O globo, n. 30041, 06/11/2015. Sociedade, p. 26

Clima pesado no Brasil

 
HENRIQUE GOMES BATISTA

Pesquisa em 40 países revela que brasileiros são os mais preocupados com aquecimento.

Uma pesquisa em 40 países sobre o aquecimento global revela que a preocupação é maior no Brasil. -WASHINGTON- Os brasileiros são os mais preocupados com o clima entre as populações de 40 países. Uma pesquisa realizada com 45 mil pessoas em todos os continentes pela Pew Research Center mostra que 86% da população nacional acredita que a mudança climática “é um problema muito sério”. O percentual é muito acima da média global, de 54%, e superior à preocupação dos dois países que mais poluem no mundo: Estados Unidos (45%) e China (18%, o pior percentual da pesquisa). O dado brasileiro fica acima de nações desenvolvidas, como Alemanha (55%), Reino Unido (41%), Canadá (51%) e Japão (45%). O resultado nacional ainda se sobressai na comparação de outras nações em desenvolvimento, como Turquia (37%), Rússia (33%) e Argentina (59%).

O Brasil também se destaca em outros pontos do levantamento chamado “A preocupação global sobre a mudança climática — suporte para a limitação das emissões”, divulgado ontem e realizado entre março e maio deste ano. Noventa por cento dos entrevistados no país acham que as mudanças climáticas já afetam as pessoas, contra 51% da média global. E 99% dos brasileiros afirmam que impactos serão sentidos dentro dos próximos cinco anos, contra 79% do resultado mundial.

A pesquisa aponta que 89% dos brasileiros também acreditam que as pessoas terão de mudar aspectos de suas vidas por causa das mudanças climáticas, contra 67% da média mundial. Apenas 22% acreditam que a tecnologia pode resolver este problema sem a necessidade de grandes alterações. Mesmo nos EUA, um país conhecido por suas inovações tecnológicas, 66% pensam que será necessário haver mudanças de estilo de vida.

PRESSÃO PARA AUMENTAR METAS Na pontuação feita pelo instituto americano, levando em conta diversos aspectos do levantamento, o Brasil tem a maior nota (11,42), contra a média de 9,93 e o piso de 8,66, registrado em Israel. Os dois países mais poluidores do mundo têm nota menor, bem abaixo da média global: EUA, com 8,78, e China, com 9,11. “Este forte suporte público interno, bem como a pressão internacional, provavelmente contribuiu para recente promessa da presidente do Brasil, Dilma Rousseff, para cortar as emissões de carbono do país em 37% até 2025”, afirma a pesquisa.

— No geral, o levantamento revela um alto grau de preocupação global com as mudanças climáticas — conta Richard Wike, diretor de Atitudes Globais de Pesquisa da Pew Research Center. — A maior parte da população de todos os 40 países pesquisados considera que este é um problema sério. E as preocupações são especialmente elevadas na América Latina. Uma razão pela qual nós podemos ver níveis mais altos de preocupação geral em alguns países emergentes e em desenvolvimento é que as pessoas desses países são mais propensas do que as de nações mais ricas a acreditar que as alterações climáticas terão um impacto pessoal sobre elas.

Por outro lado, a imensa maioria da população global apoia a redução das emissões de gases do efeito estufa: 78% dos entrevistados concordam com estas restrições, o que pode contribuir para a assinatura de um acordo global na Conferência do Clima no fim do mês, em Paris.

Na maior parte dos países, mais de 70% dos entrevistados apoiam o corte da liberação de poluentes. A medida é menos popular na Turquia (56%). No Brasil, ela conta com o apoio de 88% das pessoas; pouco abaixo do visto na Coreia do Sul e na Itália (89%), onde estas medidas têm mais suporte.

A seca é o maior temor da mudança climática. Quarenta e quatro por cento da média mundial dos pesquisados citam este problema, que é mais preocupante na América Latina e na África (59% dos entrevistados de cada continente). Na sequência, há o risco de grandes tempestades, temidas por 35% do total dos entrevistados e por 34% dos moradores da Ásia. Catorze por cento acreditam que o aumento da temperatura é uma grande ameaça, e no Oriente Médio este percentual é de 19%. E apenas 6% da média global se preocupam com o aumento do nível dos mares, embora este tema tire o sono de 17% dos americanos.

O instituto de pesquisa, um dos mais conceituados dos EUA, espera que estes dados possam servir de base para os políticos que deverão decidir o futuro do acordo climático em Paris. Para o Pew Research, “há um consenso global de que a mudança climática é um desafio significativo”.

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Sob impacto dos desastres

 
RENATO GRANDELLE

Série de tragédias ambientais teria incentivado a maior conscientização da nossa população.

Para especialistas, não é surpresa o Brasil estar no topo do ranking dos preocupados com o clima. Um em cada quatro municípios do país declarou estado de emergência ou calamidade pública desde o início do ano — a maioria devido à estiagem no Nordeste. Secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl avalia que a população está assustada com a exposição a eventos extremos.

— O brasileiro ainda lembra de tragédias como as enchentes na Região Serrana do Rio — observa. — Os desastres naturais e a crise hídrica impactam a qualidade de vida e a economia. Há uma percepção de que o governo faz menos do que deve, mas as pessoas ainda não sabem exatamente como agir.

Rittl atribui o irrisório percentual de preocupados na China (apenas 18%) às peculiaridades de seu sistema político.

— O país não tem um governo eleito, o que faz a informação fluir de uma forma diferente — destaca. — Quando decidiu como cortaria suas emissões, a China pensou mais no impacto econômico da poluição nas cidades do que na opinião pública.

Pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, José Marengo atribui o baixo índice de americanos que temem o clima (45%) ao apego do país pela “economia do carvão”.

— O americano não está disposto a mudar seu estilo de vida, baseado no consumo de combustíveis fósseis — explica.

Entrevistados da África e da América Latina elegeram a estiagem como o extremo climático mais alarmante. De acordo com Rittl, países do Norte africano testemunham a decadência da agricultura familiar e a perda de quantidade e qualidade de água. Na Ásia, o medo é das tempestades. Marengo destaca que as maiores cidades de países como Índia e Filipinas estão na altura do nível do mar, tornando-as vulneráveis também a tsunamis e furacões.

— As mudanças climáticas devem ser vistas como um problema de segurança nacional — alerta Marengo. — Muitas revoluções têm como estopim fatores ambientais. A Síria, por exemplo, enfrenta uma seca antiga.

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Apreensão é influenciada por idade e ideologia

 

Mulheres, jovens e pessoas de esquerda se interessam mais pelo meio ambiente.

-WASHINGTON- A pesquisa da Pew Research Center mostra que as diferenças sobre as preocupações com os problemas climáticos não ocorrem apenas entre países. Dentro da mesma nação, grupos distintos olham de forma única para o assunto. Em geral, mulheres e jovens são mais preocupados com o tema. Nos EUA, por exemplo, 51% das mulheres consideram as mudanças climáticas um problema grave, contra 45% dos homens. E 52% da população entre 18 e 29 anos se preocupam com o tema, contra apenas 38% dos que têm mais de 50 anos.

A ideologia política também interfere no debate sobre o clima. Nos EUA, apenas 20% do republicanos veem a mudança climática como um problema sério, contra 41% dos independentes e 48% dos democratas. Da mesma forma, apenas metade dos republicanos apoia a limitação da emissão de gases do efeito estufa, contra 82% dos democratas. O mesmo se repete em outros países. Na Itália, por exemplo, enquanto 69% das pessoas de esquerda consideram a mudança climática algo sério, apenas 42% que se dizem de direita confirmam esta afirmação.

— Nos EUA, assim como em diversas outras democracias relativamente ricas, há divisões partidárias afiadas sobre esta questão, e essas diferenças certamente influenciam no debate interno sobre a mudança climática — assinala Richard Wike, diretor de Atitudes Globais de Pesquisa da Pew Research Center.

Na maioria dos países, as populações tendem a acreditar que grande parte do fardo para lidar com a mudança climática deve ser suportado pelas nações mais ricas. Uma média de 54% concordam com a afirmação: “Os países ricos, como os EUA, Japão e Alemanha, devem fazer mais do que os em desenvolvimento, porque têm produzido a maioria das emissões de gases causadores do efeito estufa até agora”. Apenas 38% acham que as nações em desenvolvimento devem fazer tanto quanto as ricas, porque produzirão a maior parte dos poluentes no futuro. AÇÃO HUMANA NO CLIMA Um novo relatório divulgado ontem pelo Serviço de Meteorologia do Reino Unido (Met Office) revelou como a ação humana está influenciando a frequência e intensidade de eventos climáticos em diversas partes do planeta. Entre as consequências mais graves estão as ondas de calor na Austrália, Europa e China; grandes tempestades no Canadá e na Nova Zelândia; e ciclones tropicais no Havaí. (H.G.B)