ele, “a grande pergunta” é qual o melhor caminho para a economia, para o desenvolvimento do país e para a retomada da geração de emprego.

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Um economista com habilidade política

MARTHA BECK

Egresso da UFRJ, novo ministro integra governo do PT desde o início, aproximou-se de Lula e Dilma e ajudou na formulação de PAC e Minha Casa.

Barbosa e Levy se entendiam em relação a 90% dos assuntos. O problema estava nos outros 10%

O economista Nelson Barbosa era o nome que sempre aparecia na lista de apostas para ocupar um cargo importante na equipe econômica da presidente Dilma Rousseff. Isso, no entanto, só ocorreu em 2015, com o início do segundo mandato, quando foi convidado a comandar o Ministério do Planejamento. No cargo, a pasta retomou o protagonismo que havia perdido durante a gestão de Miriam Belchior.

Com um perfil desenvolvimentista, Barbosa — próximo de Dilma desde quando ela chefiava a Casa Civil e trabalharam juntos em projetos como o novo marco do petróleo, e também do ex-presidente Luiz Iná cio Lula da Silva — foi o contraponto à escolha de Joaquim Levy, de perfil liberal e saído da escola de Chicago, para o Ministério da Fazenda. Quem conhece os dois já dizia em janeiro que a mistura poderia “dar muito certo ou muito errado”.

Interlocutores da equipe econômica afirmam que Barbosa e Levy se entendiam em relação a 90% dos assuntos. O problema estava nos outros 10%. Levy chegou ao governo com um duro plano de ajuste fiscal para tentar resgatar a credibilidade perdida por causa das “pedaladas fiscais" do primeiro mandato de Dilma. Barbosa também reconheceu que o ajuste era necessário.

No entanto, os dois nunca se entenderam em relação ao tamanho do esforço que a economia brasileira teria condições de suportar. Ao longo de 2015, a arrecadação entrou em queda livre e a saída para garantir as metas fiscais foi cortar gastos. O Planejamento fez um contingenciamento de quase R$ 80 bilhões, o maior desde a adoção da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mas mesmo assim não foi possível atingir os números propostos.

As divergências aumentaram, pois Barbosa passou a defender uma redução do esforço fiscal para não piorar ainda mais a retração da economia, fazendo dobradinha com o então chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Foi, assim, com sua flexibilidade e habilidade de costurar apoio político, angariando o apoio do PT, que passou a defender sua transferência à Fazenda.

Levy, por sua vez, continuava convicto de que era preciso manter o compromisso fiscal. Nas batalhas em torno do contingenciamento do Orçamento de 2015, das revisões da meta fiscal deste ano e de 2016, Barbosa saiu vencedor.

No primeiro mandato de Dilma, Barbosa trabalhou no Ministério da Fazenda de 2006 a 2013 onde comandou as secretarias de Acompanhamento Econômico, de Política Econômica e Executiva. O economista ajudou a elaborar as medidas que o governo adotou para combater a crise internacional, a partir de 2008, além do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Minha Casa Minha Vida. Embora não seja filiado ao PT, ele também trabalhou no comitê de reeleição do presidente Lula e ajudou a formular o programa econômico da primeira campanha de Dilma.

Na Fazenda, chegou a despertar ciúmes no então ministro da Fazenda Guido Mantega, com o qual trabalhara no BNDES no primeiro mandato de Lula. A partir de 2012, passou a disputar espaço com o chefe e com o secretário do Tesouro, Arno Augustin, de quem discordava na forma de conduzir a política fiscal que resultou nas pedaladas que hoje rendem dor de cabeça à Dilma. Na queda-de-braço, acabou perdendo espaço e preferiu deixar o governo em 2013.

Ter deixado o governo, no entanto, não livrou Barbosa de também responder como uma das 17 autoridades responsáveis pelas pedaladas do primeiro mandato. Ele foi incluído no processo que está no TCU porque, em 2012, assinou, como interino de Mantega, uma portaria que fixava um prazo de 24 meses para que a União pagasse ao BNDES equalizações de juros do Programa de Sustentação do Investimento.

Nascido no Rio em 1969, Barbosa formou-se em Economia pela UFRJ em 1992. Lá concluiu ainda o mestrado em 1995. O doutorado fez na New School of Social Research, em Nova York, finalizado em 2001.