O globo, n. 30084, 19/12/2015. Economia, p. 25

‘O tempo mostrará os resultados’

 

GABRIELA VALENTE, BÁRBARA NASCIMENTO E MARTHA BECK

Convocado para ser fiador da política econômica, Levy enfrentou forte oposição interna e acabou isolado.

Quando assumiu o cargo de ministro da Fazenda, no início deste ano, Joaquim Levy não imaginava que deixaria o governo em tão pouco tempo. O prestígio que tinha naquela época foi corroído pelas sucessivas derrotas nos embates internos. Seu último dia no cargo foi melancólico. Pela manhã, com bom humor e leveza, ele tomou café com jornalistas. A tradição anual foi também uma despedida. Antes mesmo do fim da tarde, foi — sob uma chuva fina — ao Palácio do Planalto selar seu destino.

Desamparado pela presidente Dilma Rousseff, Levy deixou o posto por não conseguir fazer com que suas ideias de mudanças profundas e forte ajuste fiscal vingassem. E entrará para a História como fiador de uma guinada na política econômica que nunca ocorreu. Ele ainda carregará o fardo de ser o comandante da economia no ano da sua degradação.

Porém, fiel ao estilo combativo e resoluto, Levy deixou o cargo que ocupou por menos de 12 meses, ontem, defendendo seu legado. Na lista de conquistas, elencadas em carta aberta de prestação de contas das atividades de 2015, ele citou o que considera avanços de sua gestão, como revisão de subsídios, encaminhamento das reformas do PIS/Cofins e do ICMS e projetos de melhoria do ambiente de negócios, para estimular investimentos — uma clara defesa contra a acusação frequente de que foi o ministro dos cortes, não do crescimento.

SELFIES, NO ÚLTIMO DIA NO CARGO

“O tempo saberá mostrar os resultados que se colherão de tudo que foi feito até agora nesse ano e que, tenho certeza, ainda será feito para trazer o Brasil de volta para o caminho do crescimento, com transparência, responsabilidade fiscal e justiça”, escreveu. Com sua rápida passagem pela Fazenda, Levy será o primeiro ministro a cair com menos de um ano de cargo desde Rubens Ricupero, que saiu do governo em 1994 após ter uma conversa informal com jornalista vazada no episódio que ficou conhecido como "escândalo da parabólica".

Durante quase duas horas de café manhã, Levy driblou as mais de dez perguntas sobre a sua permanência no posto. Tirou fotos e selfies e cumpriu até o fim com disciplina o papel de defender o ajuste fiscal e as reformas que o Brasil precisa para voltar a crescer.

O ministro ressaltou que chega ao fim de 2015 preocupado com a situação do país, mas confiante na capacidade de reação da economia, sobretudo após a perda do grau de investimento pela segunda agência de classificação de risco, a Fitch. De saída, ele procurou não deixar transparecer nenhuma mágoa com o governo. Apesar de ter enfrentado vários embates no Congresso Nacional, onde ia quase que diariamente em busca de apoio, com a presidente Dilma e, principalmente, com o seu sucessor no cargo, o ex-ministro do Planejamento Nelson Barbosa, sobre a intensidade e a forma do ajuste fiscal, Levy exaltou o trabalho em equipe.

Em relação ao Legislativo, ele afirmou ter tido uma “experiência muito positiva” e destacou que as conquistas deste ano foram resultado de um trabalho em conjunto com Banco Central e os ministérios do Planejamento, Indústria e Comércio e Agricultura. Mas como uma de suas últimas missões, também cobrou do Congresso coerência em relação ao Orçamento de 2016. Segundo ele, se os parlamentares aprovaram uma meta de superávit primário de 0,5% do PIB para o ano que vem, eles precisam dar ao governo condições de obter receitas que garantam esse resultado.

Perguntado sobre onde passaria o Natal, respondeu: “não sei”. E ao ouvir se sentia desc onfortável, rebateu:

—Eu espero continuar confortável em tudo o que eu faço —rebateu.

A trajetória de enfraquecimento de Levy dentro do governo se confunde com a deterioração da economia ao longo de 2015, dando contornos concretos ao papel de fiador que exercia, perante mercado e empresários. Assim que tomou posse, o Brasil tinha selo de bom pagador, o chamado grau de investimento, de três grandes agências internacionais de classificação de risco. Só resta um. A expectativa era crescer 0,15% neste ano; teremos recessão de 3,6%. No início de 2015, a expectativa era que a inflação ficaria abaixo do teto da meta de 6,5%, mas é certo que a alta de preços será de dois dígitos.

No auge da onda de credibilidade, em janeiro, ele foi para o Fórum Econômico Mundial em Davos defender que era preciso ter "paciência e humildade" com o comportamento da economia brasileira em 2015. Queridinho dos investidores, o "Chicago Boy" — da ultraortodoxa escola da cidade americana —foi extremamente bem recebido. O engenheiro naval de 53 anos era a cara da recuperação econômica do país. Numa rotina workaholic, passou a trabalhar em duas frentes: cortar gastos e aumentar a eficiência da economia.

Nada disso foi suficiente para que o ex-presidente Lula o aceitasse cargo. O bombardeio era constante. Levy devolvia com rumores que deixaria a pasta, para a irritação da presidente Dilma. Genioso foi um adjetivo que ganhou em sua segunda passagem pelo governo. Na gestão Lula, foi secretário do Tesouro Nacional, responsável pelo ajuste fiscal da época.

DIVERGÊNCIAS DO FUTEBOL À ECONOMIA

Ao longo de 2015, Barbosa e Levy tentaram abafar as brigas. O então ministro do Planejamento chegou a dizer que sua principal divergência com Levy é "que ele é Botafogo e eu sou Vasco". Diferentemente dos campos de futebol, o vascaíno subiu para a série A da equipe econômica e o botafoguense foi rebaixado. Até a mudança anunciada ontem, o caminho foi longo.

E terminou com o debate sobre a meta fiscal de 2016. Barbosa convenceu a presidente Dilma a diminuir a meta de economia para pagar juros da dívida no ano que vem para 0,5% do PIB. Levy, que defendia 0,7% do PIB, nem foi consultado. Foi a gota d´água da falta de prestígio. Ele realmente abandonou o barco.

Antes disso, foram várias ameaças. Até uma carta de demissão, Levy chegou a escrever, mas não enviou à chefe. Amigos do ex-ministro dizem que ele realmente tinha espírito público e achava que conseguiria estancar a crise. Por isso, trocou o cargo em um grande banco para ser ministro, segundo pessoas próximas, com uma forte queda na renda:

— Levy é inteligente demais para gostar de dinheiro — disse um assessor. A troca de comando no Ministério da Fazenda foi recebida com desconfiança por economistas e empresários. Para muitos deles, a entrada de Nelson Barbosa no lugar de Joaquim Levy representa a adoção de agenda econômica já utilizada no país — que não funcionou. Barbosa é conhecido por ser o idealizador da chamada nova matriz econômica, quando era secretário executivo da Fazenda do ex-ministro Guido Mantega. Implantado no primeiro mandato de Dilma Rousseff, o conjunto de medidas elevou gastos públicos com o objetivo de aquecer a economia, mas é considerado uma das razões da crise atual.

Para o ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, o desafio de Barbosa será construir “uma nova narrativa” para ele no governo.

— É um grande economista, um acadêmico bem preparado no exterior, mas seu nome ficou associado à nova matriz econômica do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, que foi um dos maiores desastres da política econômica do governo. Além disso, Barbosa mostrou resistência a Levy e isso teria contribuído para seu cansaço e saída do ministério — afirmou o ex-ministro.

Maílson lembrou que a ideia de um superávit primário (economia do governo para pagar os juros da dívida pública) móvel para 2016, defendida por Barbosa, “não faz o menor sentido”. Além disso, o ex-ministro avalia que a proposta do governo de voltar a conceder financiamentos a estados e municípios em troca de apoio político contra o impeachment acabou contribuindo para a saída de Levy.

A lembrança da nova matriz econômica também foi destaque no mercado financeiro. O economista Alberto Ramos, do Goldman Sachs, chegou a brincar com o termo, ao intitular de “Matrix Reloaded” o relatório divulgado ontem sobre a mudança na equipe econômica. Referência ao filme de mesmo nome, o termo em inglês significa algo como a “reedição da matriz”. “Em síntese, segundo a sua visão, crescimento e desenvolvimento devem emanar de expansão fiscal, taxas de juros mais baixas, desvalorização do câmbio, proteção comercial, regras de conteúdo legal e políticas de substituição de importações. A experiência não entregou o que a teoria prometeu e deixou para trás grande quantidade de desequilíbrios macroeconômicos, incluindo um quadro fiscal severamente enfraquecido”, avaliou Ramos.

VOTO DE CONFIANÇA DO BRADESCO

A troca por um quadro de dentro do governo, no lugar de um novo nome do mercado, era inevitável, na avaliação de Zeina Larif, economista-chefe da XP Investimentos. A analista destacou que Barbosa era o “candidato natural” para substituir Levy e lembrou que, no atual cenário, tentar repetir a estratégia de nomear um nome mais próximo ao mercado não surtiria efeito.

— O Levy durou seis meses. Aquela revisão de meta para baixo em julho foi um divisor de águas. Acha que agora que a gente já perdeu investment grade, qual seria a duração de um ministro do mesmo perfil? — ponderou Zeina.

O empresariado também viu com ressalvas a indicação de Nelson Barbosa para substituir Joaquim Levy no Ministério da Fazenda. O presidente da Riachuelo, Flávio Rocha, afirmou que a nomeação de Nelson Barbosa para a Fazenda “distancia o Brasil do que deveria ser feito, que é o ajuste fiscal”:

— Ele é o ministro da gastança. E foi até agora o principal obstáculo para o ajuste fiscal. Não acho que essa nomeação está alinhada ao bom senso.

Rocha frisou que, com Barbosa na Fazenda, “2016 será mais difícil do que este ano”, citando que o varejo fechará 2015 em um dos piores níveis de vendas da história.

Já o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, reconhece que o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, tem uma visão de política econômica diferente do exministro Joaquim Levy, mas considera que ele dará prioridade às questões fundamentais e conseguirá afinar o discurso do governo. “O ministro Nelson Barbosa tem visões diferentes em relação ao ex-ministro Joaquim Levy. Isso não significa que as questões fundamentais deixarão de ser prioritárias, dada a dimensão dos desafios que temos à frente", afirmou, em nota.

A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) divulgou nota desejando sorte ao novo ministro e se colocando à disposição para discutir as mudanças necessárias. “O Brasil passa por um momento desafiador. Como tem sido uma marca ao longo da nossa história, a Anbima está à disposição do governo para contribuir e discutir com a nova equipe econômica caminhos que ajudem o país a superar o cenário atual”, afirmou, em nota, Denise Pavarina, presidente da entidade.