O globo, n. 30080, 15/12/2015. País, p. 7

‘Não há necessidade de pedir vista’

 

ISABEL BRAGA

Novo relator do processo de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), diz que o presidente da Câmara não deve impedir as investigações já que deu aval ao impeachment.

Seu relatório será aprovado amanhã?

Espero que sim e que o processo siga seu curso natural. Não vejo nenhum tipo de vício no fato de seguir o processo de onde ele parou, nenhum tipo de comprometimento em não abrir nova vista e por ter havido a substituição do relator. Todos os fundamentos que temos, tanto no Código Penal, quanto no Código de Processo Civil, indicam o mesmo caminho: se não houve prejuízo para a defesa, não há nulidade. Aliás, apenas para sublinhar: quem fez a admissibilidade pelo impedimento da presidente, acho que não tem que se preocupar tanto com seu próprio processo.

O senhor estranha Cunha abrir o processo contra Dilma e não permitir a abertura das investigações

contra ele?

No processo de impedimento da presidente Dilma ele, na condição de presidente, analisou a circunstância dos fatos e entendeu que era necessário a Casa iniciar o processo e investigar. Não se fala ainda em crime de responsabilidade. Na condição de deputado, há acusações, há imputações e um processo em andamento que precisa ser admitido. Eu penso que não pode ter dois pesos e duas medidas.

Não teme que a aprovação agora, com questionamentos, abra margem para o processo voltar à estaca zero?

Não há mais necessidade de se pedir vista. O parecer não inova, segue a mesma linha do parecer anterior — tanto o do (Fausto) Pinato (antigo relator), quanto o que apresentei na condição de membro. Não mudo nada, apenas não foco no mérito. Temos questão de ordem da Casa que dá para ser aplicada por analogia, que fala dos pedidos de vista quando muda a legislatura. Quando novo relator é indicado, se mantiver o mesmo relatório ou apresentar só complementação de voto, não cabe pedido de vista.

Cunha e a defesa insistem que cabe.

Cabe a defesa espernear, é normal. Não cabe ao Conselho se submeter a isso. Não vejo qualquer hipótese para anulação de qualquer ato lá na frente. Qual o prejuízo para a defesa? Nesta fase, o prejuízo seria ao interesse da sociedade. Eu considero um novo pedido de vista abusivo e capaz de comprometer a boa investigação da segunda fase.

Na semana passada, o senhor ajudou a não votar o relatório. Faz jogo duplo?

Não sou nem contra Cunha nem a favor de Cunha. No Conselho, temos os aliados extremos de Cunha, que o defendem numa situação absolutória, os inimigos do Cunha, que defendem processo sumário, e um terceiro grupo que atua para trabalhar o processo independente de qual seja o resultado. Quer a busca da verdade. Não é porque vai favorecer o representado que eu vou ficar contra.

O senhor sofreu pressão de Cunha? E de aliados dele?

Cunha nunca tratou comigo desse assunto. Parlamentares, aliados e não aliados, têm me abordado. Antes da relatoria, era mais abordado. Sobre ameaça, não tive. E espero que o processo transcorra na absoluta normalidade. Não pretendo julgar a pessoa do presidente, do deputado. A gente julga os fatos.

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‘Processo retornou ao estágio inicial’, diz Cunha

ANDRÉ SOUZA, EDUARDO DE BRESCIANI, ISABEL BRAGA E JÚNIA GAMA

Segundo ele, ao trocar o relator, Conselho de Ética não pode cercear defesa.

-BRASÍLIA- O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou que o processo a que responde no Conselho de Ética terá de voltar ao “estágio inicial” devido à troca de relator realizada na semana passada. Os aliados do peemedebista afirmam que, com base no regimento, uma tentativa de votar hoje o parecer de Marcos Rogério (PDT-RO) poderá fazer com que, no futuro, o projeto volte mais uma vez à estaca zero.

— Obviamente, o processo, na hora que houve uma troca de relator, retornou ao estágio inicial. Então, é natural que vai ter relatório, pedido de vista, a defesa vai ter que ser apresentada em função do novo relatório, vai ter que conhecer para poder apresentar a defesa. Cercear meu direito de defesa não é uma boa coisa. Isso é que acaba gerando as controvérsias. Se tivesse feito tudo corretamente, cumprindo o regimento, já teria sido votada essa admissibilidade há bastante tempo — disse Cunha.

Um dos principais aliados de Cunha, o deputado Manoel Júnior (PMDB-PB) afirma que o processo está “zerado”. Ele diz que não pedirá vista, mas que caso isso ocorra o presidente do Conselho, José Carlos Araújo (PSD-BA), não poderá rejeitar. Manoel Júnior ressalta que, nessa hipótese, somente na sexta poderia ser realizada a votação. Após essa fase, caberia nova discussão do parecer. Como o Congresso deve entrar em recesso dia 23, dificilmente haveria quórum para deliberar em 2015.

A determinação de Rogério e Araújo de evitar novo adiamento poderia abrir espaço para questionamentos futuros. Os aliados de Cunha ressaltam que o rito do processo prevê que, caso venha a ser condenado no final do processo no Conselho, ele pode acionar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para questionar aspectos regimentais. Para eles, a rejeição de vista nessa fase seria um vício regimental. Isso porque com a troca de relator todos os atos anteriores, como a vista e a discussão do relatório de Fausto Pinato (PRB-SP), estariam anulados. Se a CCJ tiver tal entendimento, o Conselho teria de começar do zero mais uma vez. STF REJEITA VOLTA DE PINATO Uma tentativa de tentar restabelecer imediatamente Pinato como relator foi rejeitada ontem pelo Supremo. O PRB entrou com uma mandado de segurança para desfazer a troca, mas a ministra Rosa Weber negou a liminar. O mérito do pedido ainda será analisado. O PRB alega que a decisão do 1º vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PPMA), de afastar Pinato não levou em conta a “independência legislativa” do partido. Pinato foi considerado suspeito para relatar porque o PRB fez parte do bloco que ajudou a eleger Cunha.