Valor econômico, v. 16, n. 3946, 19/02/2016. Política, p. A8

Remessas de FHC ao exterior não devem ter efeito jurídico

Por André Guilherme Vieira, Vandson Lima e Thiago Resende | De São Paulo e Brasília

 
 
 
Leonardo Rodrigues/Valor - 16/3/2015FHC: ainda que se comprove seu envolvimento em ato ilícito, ex-presidente se beneficiaria dos prazos prescricionais

 

É remota a possibilidade de o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ter problemas judiciais decorrentes de remessas ao exterior, feitas de 2002 a 2006, para custear despesas do filho da jornalista Mirian Dutra, que, ela alega, seria fruto do relacionamento que tiveram.

Um dos pontos que jogam a favor do tucano é o dos prazos prescricionais. A prescrição é um instituto legal que visa a regular a perda do direito de se mover uma ação judicial devido ao transcorrer de determinado período de tempo. A opinião é de um ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e de juízes e procuradores da República consultados pelo Valor.

Em entrevista à edição de ontem do jornal "Folha de S. Paulo", Mirian, que se relacionou com FHC até 1992, afirmou que recebeu recursos da Brasif S.A., por meio de um contrato de trabalho que seria fictício. A jornalista teve um filho em 1991, que alega ser do ex-presidente. FHC diz que testes de DNA comprovam não ser ele o pai biológico do rapaz.

O empresário Jonas Barcellos, da Brasif, não desmentiu o acerto, segundo a "Folha". "Tem alguma coisa mesmo sim", disse, acrescentando: "Eu só não sei se era contrato". Em 2006 a Brasif foi vendida para o grupo suíço Dufry.

Mirian disse que a suposta transferência de valores se deu em contrato assinado em dezembro de 2002, com validade até dezembro de 2006. Na época, ela morava em Portugal e teve uma mudança em seu contrato de trabalho com a TV Globo, que implicou em uma redução de seus vencimentos, afirma.

O artigo 109 do Código Penal estabelece em 20 anos o prazo máximo de prescrição de um crime cuja pena seja superior a 12 anos. No entanto, se o acusado tem mais de 70 anos, o tempo de prescrição é reduzido à metade. FHC tem hoje 84 anos.

Ainda que eventualmente tenha cometido crime durante o exercício de seu mandato presidencial, FHC não tem direito à prerrogativa de foro, segundo disseram juristas à reportagem.

A investigação, em tese, caberia ao Ministério Público Federal (MPF) e seria de competência da procuradoria da República de Brasília ou de São Paulo, onde o ex-presidente reside atualmente.

Uma apuração preliminar dependeria de representação que poderia ser feita por Mirian ou por qualquer pessoa ou entidade que buscasse o esclarecimento do caso. O MPF também poderia iniciar uma apuração "de ofício", sem ser provocado. No entanto, essa hipótese é considerada pouco provável, apurou o Valor.

Políticos do PSDB no Senado ligaram para o ex presidente Fernando Henrique, ontem, e depois informaram considerar "estranha" a circunstância das declarações feitas pela ex-namorada.

A Receita Federal não quis comentar remessas de recursos ao exterior e contas mantidas pelo ex-presidente no Banco do Brasil e no Bradesco. Em nota, o ex-presidente afirmou que aguarda esclarecimentos da Brasif. "Trata-se de um contrato feito há mais de 13 anos, sobre o qual não tenho condições de me manifestar, enquanto a referida empresa não fizer os esclarecimentos que considerar necessários". No comunicado, FHC afirma que fez remessas "de rendas legítimas" de seu trabalho, por meio de contas pessoais do Banco do Brasil nos Estados Unidos e no Novo Banco, na Espanha. Também confirmou a doação de um valor para a compra de um imóvel doado ao filho de Mirian Dutra.

A TV Globo divulgou nota em que diz que "não interfere na vida privada de seus colaboradores" e que "jamais foi avisada por Mirian Dutra sobre o contrato fictício de trabalho e que, se tivesse sido avisada, condenaria a prática".

A nota da emissora diz ainda que "em junho de 2004, e não em 2002, o contrato da colaboradora Mirian Dutra foi alterado com mudanças em suas atribuições, o que acarretou nova remuneração, tudo segundo a lei vigente no país em que ela trabalhava".

Segundo Cunha Lima, os tucanos consideraram ainda "estranha" a circunstância em que as revelações de Miriam vieram à tona, coincidindo com o momento em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é alvo de diversas frentes de investigação. "Vários de nós ligamos para o presidente Fernando Henrique de ontem para hoje. É um assunto de caráter estritamente pessoal e achamos estranho, no mínimo, que ela tenha resolvido falar em meio às circunstâncias que o Brasil vive".

O PSDB, disse Cunha Lima, não pretende, por ora, encampar nenhuma iniciativa de defesa de FHC no Congresso, mas, caso parlamentares do PT resolvam trazer a questão para o debate - como já o fizeram ontem, na Câmara - os tucanos reagirão.

O receio de deputados e senadores tucanos é que o PT explore o episódio para tentar "desviar o foco" das denúncias sobre Lula.

Próximo a Lula, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) disse que vai procurar os órgãos responsáveis para pedir apuração das contas de FHC. O líder do PSDB na Câmara, Antônio Imbassahy (BA), disse apenas que o ex-presidente tucano já se explicou.