EDUARDO BRESCIANI, EVANDRO ÉBOLI, ISABEL BRAGA, JÚNIA GAMA E LETÍCIA FERNANDES
Colaboraram Catarina Alencastro, Simone Iglesias e Cristiane Jungblut
Oposição derrota governo em formação de comissão, mas votação secreta provoca impasse.
Chapa com deputados contrários a Dilma obteve 272 votos contra 199 do grupo governista, num indicativo de que o Planalto não teria hoje folga confortável para conseguir evitar a aprovação do impeachment.
Horas depois de a Câmara impor derrota ao governo ao aprovar chapa de dissidentes e oposição para a comissão do impeachment da presidente Dilma, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu ontem à noite todo o processo até a próxima quarta-feira, quando o plenário do tribunal decidirá qual rito deve ser adotado para o caso. Fachin manteve, porém, a validade da tumultuada sessão da Câmara de ontem, quando a chapa de oposição foi aprovada por 272 votos contra 199 do grupo governista. Deputados chegaram a trocar empurrões e até quebrar urnas de votação. A liminar de Fachin foi provocada por ação do PCdoB, que contestou a votação secreta determinada pelo presidente da Câmara e adversário de Dilma, Eduardo Cunha (PMDB). Fachin indicou que há base jurídica para a ação que questiona a votação secreta. Derrotado, o líder do PMDB, Leonardo Picciani, que se aproximou de Dilma contra o grupo ligado ao vice Michel Temer, deve perder o cargo. -BRASÍLIA- Na primeira votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o governo sofreu uma dura derrota. A maioria absoluta da Câmara se posicionou a favor de uma chapa formada pela oposição e por dissidentes da base para conduzir o processo. Mas o processo foi paralisado: em decisão liminar, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu ontem à noite suspender qualquer atividade parlamentar relativa ao processo de impeachment até a próxima quarta-feira, quando o plenário do tribunal vai decidir qual rito deve ser adotado para o caso. Fachin manteve, porém, a validade da sessão de ontem que, em votação secreta, elegeu, por 272 votos a 199, a chapa alternativa integrada por deputados de oposição e dissidentes da base governista para a comissão do impeachment.
A decisão de Fachin foi motivada por um pedido feito horas antes pelo PCdoB, que questionou a votação secreta determinada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e também a apresentação de chapa avulsa da oposição e dissidentes.
“Com o objetivo de evitar a prática de atos que eventualmente poderão ser invalidados pelo Supremo Tribunal Federal, obstar aumento de instabilidade jurídica (...), impende promover, de imediato, debate e deliberação pelo Tribunal Pleno, determinando nesse curto interregno, a suspensão da formação e a não instalação da Comissão Especial, bem como a suspensão dos eventuais prazos, ao menos até a decisão do STF prevista para 16/12”, escreveu o ministro.
Na decisão, Fachin sinalizou que a votação da Câmara deveria ser aberta, já que a Constituição não prevê sessão secreta para a formação da Comissão do Impeachment. “Verifica-se, na ausência de previsão constitucional ou legal, bem como à luz do disposto no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a plausibilidade jurídica do pedido”. No entanto, ele preferiu deixar a controvérsia para ser resolvida no plenário, com os onze ministros presentes.
VOTAÇÃO SECRETA E TRAIÇÕES A sessão da Câmara na tarde de ontem foi marcada por tumulto, tentativa de destruir os terminais de votação e até troca de empurrões entre deputados. Cunha chegou a suspender o som do plenário, para evitar discursos. Com a vitória da chapa da oposição e de dissidentes da base aliada do governo, a expectativa é que 60% dos integrantes da comissão do impeachment, 39 de 65, entrem no debate com tendência pelo afastamento da presidente.
O fato de a votação ter sido secreta facilitou as “traições” entre os aliados, e a carta escrita na véspera pelo vice-presidente Michel Temer foi descrita por vários parlamentares como fator importante para que o governo sofresse uma derrota com tamanha diferença de votos. Restou aos governistas apenas ressaltar que ainda faltam aos adversários 70 votos para alcançar os 342 necessários para conseguir aprovar a abertura do processo do impeachment em plenário.
A chapa alternativa foi montada pela oposição com dissidentes de quatro partidos da base, PMDB, PP, PSD e PTB, e teve a benção do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
— Esse governo está próximo do seu fim, e a culpa é da falta de força e credibilidade desse governo, que não tem a confiança nem de sua base — afirmou o líder do PSDB, Carlos Sampaio (SP).
O governo esperava uma decisão liminar de Fachin, que só veio após o encerramento da sessão.
— Os mecanismos utilizados geraram esse resultado em uma eleição artificial desobedecendo a regra regimental. Estamos seguros que o Supremo vai reverter essa decisão — disse o líder do governo, José Guimarães (PT-CE), logo após o anúncio da derrota.
O Palácio do Planalto adotou a cautela ao fim da votação. Auxiliares da presidente afirmam que ainda é cedo para uma avaliação definitiva sobre o risco real de um impeachment, mas reconhecem ter sido negativo perder o controle da comissão. Eles também condenaram a votação secreta.
— Foi uma votação conduzida de forma ilegal para chegar a esse resultado — disse um ministro palaciano ao GLOBO.
Outra fonte palaciana pontuou que o processo é longo e que de nada vale ganhar essa primeira batalha, se a guerra, como um todo, for perdida.
— A guerra está só começando. Esta foi uma vitória de Pirro — disse um assessor da presidente.
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, disse ao GLOBO que Cunha liderou a oposição para “constranger” o governo, mas ganhou apenas um “round”.
— Não é fácil conseguir os dois terços de votos necessários para o impeachment. Houve um round, com demonstração de força de Cunha, liderando a oposição. Mas esses 70 votos de margem mostram que quem vota com o governo está com o governo. Adams criticou a votação secreta: — Tiveram medo de publicizar quem votou contra o governo. No voto aberto será diferente, terão de assumir suas convicções.
Como a votação foi secreta, o Planalto acredita ter margem para ampliar seus votos quando o tema for levado a plenário. Os ministros Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) e Jaques Wagner (Casa Civil) convocarão uma reunião hoje, com os líderes da base aliada, para avaliar o quadro.
Para completar as 26 vagas que faltam ser preenchidas na Comissão do Impeachment, uma eleição suplementar está prevista para hoje. Cunha deu até as 14 horas para que os líderes dos partidos que não estavam na chapa vencedora — PT, PCdoB, entre outros — indiquem seus representantes. Apesar de pouco provável, poderá haver nova chapa alternativa caso haja ao menos 14 dissidentes nos partidos que ainda não tiveram suas vagas ocupadas.
Cunha negou ter feito manobras e disse que usou o regimento para decidir pela votação secreta. Afirmou que o caso é diferente do de Delcídio Amaral (PT-MS) porque se trata de uma eleição. Usou a mesma justificativa para o fato de ter aceito a inscrição de uma chapa alternativa:
— Eu estou absolutamente seguro de que a gente cumpriu o regimento.
___________________________________________________________________________________________________________________
“A regra é o voto aberto” ” Ayres Britto “Não vejo atropelo da Constituição ao se buscar no regimento interno as regras” Carlos Veloso
-BRASÍLIA- A discussão sobre o voto secreto para escolher integrantes da comissão de impeachment da presidente Dilma Rousseff divide até expresidentes do Supremo Tribunal Federal (STF). Para Ayres Britto, a votação precisa ser aberta, porque a Constituição Federal não menciona textualmente o voto secreto. Ayres Britto frisa que, para determinadas decisões do Parlamento, o texto constitucional é expresso em determinar a votação não pública. Onde não houver essa previsão, afirma o jurista, a escolha tem de ser às claras:
— Se a Constituição silencia, é porque é voto aberto. A regra é o voto aberto, até porque o representante, mesmo que seja o partido, não pode esconder o jogo do representado. E, nessa matéria, a Constituição Federal silenciou.
Para Carlos Veloso, também expresidente do Supremo, não há previsão constitucional específica para a formação de comissão que analisará o impeachment da presidente. Assim, segundo ele, fica a cargo da própria Câmara dos Deputados definir como se dará a eleição. Veloso defende que, se a Constituição não trata do tema, pode-se recorrer ao regimento interno da Câmara para estabelecer as regras.
— Sou sempre favorável ao voto aberto. Voto fechado é para o eleitor. Mas veja que, no caso, trata-se de eleitores também, que vão escolher os membros da comissão. Não vejo atropelo da Constituição ao se buscar no regimento interno as regras — disse Carlos Veloso.