O globo, n. 30.062, 27/11/2015. País, p. 3
SOBRE DELCÍDIO AMARAL
“Nenhuma das tratativas atribuídas ao senador tem qualquer relação com sua atividade partidária. Por isso, o PT não se julga obrigado a qualquer gesto de solidariedade”
Rui Falcão, em 25/11/2015 SOBRE JOSÉ DIRCEU
“Ele está sendo acusado de, através de consultorias, ter usado recursos para fins pessoais. Ele não apresentou a sua defesa. Até que isso se dê temos que partir da presunção da inocência”
Rui Falcão, em 20/10/2015 SOBRE JOÃO VACCARI
“O PT considera um equívoco a condenação, sem provas, do companheiro João Vaccari Neto, que construiu sua história nas lutas dos trabalhadores”
Rui Falcão, em 21/9/2015
Após defender e aplaudir o ex-tesoureiro Vaccari e o ex-ministro José Dirceu, presos, o PT fala em expulsar Delcídio. -SÃO PAULO E BRASÍLIA- O PT adota com o líder do governo do Senado, Delcídio Amaral, preso na quarta-feira por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), um tratamento muito mais duro que o dispensado a outros nomes da legenda envolvidos na Operação Lava-Jato, como o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro João Vaccari Neto.
Com o argumento de que Delcídio não estava em atividade partidária quando foi flagrado tentando obstruir as investigações, o comando da legenda decidirá, já na próxima semana, uma possível expulsão do senador.
Em evento promovido ontem pelo Instituto Lula, em parceria com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o presidente do PT, Rui Falcão, admitiu que o líder do governo recebe tratamento diferente ao destinado a Vaccari.
— Tem uma diferença clara entre a atividade partidária e a atividade não partidária — disse Falcão.
Em nota divulgada após a prisão de Delcídio, o presidente do PT disse que o partido “não se julga obrigado a qualquer gesto de solidariedade” com o senador, porque nenhuma das tratativas atribuídas a ele tem relação com sua atividade partidária. Em setembro, quando Vaccari foi condenado a 15 anos por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa, o partido criticou a decisão do juiz Sérgio Moro. Na época da prisão de Dirceu, em agosto, o PT decidiu não assumir a defesa de seu ex-presidente, mas, em entrevistas, Falcão tem afirmado que é preciso aguardar a defesa do ex-ministro sobre as acusações de que teria recebido benefícios pessoais, como o pagamento da reforma de uma casa e de voos em jatos particulares, custeados por dinheiro desviado da Petrobras.
Ambos os casos se tratam de questões pessoais, mas tiveram tratamento diferente de Falcão. Enquanto o presidente do PT defende a reação dura contra Delcídio por essa razão (a questão pessoal), com Dirceu o mesmo argumento é usado para dar-lhe o direito de defesa
— Houve um entendimento partidário de que todas as ações do Vaccari para recolher contribuições seguiram a legislação. A acusação de que havia uma relação (do dinheiro arrecadado) com propina não foi provada, e ele tem direito de recorrer. O entendimento do PT é que ele foi acusado pela função que exerceu como tesoureiro. Não há nenhuma acusação de caráter pessoal, de enriquecimento, de atitude autoritária, de burlar a lei — afirmou Carlos Árabe, secretário de Formação Política do PT, que apoiou a nota de Falcão contra Delcídio. DEFESA DE EXPULSÃO DO PARTIDO Na comparação com o caso de Dirceu, os petistas citam que as provas contra o exministro não são tão evidentes quanto a gravação em que Delcídio oferece R$ 50 mil para o ex-diretor Nestor Cerveró não citá-lo em delação premiada.
O fato de o líder do governo ser um ex-tucano, sem ligações históricas com o PT, também ajudou a dar força à postura da cúpula partidária de lavar as mãos no seu caso. O episódio é visto como uma chance de a legenda tentar passar para a opinião pública a imagem de que também combate a corrupção.
Alguns dirigentes petistas já assumem a defesa da expulsão do senador.
— Pessoalmente, sou favorável à expulsão — disse ontem o presidente do PT de São Paulo, Emídio de Souza, ao participar do mesmo evento que Falcão.
O diretório do Rio Grande do Sul também divulgou ontem uma nota defendendo o afastamento imediato do líder do governo no Senado. Mas a posição contra Delcídio está longe de ser um consenso no PT. As bancadas do Senado e da Câmara consideraram a nota de Falcão precipitada.
A bancada do PT no Senado se sentiu traída pelo presidente do partido e pelo Palácio do Planalto, e deverá procurar a presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula e a direção petista para conversar sobre os desdobramentos da prisão de Delcídio. Depois da sessão que manteve o petista na cadeia, na noite de quarta-feira, os senadores se reuniram para analisar a situação. Consideraram que governo e PT tiraram o corpo fora e deixaram o problema no colo da bancada. Somado a isso, consideraram que houve total falta de articulação, a ponto de a nota em que Falcão rifa Delcídio ter sido conhecida pela bancada por meio do senador oposicionista Ronaldo Caiado (DEM-GO).
— É preciso um freio de arrumação para unificar o discurso. Temos que conversar. Não houve uma articulação entre PT, governo e Senado. A bancada ficou destruída — disse um petista.
Os senadores se mostraram irritados por não terem sido avisados por Falcão do teor da nota e porque seu conteúdo, praticamente antecipando a expulsão de Delcídio do PT, interferiu na posição dos outros partidos, que recuaram e passaram a defender a votação aberta. Em nenhum momento, relataram senadores do partido, Falcão discutiu o conteúdo da nota. O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), tomou um susto ao ver Caiado lendo o texto em plenário. Tentou falar com Falcão por telefone, mas não conseguiu.
— Se Rui tivesse falado com a gente, poderíamos talvez até ter tomado outra decisão, defender o voto aberto. De qualquer forma, acho que não se faz isso com um companheiro, é covardia — afirmou um senador petista ao GLOBO.
Nas palavras de outro petista, o dia foi um desastre:
— O governo e o PT jogaram Delcídio aos leões na primeira hora do dia. O governo, logo de pronto, deixou claro que já procurava um líder.
Antes de se reunir com a cúpula partidária, o PT no Senado tem uma preocupação mais imediata. Delcídio era o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), a segunda mais importante do Senado. A discussão é se o partido deve indicar já outro nome, atropelando o líder que está preso.
Falcão minimizou a reação da bancada no Senado e uma divisão no partido sobre o futuro de Delcídio:
— Ele (Humberto Costa) falou pela bancada de senadores. É a opinião dele. Não há divisão, porque eu expressei uma opinião, e essa opinião vai ser debatida pela Executiva com maior profundidade, inclusive com consequência práticas. -BRASÍLIA- O agravamento da crise política, com a prisão, na quarta-feira, do líder do governo no Senado, senador Delcídio Amaral (PT-MS), acusado de obstruir as investigações da Operação Lava-Jato, gerou um impasse que pode ter como desfecho a paralisação da máquina pública. E, para complicar ainda mais a situação, a equipe econômica está dividida em relação ao caminho a seguir. Com a prisão de Delcídio e a forte repercussão do fato no Senado, o presidente da Casa, Renan Calheiros, adiou para a próxima terça-feira a votação, no Congresso, da revisão da meta fiscal de 2015, que foi ajustada para acomodar um déficit de até R$ 120 bilhões.
Só que o governo tem prazo até segunda-feira, dia 30, para editar o último decreto de programação financeira do ano e decidir se adota uma meta que ainda não foi aprovada pelo Congresso, ficando sujeito a sanções do Tribunal de Contas da União (TCU), ou se ajusta o decreto à meta atual, já aprovada pelo Congresso, que é de superávit de R$ 55,3 bilhões, o que exigiria um corte no Orçamento de R$ 107 bilhões. Isso, na prática, não é factível, mesmo com a suspensão de todos os gastos não obrigatórios do governo, o que paralisaria a máquina pública.
SEM CONSENSO NA EQUIPE ECONÔMICA
Na equipe econômica, não há consenso sobre a forma de fazer o decreto. De um lado, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, defende que se cumpra a recomendação do TCU. Ao analisar as contas do governo de 2014, os ministros da Corte condenaram o fato de o governo ter administrado o Orçamento do ano passado com base num esforço fiscal que ainda não havia recebido o aval dos parlamentares. Por isso, a posição da Fazenda é evitar correr esse risco novamente.
De outro lado, o Ministério do Planejamento quer que a programação financeira se baseie na meta ajustada, que permite um déficit primário de R$ 51,8 bilhões, exatamente para evitar a paralisação da máquina federal. Para seguir a recomendação do TCU, seria preciso fazer o que alguns técnicos chamam de shut down, ou seja, simplesmente suspender todos os gastos discricionários até o fim do ano. Significaria deixar de fazer, por exemplo, o pagamento de todos os serviços de água, luz, telefone, bolsas do Brasil e no exterior, fiscalização ambiental, do trabalho, da Receita e da Polícia Federal.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), alertou ontem para o problema:
— É uma decisão que terão que tomar no Executivo: ou eles continuarão executando o Orçamento normalmente, ou vão paralisar até aprovar. Paralisar significa paralisar tudo, porque o tamanho da diferença é tão grande que, se executar qualquer coisa, de qualquer maneira estarão descumprindo (a Lei Orçamentária). É uma decisão difícil que o governo terá que tomar.
Cunha disse que há disposição para facilitar a realização da sessão do Congresso em que será analisado o projeto de mudança, mas ponderou que o governo deveria ter articulado a aprovação com maior antecedência:
— Esse projeto da mudança de meta já deveria ter sido votado — disse.
FAZENDA DEFENDE CONTINGENCIAR POR ALGUNS DIAS
Os técnicos esperavam que a mudança na meta fiscal fosse votada esta semana e, assim, o decreto — que precisa ser publicado no dia 30 de novembro — já pudesse acompanhar os novos parâmetros fiscais. No entanto, a prisão do líder do governo tumultuou os trabalhos do Senado, e a votação foi adiada.
Com receitas em queda livre e despesas engessadas, o governo federal já acumula um déficit primário de R$ 33 bilhões até outubro. Esse valor, no entanto, poderia chegar a R$ 117,9 bilhões, caso o governo tenha algumas receitas frustradas e pague o saldo de todas as “pedaladas” fiscais (atrasos nos repasses de recursos do Tesouro Nacional para bancos públicos), que é de R$ 57 bilhões. Isso no caso de a nova meta fiscal ser aprovada pelo Congresso.
No último relatório bimestral de receitas e despesas, o governo alertou para o fato de que seria preciso fazer um contingenciamento adicional de gastos de R$ 107,1 bilhões para garantir a meta oficial. No entanto, neste momento, o valor que pode efetivamente ser contingenciado é de apenas R$ 10,7 bilhões.
“Cabe ressaltar que o contingenciamento dessas despesas levaria a graves consequências para a sociedade, com a interrupção da prestação de importantes serviços públicos e da execução de investimentos necessários à manutenção da infraestrutura do País e à retomada do crescimento econômico”, afirma o documento. Há ainda uma preocupação com o risco de um novo corte obrigar o governo a deixar de cumprir contratos, o que também teria repercussão negativa.
Ontem, ao comentar o resultado das contas públicas, o secretário do Tesouro, Marcelo Saintive, admitiu que o governo tem dois caminhos na hora de editar o decreto e reconheceu que seguir a recomendação do TCU prejudicará a prestação de serviços:
— Seguindo a determinação do TCU, a gente deve publicar o decreto na segunda. Já fizemos o maior contingenciamento dos últimos 13 anos. Mas já explicamos no relatório bimestral que um novo contingenciamento prejudica a prestação de serviços do Estado.
Interlocutores da Fazenda argumentam que seria mais seguro fazer esse contingenciamento, pois, embora ele penalize a população, só duraria alguns dias, até a aprovação da nova meta pelo Congresso. Logo em seguida, poderia ser editado um decreto liberando os gastos.
O procurador do Ministério Público junto ao TCU, Júlio Marcelo de Oliveira, afirmou ao GLOBO que o governo não deveria trabalhar com uma meta que não foi aprovada pelo Congresso:
— O governo não pode jogar para o TCU uma irresponsabilidade dele. Se a meta que ele fixou é irrealista, ele tem que arcar com as consequências. Não dá para trabalhar confiando numa meta que não foi aprovada pelo Congresso. Ele não pode fingir que está cumprindo a lei.
RENAN CALHEIROS NÃO DEMONSTRA TER PRESSA
Ontem, Joaquim Levy se reuniu com o presidente do Congresso, Renan Calheiros, e pediu que a meta fiscal de 2015 seja votada o mais rapidamente possível, reforçando que essa é a maior preocupação do governo neste momento. Renan quer convocar sessão do Congresso para a próxima terça-feira à noite. O líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), disse que será às 19h de terça-feira.
Apesar da pressão do TCU, Renan não tem demonstrado preocupação com o prazo, segundo interlocutores, lembrando que no ano passado a meta foi votada em dezembro. Além disso, congressistas lembram que o TCU é órgão auxiliar do Congresso e que suas decisões precisam ser referendadas pelo Legislativo.
Renan deverá repetir na próxima semana a fórmula de fazer sessões na terça e na quarta. A sessão começa com a votação de três vetos presidenciais que trancam a pauta. E, depois, será colocada em votação da meta fiscal de 2015. Em seguida, a LDO de 2016, com a meta fiscal de 0,7% do PIB .