O globo, n. 30082, 17/12/2015. País, p. 9

Dilma vê ‘invenção de motivos’ para afastá-la da Presidência

 
EDUARDO BRESCIANI, WASHINGTON LUIZ ISABEL BRAGA

Presidente acusa adversários de querer ‘saltar a eleição’ e critica Alckmin por crise na educação em SP.

-BRASÍLIA- No mesmo dia em que militantes ligados ao PT e simpatizantes do governo foram às ruas defender seu mandato, a presidente Dilma Rousseff afirmou que a tentativa de impeachment deve ser entendida como um golpe porque a Constituição não prevê “invenção de motivos”. Ela discursou durante a abertura da 3ª Conferência Nacional da Juventude.

— A Constituição prevê sim esse processo de impeachment, o que ela não prevê é a invenção de motivos. Isso não está previsto em nenhuma Constituição. Por isso, aqueles que tentam chegar ao poder de forma a saltar a eleição direta, eles oscilam entre invenções e falácias porque não há como justificar o atentado que querem cometer contra a democracia. É isso que nós chamamos de golpe — afirmou Dilma.

Ela criticou os adversários atacando a biografia dos que desejam tirá-la do cargo.

— O mais irônico é que muitos dos que querem interromper meu mandato têm biografias que não resistem a uma rápida pesquisa no Google — disse a presidente.

Dilma voltou a defender a legalidade dos atos orçamentários de seu governo, argumento usado pelos defensores do impeachment. Ela afirma que tudo foi feito dentro da legalidade. Disse ainda que o Brasil não tem um sistema parlamentarista para trocar o chefe de governo com base em uma crise política ou econômica. OPOSIÇÃO FESTEJA DECISÃO DO STF

Com plateia a favor, a presidente fez ainda ataques indiretos ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), de quem tentou seu aproximar no início do ano, ao citar a polêmica do fechamento de escolas.

— Não mudaremos o Brasil fechando escolas, isso é certo. Nós também não vamos mudar o Brasil reprimindo movimentos pacíficos com forças policiais. Nós sabemos que fechar escolas é extinguir sonhos, romper relações estabelecidas, é fragilizar o futuro — afirmou.

No Congresso, líderes da oposição na Câmara comemoraram o voto do ministro Edson Fachin em relação ao rito do impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Para os líderes, além de referendar o que foi feito pela Câmara até agora, Fachin mostrou que impeachment não é golpe e tem regramento. A oposição também entende que, com a necessidade de publicação do acórdão, o Supremo também conseguiu evitar que o governo tenha força para suspender o recesso e garantir que a Comissão do Impeachment trabalhe em janeiro.

— O ministro Fachin confirmou que impeachment não é golpe, tem regramento e que, até aqui, os atos foram legais e legítimos. Entre o entendimento dos pró-impeachment e do governo, o ministro ficou com o entendimento dos pró-impeachment, que não são nosso, são os de 1992. Esperamos que isso possa se confirmar por maioria amanhã. Do ponto de vista cronológico, o processo só se inicia após o carnaval, tem que publicar os acórdãos, só se iniciará após fevereiro — disse o líder da minoria, Bruno Araújo (PSDB-PE).

Para o líder do DEM, Mendonça Filho (PE), Fachin respaldou os passos dados até agora tomando por base o processo contra Collor:

— É um voto consistente e denso e que respalda constitucionalmente todos os passos dados até aqui no processo de impeachment e o roteiro estabelecido pela Câmara.

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Apesar de Cunha, não é golpe

 
IVAR HARTMANN* Professor da FGV-Direito Rio

Antigamente, protestos eram marcados para ocorrer em paralelo a decisões do Executivo ou a votações no Congresso. Ontem as ruas queriam dialogar também com o Supremo, em plena sessão. A questão central desse diálogo é: o atual procedimento de impeachment é golpe? O julgamento não terminou, mas a resposta até agora é um frio e técnico “não”. O ministro Fachin apresentou fundamentos legais e constitucionais para validar todas as etapas do processo de impeachment até agora. Defesa prévia da presidente antes do parecer da Comissão Especial da Câmara não é exigida pela Constituição. Seleção dos membros dessa Comissão por eleição de chapas é legítimo. Voto secreto para a eleição das chapas é permitido.

Quando há divergências latentes, os ministros costumam apontá-las já durante o voto do relator. Isso não aconteceu ontem enquanto Fachin lentamente apresentava suas posições. É difícil prever. Mas até agora, o plenário parece concordar que, mesmo existindo possíveis divergências pontuais, não há golpe.